Flora

Mineração na serra do Curral pode atingir 121 espécies ameaçadas de extinção

Números foram divulgados pela própria Tamisa em seu site oficial; empresa recebeu licença recentemente para instalação no local; algumas espécies têm propriedades medicinais

Por Juliana Siqueira e Malú Damázio
Publicado em 06 de maio de 2022 | 03:00
 
 
 
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Os impactos da instalação da Taquaril Mineração S/A (Tamisa) na serra do Curral envolvem danos diretos à flora local, inclusive a plantas raras. No local onde deverá ser implantado o Complexo Minerário, aprovado recentemente, existem pelo menos 1.109 espécies de flora, sendo 121 delas integrantes da lista de espécies ameaçadas de extinção. 

Essa informação consta no relatório do projeto publicado pela própria empresa em seu site oficial. Algumas das espécies presentes na serra, inclusive, são usadas para fins medicinais, como a arnica, a copaíba e a carqueja.  

Além disso, conforme o professor Geraldo Fernandes, do departamento de genética, ecologia e evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os danos à vegetação, sobretudo nas áreas em que há grande concentração de ferro, podem colocar fim a um trabalho de milhões de anos da natureza. 

É que, conforme ele explica, a flora ali teve de se adaptar a duras penas para sobreviver em um solo adverso como esse – e por isso mesmo é tão singular e única. “São poucas as espécies que conseguem sobreviver nesse ambiente. É um trabalho de milhões de anos da natureza. Por lá, temos uma flora muito diferenciada”, diz ele. 

Mas não é somente esse tipo de planta que vive em todo esse ambiente. Bióloga da
Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica (FPMZB), Maria Guadalupe Fernandes lembra que a serra do Curral abriga dois biomas: o Cerrado e a Mata Atlântica. 
Nesses locais, há diversos tipos de espécies, desde as conhecidas por sua beleza até as usadas há anos pela população para fins medicinais, que guardam parte da história e da vida das pessoas, como é o caso da arnica e da canela-de-ema, por exemplo. “Há uma vegetação muito rica, uma vez que abrange dois biomas”, frisa ela. 

Danos por todos os lados 

A interferência na serra do Curral preocupa especialistas não só pelos riscos a espécies ameaçadas de extinção. Os impactos vão muito além, conforme Geraldo Fernandes. Segundo ele, no local há muitas plantas com potencial para gerar medicamentos novos. Eliminar toda essa diversidade sem estudá-la, diz ele, traria um resultado bastante negativo. 

“Tem também o ponto de que as flores atraem polinizadores e, quando retiradas, isso pode causar a falta destes, que são muito importantes para o meio ambiente”, diz ele. “Também precisamos das plantas para fazer fotossíntese – não se descobriu até hoje uma maneira de fazer fotossíntese que não seja por elas”, frisa. 

Ambientalista do projeto Manuelzão, Jeanine Oliveira destaca a retirada da vegetação e os danos nos recursos hídricos superficiais. “É uma vazão muito grande de água superficial que a gente já vai perder na própria instalação”, afirma ela. Ainda sobre os danos em potencial, Maria Guadalupe Fernandes lembra que existe ainda mais uma questão: a da invasão biológica. 

Conforme ela explica, à medida que se retira a vegetação local, podem entrar espécies mais resistentes, com potenciais negativos. “O capim-gordura é um exemplo. Ele é um capim que, quando se retira a vegetação nativa, é extremamente combustível e potencializa os efeitos de um incêndio”, diz. 

Restaurar não é a solução 

Há quem defenda que se, por um lado, as empresas desmatam, por outro, elas acabam compensando os danos investindo na reposição de plantas. O problema, segundo especialistas, é que os resultados obtidos não são os mesmos. Isso porque a vegetação que é retirada não é substituída por outra igual. “Muitas vezes, o que fazem é ‘pintar o ambiente’ de verde, com espécies que não são nativas, que não têm a mesma função das que foram retiradas”, diz Geraldo Fernandes. 

Maria Guadalupe Fernandes tem parecer semelhante. “Elimina-se, por exemplo, campo rupestre e compensa com Mata Atlântica. Com isso, há perda de espécies. Essa compensação nunca é igualitária. Além disso, os campos rupestres são muito diversificados, em microambientes. Cada microambiente tem um conjunto de espécies muito típicas. Até mesmo compensação de campo rupestre por campo rupestre pode afetar algumas espécies”, afirma. 

Tamisa 

Em entrevista ontem, o representante da mineradora, Leandro Quadros, afirmou que o projeto “não vai destruir a serra do Curral”. “Todos os impactos ambientais foram identificados em um amplo estudo de impacto ambiental, que foi feito ao longo de sete anos. Tem espécies raras em qualquer estudo de impacto ambiental. Para isso, são propostas medidas de mitigação, controle e preservação das espécies.

Tudo isso faz parte do processo”, disse ele, sem dar mais detalhes. A entrevista foi dada durante Audiência Pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que tratou sobre as questões que envolvem a concessão do licenciamento à Tamisa.

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