Um relatório contendo experiências de outros países sobre a implementação de reformas no ensino médio busca contribuir para os desafios relacionados às mudanças que estão sendo praticadas também no Brasil. Assinado por pesquisadores mineiros, o documento intitulado “Implementação de reformas no ensino médio: experiências internacionais e aprendizados para o Brasil” faz recomendações para que o processo, que deverá ser concluído em 2024 no país, seja acertado e tenha os melhores resultados possíveis. Entre as principais observações, estão a formação continuada dos profissionais e o posicionamento do estudante no centro das transformações educacionais (Veja mais abaixo).

O material chega em um momento em que as mudanças ainda provocam diversas polêmicas. Apesar de a implementação do novo ensino médio estar prevista para terminar em 2024, foi no início deste ano que as modificações tiveram início. Uma das principais diferenças em relação ao método antigo é o fato de que o estudante, agora, poderá escolher o chamado itinerário formativo para se aprofundar em áreas como matemática, ciências da natureza e ciências humanas, além da formação comum a todos. Porém, existem receios em relação a isso. 

“Receio que minha filha e outros jovens possam ter uma formação limitada frente a um mundo com tantos desafios e problemas complexos. Precisamos cada vez mais de jovens com visão multidisciplinar para proporem soluções à altura da nossa vida contemporânea. É no Ensino Médio que disciplinas como a Física, a Química ganham destaque, e outras como Filosofia e Sociologia vêm para colaborar para o processo crítico. Será também que nossos jovens não estarão sendo forçados precocemente a uma escolha tão importante, que é a formação acadêmica superior, consequentemente a vida profissional? É na adolescência que a curiosidade e as dúvidas estão aguçadas”, questiona a bibliotecária Kellen Pereira, de 43 anos, mãe de Mell Pereira, de 13 anos, que irá ingressar no novo ensino médio.

Essa escolha é justamente um dos pontos abordados pelo estudo feito pelos pesquisadores mineiros, com base nos exemplos que os profissionais viram no Chile, em Portugal e na província de Ontário, no Canadá. De acordo com o conteúdo, é de suma importância que as escolas ofereçam ao estudante “um sistema de apoio e orientação que o ajude a tomar decisões relacionadas à sua trajetória antes, durante e após o ensino médio”. 

“É necessário dar suporte para o estudante passar por esse caminho. Essa escolha pela própria trajetória dentro do ensino médio é algo inédito no Brasil. Não dá para os alunos pedirem ajuda aos veteranos, por exemplo. É preciso que os estudantes tenham o apoio de um profissional, uma referência, que fale sobre as alternativas e o que o aluno pode fazer para se qualificar; mapear os talentos e interesses, o curso que ele pretende fazer para se preparar melhor. O estudante tem agora um desafio importante. Ele não vai escolher quem quer ser só no vestibular, mas irá construir isso ao longo do ensino médio”, destaca Felipe Braga, um dos pesquisadores e presidente do Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais.

Essa orientação sobre a necessidade de apoio de um profissional, porém, esbarra em outro desafio, conforme os pesquisadores apontam: o preparo desses colaboradores. Nesse cenário, o estudo sugere que  sejam oferecidos cursos para gestores escolares, professores regulares e professores de projetos de vida, que devem ser realizados pelas instâncias nacionais, pelos estados e pelas próprias instituições de ensino. “Recomenda-se o modelo descentralizado, em que as redes possam promover a formação continuada adaptada ao contexto local”, destaca o documento.

A preocupação tem razão de ser, conforme estudiosos. Mestre pela Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), Alexandre Marini relata que uma das dificuldades que outros países enfrentaram foi justamente a falta de preparo das escolas e dos professores para as mudanças no ensino médio, além dos problemas relacionados à comunicação junto à comunidade.

“As escolas precisam preparar os professores para os novos percursos. Esse preparo exige novos conhecimentos, implementação de novos espaços, saber novas tecnologias e novas metodologias, o que hoje é um gargalo principalmente nas escolas brasileiras. Tudo o que envolve preparo e capacitação é essencial”, diz ele.

A bibliotecária Kellen Pereira, de 43 anos, ainda vai além: diante dos desafios presentes no novo método, ela também conta que faz a sua parte com a filha Mell, inclusive orientando-a a não se prender apenas ao que é ministrado dentro das salas de aula. 

