Assim que completou 60 anos e conquistou a gratuidade no transporte rodoviário interestadual de passageiros, o aposentado cearense Francisco de Assis Bezerra Nunes, 72, vive mais nas estradas do que em Fortaleza, capital do seu Estado, onde tem ponto de apoio na casa de uma irmã, também idosa.

Há quase dez anos, o idoso, que é natural de Tauá (CE), solteiro e sem filhos, vive viajando de ônibus pelo Brasil afora. Entre uma capital e outra, ele passa os dias e as noites nas rodoviárias, aguardando pela liberação de mais uma passagem de graça.

Francisco se gaba de conhecer as rodoviárias de quase todas as capitais brasileiras. Conta que costuma ficar até cinco dias em um terminal, só saindo para dar uma volta no entorno, de vez em quando, até conseguir transporte para mais uma aventura.

O que Francisco não esperava é que fosse passar tanto tempo na rodoviária de Belo Horizonte, onde chegou há quase um mês e até agora não conseguiu passagem para Fortaleza, para onde pretende retornar para rever a irmã e dois sobrinhos. A única passagem que ele conseguiu é para 14 de agosto, com destino a Natal (RN), e ele prefere esperar, mesmo porque não tem como desembolsar R$ 523,92 da tarifa para antecipar a viagem. Em Fortaleza, ele já tem passagem para viajar para a sua cidade natal, em 30 de julho. Mas, se não conseguir chegar antes, vai perder a viagem.

“Assim que eu chego a uma rodoviária, eu já peço a passagem de volta. Aí, não conseguindo, espero até cinco ou seis dias dentro da própria rodoviária”, disse.

Em Belo Horizonte, Francisco passa o tempo todo sentado no jardim dos fundos da rodoviária. À noite, entra para o saguão principal para não ficar ao relento e amanhece o dia sentado. “Não durmo. Só fico sentado”, comentou o aposentado, que está com os pés inchados por não esticar as pernas.

Fome

Sem o dinheiro da aposentadoria, por ter feito vários empréstimos consignados, Francisco depende da caridade das pessoas para matar a fome. “Quando vou receber a aposentadoria, só tem aquela coisinha”, disse ele, mostrando o extrato de 15 de julho, com a conta zerada.

O aposentado não toma banho há 15 dias, pois prefere gastar os R$ 10 da ducha para comprar comida. Isso, quando consegue dinheiro, porque é proibido pedir dentro da rodoviária. “O banheiro é gratuito. A alimentação é que eu não tenho”, reclama. 

Passageiros no local ficam sensibilizados

Balconista em uma lanchonete da rodoviária, Roseli Ferreira da Silva, 52, conta que o aposentado permanece o tempo todo sentado no mesmo lugar, há mais de três semanas. “Fica o dia todo sentado ali, no jardim, quietinho”, aponta. “Eu nunca o vi pedindo nada às pessoas. De vez em quando, ele fica contando um dinheirinho e está sempre comendo alguma coisinha. Ele fuma, mas nunca o vi bebendo”, comentou.

Aparentemente, segundo ela, o aposentado deixou de tomar banho há cerca de uma semana, pois anda muito sujo. “Ele tinha uma aparência melhor, mas está se deteriorando a cada dia”, conta.

Roseli diz que a recomendação nas lanchonetes é para não fornecer alimentos a quem passa pedindo. Mas, segundo ela, muitos passageiros ficam sensibilizados com a situação do aposentado e sempre dão algum lanche para ele: “Esse senhor é diferenciado”.

Empresas devem reservar vagas

De acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o idoso com idade mínima de 60 anos e com renda mensal igual ou inferior a dois salários mínimos tem direito a gratuidade no transporte rodoviário interestadual de passageiros.

Para garantir a gratuidade, as empresas prestadoras do serviço deverão reservar duas vagas gratuitas para os idosos na condição especificada em cada veículo do serviço convencional. Caso esses assentos estejam preenchidos, o idoso terá direito ao desconto mínimo de 50% do valor da passagem.

Codemge diz que não faz assistência social

A Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), que administra o Terminal Rodoviário de Belo Horizonte desde 2016, informou que o local não conta com serviço de assistência social. “Para casos que necessitam desse atendimento, o usuário é orientado a procurar a assistência social localizada na rua Caetés, 342, no centro de BH”, disse.

Ainda de acordo com a Codemge, as empresas de alimentação e de manutenção dos sanitários são terceirizadas e cobram pelos serviços. Mas o aposentado pode ir para um abrigo da prefeitura para que possa dormir, receber alimentação e tomar banho. 

Segundo a Codemge, não há nenhum impedimento para quem deseja permanecer nos recintos do Terminal Rodoviário, mas a prática de mendicância é proibida. “Ressalta-se que, entre 1h e 6h, por questões de segurança, só podem permanecer dentro da rodoviária os passageiros que possuem passagem”, afirma a companhia.