Preocupante

Fica Vivo! tem queda de 70% no atendimento de jovens em Minas Gerais

Em 2013, o número de assistências mensais era de 11.445; neste ano, a média é de 3.370

Por Lucas Morais
Publicado em 28 de março de 2022 | 03:00
 
 
 
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No hip-hop, a arte que veio das ruas se transforma em música, dança e expressão corporal. Entre as quadras de futsal e vôlei, o esporte, que inspira novas perspectivas de vida. Há quase 20 anos, o programa que já retirou milhares de jovens da criminalidade oferece oficinas de variados temas que representam mais que uma nova oportunidade de vida.

Outrora premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Fica Vivo! vive, atualmente, um caminho inverso: conforme dados da própria Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), nos últimos nove anos a iniciativa teve uma queda de 70% na quantidade de jovens atendidos em Minas Gerais.

Com 38 unidades nos 11 maiores municípios do Estado, em 2013 o Fica Vivo! atendia 11.445 jovens por mês, índice que caiu para 3.370 neste ano – duramente impactado pela pandemia, o programa criado para reduzir a criminalidade, principalmente os homicídios, em regiões vulneráveis mineiras chegou a receber menos de 1.400 jovens mensalmente em 2021. 

Para a pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ludmila Ribeiro, muito mais que os números, é preciso entender a dinâmica do trabalho realizado atualmente.

“A redução da quantidade de atendimentos por si só não é um indicador muito interessante, porque, mais do que se tem ou não atendimento, interessa saber quem está procurando, quem está sendo atendido e a efetividade dele (do atendimento), ou seja, se essa pessoa consegue de fato transformar sua vida”, analisou Ludmila.

Distanciamento

Segundo a especialista, muitos oficineiros (pessoas que ministram aulas no projeto) foram dispensados pelo Estado durante a pandemia, e também houve uma mudança no perfil dos profissionais que fazem esse tipo de trabalho. “Eram superengajados (os oficineiros) com o projeto, pessoas que tinham todo um vínculo com a comunidade. Com o tempo, isso foi se perdendo, e hoje, muitas vezes, são estudantes universitários que vivem uma realidade muito distante daquele jovem”, destacou.
 
Além disso, Ludmila pontuou que o programa não conseguiu acompanhar as mudanças tecnológicas, e, por isso, é necessário repensar a atual metodologia empregada no Fica Vivo!. “A realidade da dinâmica de crime e violência é muito diferente do passado, quando o projeto foi concedido. Se você quer uma iniciativa para atrair os jovens, precisa repensar essa metodologia. E vou te dar só um exemplo: há 20 anos não tinha smartphone, redes sociais”, destacou a estudiosa.

A pesquisadora lembrou que o Fica Vivo! teve uma atuação muito forte nos dez primeiros anos, quando havia uma parceria com os institutos de pesquisa. “Em uma sociedade que passou por tantas transformações, o programa precisa também ser transformado caso queira continuar. Falta um trabalho mais de cunho científico e acadêmico na ponta para ajudar o Estado a repensar essa metodologia”, finalizou.

Interrupções ameaçam projeto

A pesquisadora da UFMG Ludmila Ribeiro acrescentou que o Fica Vivo!, especialmente durante os governos de Fernando Pimentel (PT) e de Romeu Zema (Novo), passou por períodos sem nenhum tipo de atividade – o que levou a um enfraquecimento da iniciativa.

“Isso cria uma enorme desconfiança na comunidade, que se questiona como vai voltar, se será da forma que era, a finalidade do programa, e isso vai produzindo uma série de desengajamentos. O que estamos vendo agora talvez seja o começo do fim, como resultado acumulado dessas interrupções que estão levando a um enfraquecimento muito substantivo. Mas, se a situação já está ruim com esse programa, sem ele, ficaria pior ainda”, considera.

Um oficineiro, que foi atendido pelo programa quando jovem, concorda que, há alguns anos, o Fica Vivo! tinha mais visibilidade em Belo Horizonte. “Muita gente me pergunta se ainda existe, pensa que acabou. As pessoas circulavam muito com a blusa, isso mostrava a identidade do programa. Dava um ‘rolê’ no centro e via ‘geral’ com a camisa do Fica Vivo!. Ficou apagado, apesar de ainda ser uma das únicas políticas públicas para os jovens não entrarem no mundo do crime”, disse o homem, que preferiu o anonimato.

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