“Estou triste porque não posso sair com meu cachorrinho Toby, mas feliz porque minha filha está comigo”, é como Maria de Lourdes Mariano, 87, define os sentimentos que permeiam os dias de isolamento social que vive, devido à pandemia de coronavírus. Antes, a casa ficava cheia de netos, mas, agora, a companhia limita-se à da filha, do marido, de 96 anos, e de uma cuidadora. Além, claro, do shitzu Toby.
Enquanto alguns pais se perguntam como equilibrar trabalho remoto e o cuidado com os filhos pequenos, algumas pessoas se desdobram para cuidar da saúde física e mental de pais e avós idosos com quem dividem a casa e que estão no grupo de risco da Covid-19. Atividade física, conversas e vitamina D são fatores que não podem faltar neste momento, atenta Marcella dos Santos, enfermeira chefe do DG Sênior, grupo de residenciais para idosos.
“A pessoa pode levantar e sentar em um sofá ou cadeira ou levantar um saco de feijão para exercitar os braços, por exemplo, e você pode colocar obstáculos pelo espaço e ir ao lado da pessoa mais velha desviando deles. A culinária também pode ser incluída na rotina. Chame a pessoa para ajudar na cozinha. Mesmo aqueles que não têm uma cognição muito boa podem ajudar secando uma louça que não quebre ou tarefas mais simples”, detalha.
Tomar sol é essencial para ativar a vitamina D, indispensável para o fortalecimento dos ossos. Na falta de tempo ao ar livre, é preciso aproveitar qualquer raio solar dentro de casa, idealmente expondo a pele até as 10h da manhã por 15 minutos. Alimentos como atum, sardinha e gema de ovos ainda ajudam a reforçar a vitamina.
Conversa e alegria ajudam a manter saúde mental durante isolamento
“O fisioterapeuta enviou algumas instruções para eles em áudio. Quando fazemos fisioterapia em casa, coloco para tocar Nélson Gonçalves, Orlando Silva, essas coisas da época dos meus pais. Mas também coloco sertanejo e até Anitta. Faço ginástica na frente deles, minha mãe olha para o meu pai e riem muito”, diz Patrícia Sarmento, 59, filha de Maria de Lourdes. “Eu tento fazer com que tudo seja mais alegre e que a gente possa sorrir um pouco mais”.
Na casa da engenheira Alessandra Horta Resende, 49, o foco na alegria tem sido parecido: “É bom ver como minha mãe e minha filha, de 13 anos, se entendem. Elas ficam conversando para escolher a que filme assistir”. A pensionista Maria Izabel de Oliveira Horta mora sozinha, mas foi abrigada pela filha desde a última semana.
Acostumada a uma rotina independente e a atividades físicas, ela tenta transportar para a sala do apartamento a rotina de exercícios. “É muito difícil ficar presa, quieta. Eu faço o 'senta e levanta' do sofá (exercício apoiada nos braços), pego alguns pesos, faço abdominal, exercício pélvico…”. Tudo isso, ela conta, tendo acabado de completar 76 anos — a reunião familiar de aniversário precisou ser por chamada de vídeo.
Com a família obrigatoriamente reunida, é um momento de investir no diálogo, defende a enfermeira Marcella dos Santos. “É hora de conversar mais, e conviver com faixas etárias diferentes é benéfico ao idoso. Vamos promover conversar que incluam a todos. Pegue um álbum de retrato antigo e chame o filho para ver as fotos do vovó. Isso resgata a memória e um sentimento de pertencimento. Coloque uma música que o vô adora e chame o filho para conhecer”.
Mesmo sob preocupação com coronavírus, vontade do idoso deve ser respeitada
“Às vezes, os familiares acabam ‘atropelando’ os idosos, retirando a autonomia deles. Você pode orientar, conversar e perguntar, mas a decisão final, se o idosos é lúcido, é dele. Você pode fazer o que quiser, mas, se ele quiser sair, vai sair. Os familiares têm que suportar isso e entender”, reforça a terapeuta ocupacional e gerontóloga Cecília Xavier. Ela entende que a preocupação sobre o contágio da população mais velha é grande, mas pede que filhos e netos não infantilizem a comunicação com os avós.
E, em um momento de incerteza sobre os próximos dias e semanas, vale a pena contar detalhes do que está acontecendo no mundo exterior aos mais velhos, se eles próprios não estiverem acompanhando? Na perspectiva da terapeuta ocupacional especialista em terceira idade, Gal Rosa, é preciso abrir o jogo com eles.
“Se a pessoa é consciente, o que a idade tem a ver com ficar alheio ao mundo? É uma forma preconceituosa de entender a capacidade dessas pessoas. Elas podem ser muito mais resilientes a questões catastróficas, a mortes e a perdas do que os mais jovens. Quem chega aos 70, 80, 90 anos já viu muita coisa nesta vida, e isso não para qualquer um”, diz.
Já nos casos em que a pessoa tem uma demência, ela indica que é importante os familiares mais próximos contarem o que estão sentindo, mesmo sem detalhar todo o cenário, porque é provável que o idoso perceba a ansiedade em casa de toda forma.
Para idosos que moram sozinhos, organização pode ajudar na ansiedade
A professora de educação física aposentada Ana Terezinha de Souza, prestes a completar 72 anos, mora sozinha desde que os filhos se tornaram adultos e permanece assim durante a pandemia de coronavírus. “A gente fica ansiosa, tem que se ocupar bastante. Eu era muito de bater perna e minha saudade é disso, de me ocupar com a rua”, explica.
Ela não sai de casa há uma semana, e a ordem da vez é não receber ninguém. Uma das filhas fez uma grande compra antes de o isolamento começar e, para vencer a saudade dos três filhos e dos cinco netos, Ana Terezinha recorre às chamadas de vídeo diariamente. No restante do tempo, ocupa-se ao máximo: limpa a casa, cozinha, borda e acompanha as notícias. Nesta semana, já costurou máscaras e uniformes de médico para os netos menores, presentes que ainda não sabe quando vai poder entregar.
A terapeuta ocupacional Cecília Xavier indica que vencer a solidão e ansiedade, vivendo sozinho neste momento, requer organização. “Você vai pegar um quadro, régua e caneta e fazer um quadro semanal, de segunda a domingo, com uma linha por hora”, lista. Uma atividade precisa ser anotada em cada espaço (inclusive as obrigatórias, como cuidar da casa e cozinhar). O espaço que sobra é para as atividades que dão prazer a cada um — fundamentais sempre, finaliza Xavier, não apenas durante o isolamento.