Cada vez mais, os abrigos improvisados nas praças e ruas de Belo Horizonte têm se tornado moradia de milhares de pessoas. E após três meses de pandemia e agravamento da situação econômica do país, entidades que atuam de perto com essa realidade garantem que o número de moradores cresceu. É o que aponta a Pastoral de Rua, que junto com uma rede de quase 40 outros grupos de apoio, distribui alimentos, kits de higiene, moradia provisória e até espaço para atendimentos básicos de saúde.

Na Praça Raul Soares, na região Central, muitas barracas foram montadas entre a fonte, único acesso à água – líquido não é potável – que os moradores do local possuem. Já na Praça da Estação, carrinhos de supermercado que se transformaram em guarda-roupa e sintetizam a miséria dessas pessoas que têm nas ruas a única alternativa de vida. Conforme o último cadastro realizado pela prefeitura, a população é de quase 4.600.

Para a coordenadora da Pastoral de Rua de Belo Horizonte, Claudenice Rodrigues Lopes, os problemas socioeconômicos do país foram ainda mais agravados após a chegada do coronavírus e os reflexos da doença no fechamento dos comércios e serviços, o que refletiu nas ruas. "O aumento é real, há muitas pessoas recém chegadas das ruas, desorientadas, sem informação. E também temos visto moradores que perderam o trabalho, não consegue mais pagar o aluguel e que já se imaginam nas vias da cidade", conta.

Além da entidade, que fornece alimentação, lanches e kit higiene – no mês passado, ainda foi montada uma estrutura na Serraria Souza Pinto para atendimentos de saúde e espaço para que essas pessoas realizem as necessidades de higiene –, outros 40 grupos atuam na capital. Juntos, eles chegam a fornecer quase 4.000 marmitas todos os dias. 

"Tem sido dias de muito trabalho, e percebemos a diferença que isso faz na vida deles. Ter um local de acolhimento, com avaliação básica de saúde e diversos outros serviços é muito importante. Não ter banheiro público, um local para guardar as coisas é degradante para eles", lembra. 

Prefeitura nega, mas confirma maior demanda por serviços

Apesar de afirmar que a população de rua na capital mineira está estável, a Secretaria Municipal de Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, a Pastoral de Rua admite que a procura pelos serviços oferecidos está maior. "Percebemos que no contexto atípico da pandemia, com o fechamento do comércio e a necessidade de reordenar a oferta de vários serviços públicos, elas acabam demandando o acesso às iniciativas", afirma o coordenador de Serviços de Média Complexidade para Pessoas em Situação de Rua, Marcel Belarmino.

Conforme a pasta, o serviço especializado de abordagem da população em situação de rua atua em todas as regionais de Belo Horizonte. "(A iniciativa) busca trabalhar na construção do processo de saída da situação de vida nas ruas, utilizando inclusive diferentes recursos e estratégias de linguagem, como oficinas e etc", informou por nota.

Motivações são diversas

Já a coordenadora da Pastoral de Rua, Claudenice Rodrigues, grande parte das pessoas passam a morar nas ruas por conta dos problemas econômicos. E junto com essa realidade, crescem também as dificuldades para conseguir uma recolocação no mercado de trabalho. "Tem muito profissional com histórico vinculado ao mundo do trabalho e que precisa de uma capacitação e oportunidades", exemplifica. 

A ausência de políticas públicas eficazes, com estratégias de superação da vida nas ruas, é criticada por Rodrigues. "Elas devem ser vinculadas a promoção de moradia, renda e trabalho, junto com saúde e suporte assistencial. O abrigo também é necessário, mas é algo provisório", finaliza.

Moradora pede doação de barraca

Um carrinho de supermercado, poucas peças de roupa e alguns cobertores estendidos em uma árvore. É na Praça da Estação que Beth, 51, enfrenta as dificuldades diárias de quem vive nas ruas. Sem endereço fixo há mais de 21 anos, o diagnóstico de um câncer tornou a rotina da moradora ainda mais complicada. E diante das noites frias dos últimos dias, ela pede a doação de uma barraca de campo.

"Seria bem melhor que a coberta, porque se chover, é só colocar uma lona por cima. Ela ainda não segura tanto o sereno", relata. Beth conta ainda que outro grande problema é a falta de banheiros públicos em todo o Centro da cidade. "Lá na orla da Pampulha tem, porque aqui não existe para a gente usar. Não ia precisar fazer as necessidades em outro lugar, é chato para nós e também quem limpa", diz.