O anúncio do encerramento do pagamento do auxílio financeiro pegou de surpresa cerca de 7.000 moradores da região de Fundão atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, na região Central de Minas Gerais, há quase cinco anos. A Fundação Renova comunicou às famílias, no começo deste mês, a respeito da suspensão do auxílio a partir de agosto. Entretanto, a Advocacia Geral da União (AGU) conseguiu nesta terça-feira (14) uma decisão da Justiça Federal que impede o encerramento do pagamento do auxílio. Procurada, a Fundação Renova declarou que ainda está analisando a determinação judicial.

Nessa segunda-feira (13), o Ministério Público Federal (MPF) esclareceu à reportagem de O TEMPO que já tinha começado a apurar a decisão da companhia de encerrar o pagamento. O procurador Paulo Henrique Trazzi detalhou que, quando procurada, a Renova disse que o auxílio seria suspenso para moradores de áreas que não foram formalmente proibidas para atividades econômicas. A empresa ainda teria comunicado que pescadores, por exemplo, não teriam sua renda atingida.

‘Decisão unilateral, arbitrária e violadora’

A impossibilidade de pescadores, agricultores e moradores de outras regiões às margens do rio de exercerem seus ofícios tradicionais é o principal argumento da Advocacia Geral da União para que seja mantido o pagamento do Auxílio Emergencial Financeiro enquanto não houver reparação completa. De acordo com o procurador federal Marcelo Kokke, a decisão da Fundação Renova de encerrar o pagamento do direito sem uma perícia independente das condições do rio é unilateral e arbitrária e violadora.

“Todos os órgãos públicos foram surpreendidos no início do mês com uma postura unilateral da Fundação Renova que anunciou para todos os atingidos e para a população a interrupção do pagamento do Auxílio Emergencial Financeiro para pessoas que, segundo ela própria, já estariam em condições de exercer atividades econômicas no rio a partir de laudos que apenas a Fundação Renova fez, e para pessoas que não estariam em correspondência. Todos estes dados são unilaterais”, detalha.

A petição da Advocacia Geral da União chegou até a 12ª Vara Federal de Belo Horizonte antes mesmo do término da última semana em função do nível de alerta com a ameaça da entidade. Estima-se que cerca de 20 mil atingidos pelo desastre de Mariana seriam impactados com a interrupção no pagamento em meio à pandemia de Covid-19. “Nós peticionamos junto ao juiz que, inclusive, trabalhou durante todo o final de semana apenas neste processo para que tivéssemos uma medida de urgência a partir desta decisão violadora da Fundação Renova no que tange as normas legais”, esclarece.

O procurador relembra que a Fundação comprometeu-se a vistoriar, diagnosticar, reabilitar e reparar as áreas contaminadas garantindo análises dos riscos à saúde e ecológicos. “Quando pensamos a dimensão do Rio Doce, temos trabalhadores ligados à pesca, à agricultura e outras atividades econômicas ligadas ao rio que foram impossibilitadas de trabalhar em função do risco de contaminação para exercer seu desastre. O pagamento do Auxílio Financeiro Emergencial é algo devido pela Fundação Renova em função da responsabilidade das empresas pelo fato de esses moradores não poderem exercer com segurança suas atividades”.

Kokke reforça que cabe às estruturas públicas garantir a segurança destes trabalhadores e também daqueles a quem seus produtos seriam destinados. “Não podemos aceitar de jeito nenhum que a Fundação Renova sujeite um pescador a proceder com a pesca de um peixe que não sabemos se está contaminado por metais pesados, onde não há segurança plena, e imaginar que este peixe possa ser levado para a mesa do próprio pescador ou para uma outra pessoa que vá oferecê-lo a uma criança, por exemplo. Temos que estar acautelados para que haja uma segurança alimentar não apenas em relação à pesca, mas também a legumes e verduras que, plantados próximos do rio, poderiam estar contaminados pelos matérias pesados na superfície. Somente podemos autorizar o retorno pleno à atividade econômica quando houver segurança plena”, conclui.

Relembre

A Fundação Renova é uma empresa criada pela mineradora Samarco, responsável pelo rompimento da barragem de Fundão em novembro de 2015, para executar ações de reparo e compensação de danos às famílias atingidas. O Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) é pago segundo uma análise de critérios específicos para as situações distintas dos moradores da região afetada. O valor é uma prestação devida pela empresa a essa população para garantir que ela possa continuar a exercer suas atividades feitas antes em áreas impactadas pelo desastre.

De acordo com a AGU, a Fundação Renova alega que os beneficiários do auxílio já poderiam retomar suas produções econômica como pesca e agricultura. Por meio de nota à reportagem nessa segunda-feira, a entidade declarou que o último pagamento previsto para agosto seria feito no valor correspondente até outubro e que a população ainda seria atendida pela reparação coletiva. Procurada nesta terça-feira (14), a Fundação Renova declarou que ainda está analisando a medida judicial obtida pela AGU e que garante o pagamento contínuo do auxílio.

(Com Gabriel Moraes)