1 bilhão de afetados

Metade das crianças do mundo sofre algum tipo de violência, diz estudo do Unicef

Física, sexual ou psicológica, agressões podem ser agravadas durante a pandemia, alerta Unicef. Em Minas, mesmo com redução dos crimes, delegada relata preocupação com a subnotificação dos casos

Por Lucas Morais
Publicado em 22 de junho de 2020 | 20:34
 
 
 
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Por quase 16 anos, a assistente social Rosemara Alves, 44, conviveu diariamente com as agressões físicas e psicológicas praticadas pelo ex-marido. E no espaço que deveria acolher e garantir a proteção dos três filhos, atualmente com 20, 17 e 4 anos, a violência se tornou uma marca que provoca traumas até hoje. “Todas as vezes que eu sofria os ataques, eles percebiam”, relata.

O quadro vivido por essa família é repetido em várias outras casas: uma em cada quatro crianças no mundo vive em lares onde as mães são agredidas pelos parceiros. E, também no mundo, nada menos que metade das crianças e adolescentes de até 17 anos sofre algum tipo de violência, o equivalente a 1 bilhão de meninos e meninas. Os dados compõem um relatório publicado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Unesco.

Rosemara colocou um ponto final nessa situação quando o ex-marido tentou agredir o filho com um facão. “Ele confundiu meu filho, na época com 13 anos, com outro homem”, conta. Ele estava drogado e bêbado na ocasião. “Achei que ele fosse matar o meu filho. Mesmo eu gritando, ele não entendia que era o menino”, lembra. 

Sem ter para onde ir, Rosemara conseguiu apoio na Casa Tina Martins, em Belo Horizonte, onde mulheres vítimas de violência doméstica recebem abrigo e apoio psicológico. Só depois de 11 meses, a assistente social conseguiu se reestabelecer, terminar a faculdade e montar uma casa para a família. A rotina de violência, da qual Rosemara se livrou há três anos, ainda é viva na memória dos filhos. “Eles ainda fazem um acompanhamento psicológico”, conta.

O estudo do Unicef traçou um panorama da situação mundial com base no que ocorre em 155 países. E a expectativa da organização é que a situação piore por conta do coronavírus. “O fechamento das escolas impactou mais de 1,5 bilhão de crianças e jovens. Restrições para sair de casa, perda de renda e isolamento aumentaram os níveis de estresse e ansiedade nos pais, cuidadores e crianças, além de afastar famílias e indivíduos de suas fontes habituais de apoio”, enfatiza o órgão no relatório.

Apesar da redução das ocorrências em Minas, delegada vê subnotificação

Enquanto o Unicef alerta sobre as consequências da pandemia para o aumento da violência contra crianças e adolescentes, dados da Polícia Civil em Minas Gerais mostram um cenário inverso: nos quatro primeiros meses do ano, as ocorrências contra menores de 17 anos tiveram uma queda de quase 32%.

Porém, a delegada Elenice Cristine Batista, chefe da Divisão Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente, vê os números com preocupação. Isso por conta da nova realidade de distanciamento social e aulas paralisadas. “De fato, toda a rede de sustentação e apoio que a criança tem, seja na escola ou em outros ambientes sociais que ela frequenta, é também um suporte para denunciar eventuais violências. Agora, estamos vendo as crianças em isolamento, a maioria só dentro de casa”, completa.

Para a delegada, a realidade atual pode agravar a subnotificação dos casos. “Temos percebido um aumento no número de denúncias anônimas, o que justamente pode ser um reflexo dessa pandemia”, justifica.

Como denunciar

Segundo a delegada, esse panorama torna ainda mais importante relatar às autoridades qualquer suspeita de violência contra a criança e o adolescente. "Um vizinho às vezes consegue ouvir um grito de socorro, uma situação que demonstra uma agressão", frisa.

E para registrar uma denúncia, há os canais do Disque 100, além do 181 e do 197 da Polícia Civil. "E tem também a própria unidade policial, cujos contatos de todo o Estado estão listados no site da corporação", finaliza.

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