Outrora premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Fica Vivo! vive, atualmente, um caminho inverso: conforme dados da própria Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), nos últimos nove anos a iniciativa teve uma queda de 70% na quantidade de jovens atendidos em Minas Gerais.
Com 38 unidades nos 11 maiores municípios do Estado, em 2013 o Fica Vivo! atendia 11.445 jovens por mês, índice que caiu para 3.370 neste ano – duramente impactado pela pandemia, o programa criado para reduzir a criminalidade, principalmente os homicídios, em regiões vulneráveis mineiras chegou a receber menos de 1.400 jovens mensalmente em 2021.
Para a pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ludmila Ribeiro, muito mais que os números, é preciso entender a dinâmica do trabalho realizado atualmente.
“A redução da quantidade de atendimentos por si só não é um indicador muito interessante, porque, mais do que se tem ou não atendimento, interessa saber quem está procurando, quem está sendo atendido e a efetividade dele (do atendimento), ou seja, se essa pessoa consegue de fato transformar sua vida”, analisou Ludmila.
Distanciamento
Segundo a especialista, muitos oficineiros (pessoas que ministram aulas no projeto) foram dispensados pelo Estado durante a pandemia, e também houve uma mudança no perfil dos profissionais que fazem esse tipo de trabalho. “Eram superengajados (os oficineiros) com o projeto, pessoas que tinham todo um vínculo com a comunidade. Com o tempo, isso foi se perdendo, e hoje, muitas vezes, são estudantes universitários que vivem uma realidade muito distante daquele jovem”, destacou.
A pesquisadora lembrou que o Fica Vivo! teve uma atuação muito forte nos dez primeiros anos, quando havia uma parceria com os institutos de pesquisa. “Em uma sociedade que passou por tantas transformações, o programa precisa também ser transformado caso queira continuar. Falta um trabalho mais de cunho científico e acadêmico na ponta para ajudar o Estado a repensar essa metodologia”, finalizou.
Interrupções ameaçam projeto
A pesquisadora da UFMG Ludmila Ribeiro acrescentou que o Fica Vivo!, especialmente durante os governos de Fernando Pimentel (PT) e de Romeu Zema (Novo), passou por períodos sem nenhum tipo de atividade – o que levou a um enfraquecimento da iniciativa.
“Isso cria uma enorme desconfiança na comunidade, que se questiona como vai voltar, se será da forma que era, a finalidade do programa, e isso vai produzindo uma série de desengajamentos. O que estamos vendo agora talvez seja o começo do fim, como resultado acumulado dessas interrupções que estão levando a um enfraquecimento muito substantivo. Mas, se a situação já está ruim com esse programa, sem ele, ficaria pior ainda”, considera.
Um oficineiro, que foi atendido pelo programa quando jovem, concorda que, há alguns anos, o Fica Vivo! tinha mais visibilidade em Belo Horizonte. “Muita gente me pergunta se ainda existe, pensa que acabou. As pessoas circulavam muito com a blusa, isso mostrava a identidade do programa. Dava um ‘rolê’ no centro e via ‘geral’ com a camisa do Fica Vivo!. Ficou apagado, apesar de ainda ser uma das únicas políticas públicas para os jovens não entrarem no mundo do crime”, disse o homem, que preferiu o anonimato.