Uma operação da Polícia Civil investiga um rombo de R$ 100 milhões nos cofres públicos do estado de Minas Gerais em um contrato de parceria público-privada (PPP) firmado entre o Estado de Minas Gerais e o consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), composto por cinco empresas e responsável pela construção e administração de um complexo prisional em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte. 

Nesta quinta-feira (16), agentes policiais cumpriram 13 mandados de busca e apreensão em BH, Nova Lima, São Paulo, Jaguariúna e Barueri e recolheram documentos e equipamentos eletrônicos que podem ajudar a desvendar o caso. Entre os envolvidos estão três servidores públicos, sendo uma auditora da Controladoria-Geral do Estado (CGE), e o ex-secretário adjunto da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), Robson Lucas, além de empresários e administradores do consórcio, que são investigados por peculato-desvio, fraude na licitação, condescendência criminosa e organização criminosa.

O contrato de PPP foi firmado em 2009 pelo valor de R$ 2,1 bilhões para a construção e administração de cinco unidades do complexo, mas até agora a GPA só entregou três das unidades previstas. Além disso, ao longo dos mais de dez anos de parceria, foram firmados 11 termos aditivos que, segundo a Polícia Civil, levaram o Estado a pagar por itens já custeados pelo contrato inicial.

Segundo o delegado Domiciano Monteiro, chefe da divisão de combate à corrupção, investigação a fraudes e crimes contra a ordem tributária da Polícia Civil, um termo aditivo no valor de R$ 122 milhões, assinado em 2013, chama atenção. Nele, o Estado estaria pagando por serviços já contemplados no contrato inicial, como a instalação de um circuito interno de monitoramento por vídeo nas unidades do complexo prisional. “Já era obrigação do consórcio a instalação e modernização de todo o circuito durante todo o tempo de contrato, que é de 30 anos. Mesmo assim, o Estado pagou R$ 10 milhões a mais por esse serviço”.

Esse segundo aditivo, inclusive, foi alvo de uma auditoria da Controladoria Geral do Estado (CGE) em 2015, que apontou diversas irregularidades que teriam custado ao Estado pelo menos R$ 42 milhões a mais do que o acordado. Na ocasião, o órgão fez uma série de recomendações à Seds em relação a esse aditivo. 

Outro termo aditivo foi firmado em 2016, após uma suspensão dos pagamentos ao consórcio por suspeitas de irregularidades. Isso levou a GPA a mover uma ação na Justiça, que gerou um acordo judicial. Também esse acordo está sendo investigado já que não teve a assinatura do então secretário de Segurança Pública à época, Bernardo Santana de Vasconcellos, conforme depoimento prestado à Polícia Civil. “No depoimento testemunhal do então secretário de Estado, ele diz que não assinou esses documentos e que, então, não há validade”.

Nesse termo aditivo firmado após o acordo judicial, o Estado também retirou o prazo para entrega das outras duas unidades prisionais - cujo contrato inicial previa para 2013. “Foi inserida uma cláusula de prazo indeterminado para a entrega das unidades 4 e 5, sem qualquer previsão de multa. E, até julho de 2020, só há três unidades”, afirma. Por outro lado, também houve sucessivos aditivos para ampliação do número de vagas no complexo prisional, de modo que o consórcio ampliou seus lucros como se tivesse construído as unidades remanescentes.

Ainda segundo Monteiro, também não constam nesse acordo perícias realizadas ao longo do processo. “Os assistentes técnicos indicados pelo Estado para trabalharem na conferência desses contratos não foram chamados para acompanhar os trabalhos periciais e o documento final consta a participação deles. Parte da quesitação que fizeram à época também não foi levada aos autos”, aponta o delegado.

A Polícia Civil também investiga superfaturamento em licitações e vantagens indevidas a servidores públicos e administradores do consórcio e não descarta a possibilidade de prisões, após a análise do material apreendido nesta quinta-feira.

Por meio de nota, a CGE informou que acompanha os desdobramentos da investigação "sobre o contrato de parceria público-privada e aditivos, celebrados entre 2009 e 2018, entre o Estado de Minas Gerais e o consórcio Gestores Prisionais Associados" e "coloca-se a inteira disposição da Policia Civil".

Já a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informou que também acompanha os desdobramentos da investigação da Polícia Civil e reiterou que "os acordos em questão foram assinados em gestões passadas". Ainda segundo o órgão, Robson Lucas não faz parte dos quadros da Sejusp. 

Divisão de secretarias

O delegado Domiciano Monteiro também não descarta que haja relação entre as irregularidades no contrato com a GPA, levantadas inicialmente pelo próprio secretário de Defesa Social em 2015, Bernardo Santana de Vasconcellos, com a subdivisão da secretaria no ano seguinte e o acordo judicial.

Em 2016, ano em que foi firmado o acordo judicial entre o Estado e o consórcio, uma reforma administrativa realizada pelo governo dividiu a Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais (Seds) em Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) e Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp).

"A gente não pode afirmar (que haja relação), mas fato é que o acordo foi firmado pouco após o desmembramento da Secretaria", destacou o delegado.

Quando ocorreu essa divisão, Vasconcellos já não era mais secretário de Defesa Social. Ele pediu exoneração do cargo alguns meses antes.

GPA

A GPA é uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) criada para implantar e administrar o Complexo Penitenciário Público-Privado (CPPP), que funciona, desde janeiro de 2013, em Ribeirão das Neves, na região metropolitana da capital.

Por meio de nota, a GPA informou que “recebeu com surpresa a ação da polícia, uma vez que há 11 anos, desde a assinatura do contrato, vem cumprindo com todas as suas obrigações de forma clara e transparente, prática administrativa adotada desde o início de sua atuação”.  

A empresa informou ainda não ter “conhecimento de nenhum tipo de irregularidade na execução do contrato” e “que o mesmo é alvo de constante avaliação e fiscalização de órgãos como Ministério Público e Advocacia Geral do Estado, entre outros”.