“Sempre dialoguei com minha filha sobre a importância e a beleza de todas as disciplinas para que ela desenvolva uma visão mais ampliada do mundo e da vida. Selecionamos e assistimos também em casa a bons vídeos de professores e documentários para aprofundar e enriquecer os assuntos abordados na escola. A Geopolítica e  História, por exemplo, são conhecimentos urgentes e necessários seja para qual curso ela optará futuramente. Reservo sempre uma parte da renda para aquisição de livros”, diz ela.

Mell, que ainda não definiu se pretende seguir pela área de humanas ou biológicas, afirma que vai se empenhar em tudo, ‘para o que der e vier’. “Eu considero que todas as matérias que eu aprendo na escola são importantes, pois conhecimento nunca é demais. Assim também eu estarei com um preparo melhor para o curso que eu irei escolher ao longo dos meus estudos”, afirma a adolescente, de 13 anos.

Tempos já não são mais os mesmos

Apesar dos receios e recomendações para o novo ensino médio, algo é certo para o Mestre pela Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), Alexandre Marini: as coisas já não são como antes dentro das escolas. Segundo ele, um certo saudosismo de quem viveu o “velho ensino médio” pode surgir,  mas é preciso pensar que as escolas precisam ser significativas para os atuais estudantes.

“A escola de hoje precisa dialogar com o estudante de hoje, que já não é mais o mesmo. Esse estudante tem outras perspectivas, outros desejos, outros interesses. É preciso adequar a escola para que ela se faça presente e significativa na vida dos alunos. E como fazer para que o estudante perceba que a escola tem um significado para ele? É mostrar que ela é importante para o futuro dele. Nós temos uma geração que quer opinar mais, que ter mais controle sobre suas próprias escolhas. A escola já não é mais a mesma”, conclui.

Veja a lista de recomendações propostas pelos pesquisadores

O estudante deve estar no centro do processo educativo

As escolas precisam oferecer ao estudante um sistema de apoio e orientação que o ajude a tomar decisões relacionadas à sua trajetória antes, durante e após o ensino médio. O Ministério da Educação (MEC) e as redes estaduais podem ofertar um portfólio de programas ou projetos voltados para as necessidades de alunos e professores. 

A implementação deve ser adaptativa

A mudança é longa e envolve diferentes públicos e contextos. As redes estaduais devem se preparar para lidar com resistências e demora na adaptação ao novo modelo. Pode ocorrer uma redução ou estagnação nos resultados das avaliações de larga escala, no curto prazo. Isso deve ser administrado para não se tornar um risco de descontinuidade precoce da reforma. 

A formação continuada deve ser um elemento fundamental 

Cursos para gestores escolares, professores regulares e professores de projetos de vida devem ser realizados pelas instâncias nacionais, pelos estados e pelas próprias escolas, promovendo o empoderamento de instâncias colegiadas locais. Recomenda-se o modelo descentralizado, em que as redes possam promover a formação continuada adaptada ao contexto local. 

A orientação nacional deve acompanhar as soluções locais

Todos os atores envolvidos nas mudanças devem ser guiados por metas claras, para facilitar o alcance do objetivo de ter o estudante presente na escola, com aprendizado adequado e apto para realizar suas vocações. O MEC pode incentivar a comparabilidade e a compatibilidade entre as redes, bem como sistematizar e promover trocas sobre experiências estaduais e locais. 

A implementação requer financiamento

As redes devem se preparar para fazer aportes financeiros, pois essa transição traz altos custos para a execução, o monitoramento e as adequações necessárias. As mudanças demandam recursos e tempo para sua implantação, e não há garantia de sucesso imediato, mas previsão de impactos positivos a longo prazo, quando implementadas de forma sustentável e consistente.

Deve ser dada atenção para a necessidade de inclusão e equidade 

Os profissionais precisam ser formados para contribuir intencionalmente para a redução das desigualdades de acesso, permanência e aprendizagem. É necessário, por exemplo, que estejam preparados para lidar com estudantes do ensino noturno, que tenham a língua portuguesa como segunda língua, para o atendimento à população indígena, o trato com o racismo e o sexismo na escola.