O chefe da manutenção da Backer - um dos 11 indiciados no caso Backer -  admitiu em depoimento à Polícia Civil de Minas Gerais que na fábrica da cervejaria não havia manutenção preventiva dos equipamentos e que “toda hora quebrava uma máquina e parava a linha de produção”. Conforme os investigadores do caso, a falta de manutenção, dentre outros problemas, pode ter sido um fator determinante na contaminação das cervejas.

A reportagem de O TEMPO teve acesso ao inquérito policial concluído na semana passada, que investigou a contaminação de 29 pessoas - sendo oito mortes - por dietilenoglicol após consumirem a cerveja Belorizontina da Backer. Conforme o documento, foi identificada na fábrica uma série de problemas técnicos, além de uma falta de organização na linha produtiva.


Segundo o inquérito, que já foi encaminhado ao Ministério Público, os peritos encontraram  um furo de 2 mm no tanque JB 10, por onde ocorreu o vazamento.  Ao esvaziarem o compartimento, os peritos identificaram nas paredes vários pontos de solda que ligam a parede metálica do tanque à uma placa por onde passa o líquido anticongelante. Uma dessas soldas, como apurou a perícia, foi mal executada ocorrendo o vazamento.  

Segundo a investigação, mesmo que o furo seja um vício de fabricação, seria possível perceber o vazamento caso a empresa agisse com mais controle e realizasse manutenções preventivas e periódicas em seus equipamentos. 

O inquérito apurou, como já noticiado, que a reposição do anticongelante (substância que causou a intoxicação) era feita por um funcionário que não possuía conhecimento técnico para o manuseio correto. Esse funcionário, que não foi indiciado, afirmou em depoimento que fazia a reposição quando havia um aumento na temperatura dos tanques e isso se dava devido à evaporação do líquido. No entanto, a perícia comprovou que o sistema por onde passava a substância era fechado sem perda de solução. Como o funcionário encarregado não possuía conhecimento técnico e nem capacitação para a função, ele não percebeu que havia um uso excessivo do produto e que isso poderia ser causado por um vazamento. 

Segundo a Polícia Civil, a responsabilização por averiguar esse descontrole no gasto da substância era dos técnicos, principalmente do chefe da manutenção, que possui formação em Engenharia de Controle e Automação com pós-graduação em Engenharia de Manutenção, e de quem partia as ordens da reposição. Segundo concluiu o inquérito, ao passarem a responsabilidade da reposição à um funcionário sem conhecimento técnico, eles impediram que o vazamento fosse descoberto.

Além disso, como informou a Polícia Civil, o manual do tanque afirma que deve se utilizar um anticongelante não tóxico, como álcool anídrico ou propilenoglicol, pois, por se tratar de um produto alimentício, não traria risco à saúde dos consumidores caso ocorressem vazamentos.  

Desorganização na fábrica

O inquérito também aponta, como O TEMPO já havia noticiado, uma desorganização no sistema produtivo e uma série de “adaptações nos tanques na fábrica” da cervejaria.

Segundo o relatório da Polícia Civil, um técnico de manutenção da empresa fabricante do tanque Jumbo 10, onde foi constatado o vazamento de dietilenoglicol, fez uma visita à empresa e teria notado uma série de não conformidades no equipamento. Entre os problemas apontados estariam tubulações enterradas (elas deveriam ser aparentes), além de canos de PVC mesclados a cano de inox (os indicados).

A polícia identificou que o cargo de chefe de manutenção havia sido criado há 11 meses e que anteriormente a supervisão era feita por um funcionário sem formação que acumulava o cargo com inúmeros reparos técnicos em toda a fábrica.

Outro ponto mostrado pelo inquérito policial que demonstra  falta de controle na fábrica é a inexistência de registros dos serviços de reparos e consertos feitos na fábrica anteriores a 2019, quando passaram a serem registrados. 

Os indiciamentos

O chefe da manutenção foi indiciado por homicídio culposo, contaminação e intoxicação. No entendimento do delegado, ele se omitiu e agiu com negligência ao observar o descontrole na entrada do produto.  
 
Seis funcionários do núcleo técnico foram indiciados por homicídio culposo, lesão corporal culposa e contaminação de produção alimentícia. Na contaminação esse grupo responde dolosamente, uma vez que possuíam capacidade técnica para saberem que o produto era tóxico e que o manual do equipamento dizia da necessidade de se utilizar uma substância não tóxica na produção. 

Os três sócios da Backer, Ana Paula Lebbos, Munir Franco Khalil Lebbos e Hayan Franco Khalil Lebbos foram indiciados por foram indiciados pelos atos pós-produção, porque não atuavam diretamente na produção. Eles foram autuados no artigo 64 do Código de Defesa do Consumidor, por não realizar recall por produto que poderia apresentar risco ao consumo. E também pelo artigo 272, contaminação de produto alimentício e manter as cervejas em estoque, além de não cumprir recall do Ministério da Agricultura (Mapa). Nos dois crimes, esse grupo responde dolosamente.

O funcionário da empresa fonernecedora de monoetileno também foi indiciado por falso testemunho e suborno. 

Defesa da Backer 

Os advogados da empresa, em coletiva de imprensa realizada na semana passada, declararam discordar da conclusão do inquérito, pois segundo a defesa, ela não condiz com as provas coletadas na empresa.

Para o advogado Marco Aurélio de Souza Santos, responsável pela parte criminal do processo, a empresa não poderia ser acionada criminalmente. "A Backer nunca comprou dietilenoglicol e não tem culpa pelo vício de fabricação do tanque", declarou. 

A falta de regulamentação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) sobre o uso tanto do dietilenoglicol quanto do próprio monoetilenoglicol foi um dos pontos destacados pela defesa, que alega que o Mapa trazia diferentes metodologias sem aviso prévio e alterava os resultados das limitações nos lotes. 

Procurada pela reportagem para comentar a respeito dos problemas técnicos e de toda a desorganização produtivas apontados pelo inquérito, a cervejaria que seu corpo jurídico fará a defesa de todos os funcionários da empresa ligados ao caso e que “irá honrar com todas as suas responsabilidades junto à Justiça, às vítimas e aos consumidores”, mas disse que não irá mais comentar o conteúdo do inquérito policial.