Nas enfermarias e leitos de UTI, cada vez mais pacientes com casos graves de Covid-19 que necessitam de internações. Diante da iminência do colapso no sistema de saúde, a batalha de profissionais do SAMU para garantir atendimentos emergenciais. Ao mesmo tempo em que Belo Horizonte enfrenta o pior momento desde a chegada da pandemia do coronavírus, um desafio a mais torna a rotina dos serviços de saúde ainda mais difícil: a falta de equipes de enfermagem nas unidades municipais.
Um técnico de enfermagem do SAMU, que pediu para não ser identificado por medo de retaliações, relatou à reportagem de O TEMPO que chega a atender até três pessoas dentro de uma mesma ambulância diante do quadro insuficiente de trabalhadores. "Estamos nos desdobrando, não tem horário de almoço, janta, nada. E somos coagidos a trabalhar levando até três pessoas para hospitais diferentes, sozinhos dentro do veículo. Além disso, ainda atendemos acidentes, casos clínicos em residências", declarou.
O profissional lembra ainda que ambulâncias chegam a ficar paradas, mesmo com demanda de atendimentos, por não haver técnicos disponíveis. "A situação está péssima. Não tem vaga nos leitos de CTI, só quando uma pessoa morre e desocupa, algumas UPAs já não tem alas de internação para quem recebe as pulseiras verde e amarela (escala que define a prioridade de atendimento) e fazemos o atendimento dentro da ambulância. E o SAMU ainda precisa fazer as transferências (entre as unidades e os hospitais) por falta de outros veículos", disse.
Apesar do trabalho ser tão essencial e desgastante, o técnico conta que a maioria dos profissionais do serviço recebe pouco mais de um salário mínimo, sem direito a benefícios como vale-transporte e vale-refeição. "É muito trabalhador contratado e poucos concursados, que recebem mais de R$ 2.200. A diferença é muito grande e não fazem concursos há anos. Mesmo com as vagas abertas, as pessoas não querem trabalhar quando descobrem o valor dos pagamentos. E quem está lá, se desdobra", enfatizou.
Nas UPAs da capital mineira, o problema também se repete. Diante dos salários baixos, há dificuldades em completar as equipes de enfermagem e algumas unidades chegam a trabalhar com metade dos profissionais necessários. "Isso vem piorando e realmente é muito difícil. Fazemos mais de um plantão seguido, as tarefas são redivididas, mas falta pessoal. Todos estamos sobrecarregados. Assim como no SAMU, a maioria tem contrato sem nenhum tipo de benefício, mesmo trabalhando literalmente na linha de frente. Temos três enfermarias para a Covid-19 e estão todas lotadas", contou uma funcionária da UPA Oeste em anonimato.
Mais de 60% dos profissionais são contratados
O diretor do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel), Bruno Pedralva, disse que a estimativa da entidade é que, só entre os técnicos de enfermagem, pelo menos 60% são contratados – os salários giram entre R$ 952,91 e R$ 1.148,92, sem benefícios. "E são pessoas que ficam dois anos, no máximo, e podem ter o contrato rescindido a qualquer momento. Naturalmente, procuram um lugar que tenha mais segurança e melhores salários, como os pagos por prefeituras da Grande BH", citou.
Além da sobrecarga de trabalho, o dirigente lembrou que a situação prejudica a qualidade dos serviços de saúde. "Neste momento, na UPA de Venda Nova, tem sete pacientes entubados e, se as normas fossem seguidas, seria um técnico de enfermagem para cada duas pessoas. Com as escalas desfalcadas, atender isso fica praticamente impossível. Já solicitamos à prefeitura qual é o déficit real de trabalhadores, mas é muito dinâmico. Só na UPA Pampulha, por exemplo, faltam mais de 40".
Já o Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (Coren-MG) realizou nesta terça-feira (16) uma fiscalização no SAMU da capital. Para o presidente da entidade, Bruno Farias, a situação é crítica e ele só não defende uma greve geral neste momento por conta da situação da pandemia.
"Um terço dos profissionais de saúde contaminados pela Covid-19 são profissionais de enfermagem. Mesmo na linha de frente, os técnicos recebem míseros R$ 70 por mês de adicional de insalubridade. Isso é um absurdo. E há trabalhadores suficientes para atender a demanda, mas muitos vão para outras áreas por conta dessa situação", declarou. De acordo com o Sindibel, mais de 90% dos profissionais recebem a título de adicional de insalubridade pelo risco médio um valor irrisório de R$ 71,70 por mês ou R$ 3,58 por dia.
O que diz a prefeitura?
Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que, nos últimos quatro anos, promoveu "diversas melhorias na remuneração dos profissionais de saúde, com reajustes que compõem a inflação", além de abonos, adicionais e gratificações. Segundo o Executivo municipal, a remuneração dos contratos administrativos não pode superar à prevista para o nível 1 de ingresso na carreira compatível dos servidores efetivos.
"Desde a publicação dessa lei, a Prefeitura vem cumprindo os direitos constitucionais mínimos e concedendo melhorias nos valores contratuais - sempre tentando aproximá-lo ao do valor pago aos servidores efetivos, dentro da capacidade financeira do Município", informou. Em relação ao adicional de insalubridade, a prefeitura afirmou que paga valores determinados pela legislação vigente.
O poder público lembrou ainda que houve reajustes de 378% a partir de janeiro de 2020 e 3,3% a partir de dezembro do mesmo ano, o que representou "esforço financeiro máximo". "Temos um cenário de expectativa de que o sistema de saúde de Belo Horizonte continuará sofrendo demanda excepcional nos próximos meses para atendimento decorrente da pandemia. E, nesse contexto, torna-se imprescindível que sejam somados esforços para que a manutenção da assistência à saúde à população e o atendimento prioritário às famílias mais vulneráveis", declarou.
Sobre a situação no SAMU, a prefeitura negou que seja realizado o transporte simultâneo de três pacientes nas ambulâncias e que em situações de alta demanda é "permitido o transporte de dois pacientes, desde que estáveis que serão assistidos em uma mesma unidade de saúde". Em relação a eventuais desfalques no quadro de técnicos de enfermagem, o Executivo disse que realiza contratos de trabalho emergencial. Já o transporte de pacientes entre as UPAs acontece só quando há encaminhamentos para o Centro Especializado em Covid, que possui leitos semi-intensivos.