Uma mãe depressiva que passava dias na cama e misturava remédios com álcool em momentos de crise. Um pai inocente que fazia de tudo para manter o lar em harmonia. Um núcleo familiar fechado e sem contato com outros parentes, como tios e avós.

Na tarde deste sábado (10), dois filhos do casal formado pelo promotor André Luís Garcia de Pinho e sua mulher, Lorenza Maria Silva de Pinho, receberam a reportagem de O TEMPO na casa do médico Bruno Sander, que ficou com a guarda provisória das crianças. Durante cerca de 1 hora, eles contestaram as hipóteses até agora levantadas a respeito da morte da mãe deles. Lorenza morreu no dia 2 de abril no apartamento onde vivia com a família, no bairro Buritis, região Oeste de Belo Horizonte. Uma das hipóteses investigadas pelo Ministério Público é de feminicídio cometido pelo marido.

Para os filhos, a acusação é estapafúrdia. O menino de 16 anos e a garota de 15 anos defenderam o pai. Eles acreditam que o promotor, atualmente detido, é inocente. “Não tem como isso ter acontecido, e isso vai ser provado”, disse a filha, categórica. Outras três crianças de 2, 7 e 10 anos integram a família.

Os adolescentes dizem que foram dormir, na noite de quinta-feira (1º), e tudo em casa estava normal. Acordaram no dia seguinte com o pai desesperado e a ambulância chegando em casa. Lorenza morreu naquela manhã.

Os jovens contam que Lorenza tinha depressão desde 2012, quando perdeu a mãe após complicações causadas por um câncer. Desde então, ela teria entrado em um quadro de sofrimento mental que se agravou ao passar dos anos. Durante a pandemia, a mãe teria exagerado na frequência e dosagem dos medicamentos. Lorenza começou a passar dias e dias no quarto, sem sair da cama. “Ela ficava tomando remédio para depressão e para dormir”, contou o filho. Eventualmente misturava os medicamentos com álcool. Estar acima do peso a deixava triste e envergonhada.

Na versão da família, foi essa mistura o que talvez tenha tirado a vida de Lorenza. “Era a fuga que ela encontrava: dormir e potencializava o efeito dos remédios com álcool. Infelizmente acredito que houve uma fatalidade”, relatou a filha de 15 anos.

Com o tom de voz contido, os jovens descartaram a hipótese de violência doméstica, apontada também pelo avô, o aviador aposentado Marco Aurélio Alves. “Meu avô não tinha contato com minha mãe porque não fazia questão. Ele não sabia do estado de saúde físico e psicológico dela, da relação com meu pai”, questionou a menina. Conforme relatos, o avô não mantinha contato com a família há cerca de 3 anos, e ainda não conhece o neto de 2 anos de idade.

Segundo ela, o pai sempre foi um marido carinhoso e presente. “Meu pai sempre cuidou muito dela (mãe) e de nós. (Ele é) um pai e marido excelente, eu nunca ouvi ele levantar a voz pra ela. Acho um absurdo tudo isso que estão falando dele, não tem lógica, não tem sentido isso”, desabafou.

Adolescentes reclamam de abordagem policial

O promotor André Luís Garcia de Pinho, segundo eles, abdicou da profissão ao faltar várias vezes ao trabalho, o que era necessário para cuidar da mulher que afundava em um quadro de depressão. Lorenza tinha idas constantes a hospitais e tentou suicídio algumas vezes, segundo disseram os filhos e o médico Bruno Sander, amigo da família que tem a guarda das cinco crianças. “Apesar dela ter depressão, todo mundo sabe do cuidado que ele tinha com ela, o tanto que a relação dos dois era saudável”, disse a garota.

O quadro depressivo da mulher foi o que levou o marido a esconder bebidas alcoólicas e até a arma que mantém em casa, devido à sua atuação profissional na área criminal do Ministério Público. “É impossível esconder dentro de casa o tempo inteiro, ela era uma adulta. Ele era marido, não era babá”, rebateu a filha. “Ele cuidou o quanto foi preciso, mas havia 5 filhos”, completou.

Os adolescentes avaliam como descabida a abordagem policial realizada na residência da família no domingo passado, dia 4. “Havia uns 15 policiais com armamento de guerra, tinha sniper no prédio do lado”, relembrou o garoto. Mais contundente, a jovem relatou trauma ao ser acordada com um fuzil erguido em sua direção. “Apontaram um fuzil para o meu pai e meu irmão de 2 anos. Presenciei deboche e chegaram a duvidar da sensibilidade minha e do meu irmão”, disse. A jovem informou ainda que foi forçada a ir para a sala da casa vestindo uma camisola “inadequada”. “Me senti extremamente desconfortável e humilhada”, informou.

Durante a operação policial que resultou na prisão do promotor, tablets e celulares foram apreendidos para serem averiguados. A medida também é questionada pelos filhos. “A gente usa para estudar. Meus irmãos estão sendo alfabetizados. Como vamos fazer sem aula?”, pergunta o jovem.

Apesar de os filhos informarem que o ambiente desse núcleo familiar era tranquilo, há anos o relacionamento com outros parentes era complicado. Há relatos de ausências, brigas, ressentimentos e até ameaças. Uma medida protetiva proibia que o irmão do promotor André Luís chegasse perto de Lorenza, por exemplo. Ele também já foi vítima de atentados.

A família não detalhou que tipo de ameaças o promotor sofria. O filho disse que a maioria vinha do tio. Outros constrangimentos tinham como causa a atuação profissional do promotor, que trabalha na área criminal. Com receio dessas intimidações, o casal já havia registrado uma procuração autorizando que, caso necessário, a guarda dos filhos ficasse sob responsabilidade dos amigos Bruno Sander e Hadrianne Sander. Segundo Bruno, foram os próprios adolescentes que pediram que ficassem com o casal após a morte da mãe e prisão do pai.

Os filhos agora querem tranquilidade para vivenciar o luto da perda da mãe. “A gente não teve o direito de sofrer o luto da minha mãe. Perdemos nosso pai e nossa mãe num intervalo de dois dias. Graças a Deus a gente pode contar com o apoio do Bruno e Hadrianne, que estão dando um apoio surreal”, finalizou.

A entrevista foi acompanhada por Bruno e Hadrianne Sander, casal que mantém a guarda provisória dos filhos de Lorenza e André Luís.