A mulher que, inicialmente, foi apontada como avó e responsável por cuidar dos dois meninos de 6 e 9 anos que foram resgatados trancados em um apartamento no bairro Lagoinha, na região Noroeste de Belo Horizonte, teria se passado por assistente social e aliciado a mulher de 30 anos, mãe das crianças, para levá-la para São Joaquim de Bicas, na região metropolitana da capital. A abordagem teria ocorrido quando ela chegou com os filhos na rodoviária de BH.

O TEMPO conversou nesta quinta-feira (23) com a vendedora Poliana Pereira dos Santos, de 37 anos, que foi quem descobriu os garotos presos no imóvel e acionou a Polícia Militar (PM) na última terça-feira (21). Ela conta que uma outra vizinha dela, que trabalha como assistente social, foi quem contou que a senhora, teria saído de uma ocupação e se passava por assistente social para conseguir apoio e mão de obra para uma "entidade" que manteria em São Joaquim de Bicas. 

"O que ouvi foi que essa mulher (mãe das crianças) não tinha onde ficar e foi abordada por ela (suposta avó) na rodoviária. Ela ofereceu moradia em Bicas. Lá, o filho dessa senhora teria tido um caso com a mãe das crianças e acabou preso junto com ela, quando o outro filho dela morreu. Foi aí que esses dois meninos foram trazidos para cá, que era usado como cativeiro mesmo", detalhou a vizinha. 

A moradora do bairro Lagoinha disse ainda que, além da entidade em São Joaquim de Bicas e do apartamento em BH, a suposta avó das crianças, que tem entre 55 e 60 anos, também teria uma casa na região da Pampulha, que seria onde ela realmente vive. 

"Eu não sabia da existência destes dois meninos, ninguém desconfiava. Ela sempre dizia que estava aqui o tempo todo, que escutava tudo que eu falava. Então eu acreditava que, talvez, ela fosse uma pessoa mais discreta, que não saía muito de casa. Essa senhora dizia sempre que tinha médico, pagando de coitadinha. A gente ajudava, mandava comida para ela, não dava pra imaginar que ela seria um monstro", completou a mulher. 

A mãe das crianças seria de Valparaíso, em Goiás, segundo apurou O TEMPO. De acordo com Maria José, presidente do Conselho Tutelar de São Joaquim de Bicas, o irmão da mulher, que mora na cidade goiana chegou em Belo Horizonte após o resgate dos meninos e procurou o órgão. 

"Ele recebeu todo o nosso apoio e, hoje (quinta) está no hospital fazendo o acompanhamento dos irmãos. A questão é que, para ele ficar com a guarda legal destas crianças, é necessário um processo, uma autorização da Justiça, para entrega delas ao tio. O processo precisará ser feito em conjunto com a Justiça de Goiás, que fará um estudo da situação social destes familiares", detalha a profissional. 

Segundo ela, esse levantamento independerá das condições socioeconômicas do tio. "Será exclusivamente moral. O que importa é se eles serão protegidos, bem cuidados e se encontrar em um ambiente saudável. Além disso, as crianças serão acompanhadas pela rede assistencial para superarem todo o trauma que passaram", completa Maria José.

"Usava as crianças pra pedir dinheiro", diz vizinha 

Ainda de acordo com Poliana, no imóvel onde os garotos foram resgatados, até então, ela só tinha visto as outras duas filhas da mulher, de 1 e 2 anos, que estão em um abrigo desde o início do mês.

"Estas meninas estavam sempre bem penteadas, limpinhas, até gordinhas. Não dava qualquer indício que teria outros dois meninos em cárcere. Eu suspeito que ela mantinha elas bem e usava para pedir dinheiro, e certamente conseguia muita coisa. Sempre que vinha aqui, ela aparecia com dinheiro, dava R$ 50 pra ajudar a pagar uma faxineira pra limpar as escadas e a porta da casa dela", contou a mulher. 

A vizinha da suspeita conta ainda que chegou a ver uma única vez o filho da suposta avó, com quem a mãe das crianças teria se relacionado. Por outro lado, ela sempre estava acompanhada de outras duas mulheres, que também seriam suas filhas. Após o resgate dos irmãos, as jovens que seriam filhas dela teriam inclusive chegado a voltar até o local. 

"Uma delas chegou aqui, com um cabelo atrapalhado, parecendo que estava dormindo. Perguntaram o que estava acontecendo e, quando falei que elas tinham deixado duas crianças presas ali e perguntei quem era a mãe, uma pegou na mão da outra e foram embora. Tentei segurar elas aqui, mas elas acabaram conseguindo fugir", finalizou Poliana.

Relembre o caso

No início do mês, a mulher levou o filho de 4 anos ao médico, mas a criança já estava morta. O menino chegou com lesões no olho, inchaço no pé e queimaduras no tornozelo. Os profissionais da saúde tentaram uma manobra de reanimação cardiorrespiratória por trinta minutos, mas a criança não resistiu. A mãe deu várias versões aos policiais.

Conforme informações do boletim de ocorrência, ela afirmou que o menino teria caído, que teria se queimado com uma lagarta e que também teria se queimado com uma bota molhada no tornozelo. Ainda conforme informações da Polícia Militar, os relatos da mulher não condiziam com as lesões encontradas na criança. 

 Depois disso, as outras duas crianças, de 6 e 9 anos, da mulher presa, foram resgatadas com desnutrição em um apartamento no bairro Lagoinha, nessa terça-feira de Carnaval. Elas ficaram trancadas por três dias sem comida e cuidados. Os meninos foram encaminhados ao hospital Odilon Behrens e, posteriormente, ficarão sob os cuidados do Conselho Tutelar. A Polícia Militar foi chamada após uma vizinha relatar a situação dos pequenos.

A mulher chegou a alimentar as crianças por um buraco na parede. A porta estava trancada com um cadeado e correntes. Um dos meninos contou que havia vindo de São Joaquim de Bicas na semana passada e que a avó teria passado a noite de sábado com ele e o irmão, mas não retornou.