Belo Horizonte

'Para pobre é mais difícil sobreviver': Diaristas sofrem na crise do coronavírus

Nesta quinta-feira (19), o Rio de Janeiro confirmou a primeira morte por coronavírus no Estado; a vítima é uma empregada doméstica de 63 anos

Por Letícia Fontes
Publicado em 20 de março de 2020 | 09:42
 
 
 
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Enquanto uma parte da população discute trabalho remoto e isolamento, os próximos meses prometem ser de angústia para trabalhadores informáveis ou temporários. Para grande parte dos brasileiros desprotegidos – diaristas, empregadas domésticas, babás e motoristas –, parar significa uma tragédia, ou se fica vulnerável ao vírus, ou não se paga as contas. O Brasil tem, segundo o IBGE, 38,5 milhões de pessoas trabalhando como informais, que podem ficar sem renda com a pandemia do coronavírus no país. 

Cláudia Aparecida, 45, há cinco anos trabalha como diarista. Com faxina de domingo a domingo, essa semana só um de seus clientes manteve o serviço, todos os outros cancelaram. Mesmo depois fazer um estoque de álcool em gel e prometer para os clientes todos os cuidados, a opção agora é se juntar em casa ao marido desempregado e ao filho, de 14 anos, que teve as aulas suspensas. "Para passar esse período, tinha pensando em começar a vender cachorro quente, mas quem vai sair de casa para comprar? Claro que eu tenho medo de pegar isso (o vírus), mas eu tenho mais medo de não conseguir me manter, ter comida, o básico de dignidade", desabafa. 

A empresária Bianca Queiroz administra há 10 anos uma empresa de agenciamento de babás, diaristas, empregadas domésticas, motoristas, pintores, entre outros serviços terceirizados em Belo Horizonte. Bianca tem mais de mil profissionais cadastrados na empresa. Em três dias foram mais de 20 cancelamentos nos serviços de diaristas. O prejuízo estimado em uma semana é de, aproximadamente, R$ 7.000.

"Já passei por várias crises, sempre damos um jeito de reinventar. Na época da lei das domésticas criei cursos para que esses profissionais se profissionalizassem. Agora, penso em criar cursos online para que os próprios clientes aprendam a fazer esses serviços de uma forma mais eficiente já que todos estão em casa", conta. 

Coronavírus tem classe?

Nesta quinta-feira (19), a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro e a prefeitura da cidade de Miguel Pereira confirmaram a primeira morte por coronavírus no Estado. A vítima é uma empregada doméstica de 63 anos. Deixou para trás um filho de 39 anos que morava com ela e outros parentes em um bairro humilde da cidade.

Durante 20 anos, trabalhou como empregada doméstica no Leblon, bairro nobre do Rio que tem o metro quadrado mais caro do país. Ela teve contato com a patroa, que esteve na Itália e estava com a doença. Contrariando todas as recomendações dos especialistas, os padrões não a dispensaram e a mantiveram no apartamento trabalhando de avental, luvas e máscara. 

"Eu estou com medo, moro eu, meu marido, meus três filhos, meu genro e meu netinho que tem só 20 dias. São sete pessoas em uma casa só. Para pobre é mais difícil (sobreviver). Até agora só uma cliente cancelou uma faxina graças a Deus, porque além do medo, a gente tem que conviver com a incerteza. Tenho várias bocas para alimentar", conta apreensiva Lucileia Silva, 40. Nas últimas faxinas que realizou esta semana, a diarista redobrou a atenção. "Sempre lavando as mãos e com álcool em gel mostrando para as clientes. É para o bem delas", completa. 

A recomendação da empresária Bianca Queiroz, que é dona de uma empresa que cadastra diaristas e empregadas domésticas na capital, é que as funcionárias tomem banho e troquem de roupa assim que chegarem na casa do cliente e quando chegarem em suas próprias casas também.

"Elas (diaristas) estão desesperadas, assim como nós, elas dependem disso para sobreviver. A sugestão que eu dou e peço é que elas como utilizam o transporte público e tem mais esse fator de estarem mais expostas é  ao chegar na casa do cliente tirarem o sapato, lavar as mãos, usem álcool em gel, tomem banho e troquem de roupa, principalmente as babás e cuidadoras de idosos. Essa recomendação serve para quando elas chegarem em casa também", explica Bianca. 

Redes sociais

Em um grupo do Facebook do bairro Buritis, na regiões Oeste de Belo Horizonte, os comentários entre alguns moradores eram: "não dispensamos a babá, porque não tem ninguém de baixa renda infectada. Como ela usa coletivo, quando chega aqui tem que tomar banho, passar álcool gel e usar máscara", comentou uma usuária. 

Em um outro grupo em Recife vários internautas também não deixaram de cancelar as babás, as empregadas e as diaristas. "Claro que não liberei. Estou trabalhando em esquema de home office, mas não estou dando conta das crianças em casa. Quem cuidaria delas e das refeições? Estou pagando uber para a minhas, mas estou gastando horrores" disse. "A minha está dormindo aqui, é por segurança", comentou outra internauta. 

Solução. 

De acordo com Marcio Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal, atualmente são 6,3 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil. Desse total, 1,5 milhão têm carteira de trabalho assinada - 2,3 milhões estão na informalidade e 2,5 milhões trabalham como diaristas – ou seja, até dois dias por semana para o mesmo contratante, sem vínculo empregatício. 

Segundo ele, o momento pede "bom senso e o respeito ao ser humano". Ele defende que todas as empregadas com mais de 60 anos, grupo de risco para o novo coronavírus, sejam dispensadas. A estimativa é que entre 15% a 20% das empregadas domésticas no país tem 60 anos ou mais.

No caso das mensalistas, segundo ele, o empregador pode tomar diferentes decisões que não prejudiquem o salário das empregadas ou que minimize sua exposição: licença remunerada, antecipação de férias, afastamento com compensação posterior, redução de horário de trabalho ou pagamento de transporte particular.

Já o caso das diaristas é diferente, porque são trabalhadoras autônomas. A sugestão é que os empregadores dispensem e paguem as diaristas. Avelino defende ainda que uma solução possível é que essas diaristas se cadastrem como MEIs (microempreendedoras individuais), contribuindo para o INSS e garantindo proteção da Previdência Social e em casos de doença. Contudo, existe uma carência de no mínimo 12 meses de contribuição para ter o auxílio-doença. 

Para Avelino, a solução é que o governo derrube a carência para os contribuintes que forem contagiados com o vírus. "Espero que rapidamente acabe esta loucura, mas enquanto vivemos tempos estranhos é necessário bom senso. A maior parte da população está exposta e descoberta economicamente falando também. No caso das domésticas e diaristas estamos falando de uma categoria formada majoritariamente por mulheres que são as únicas provedoras da família. O empregador está com a faca e o queijo na mão e tem várias alternativas, só não pode deixar o trabalhador desamparado sem remuneração", pontua. 

"Recomendamos que todos estes combinados, como férias antecipadas, banco de horas, com o trabalhador sejam realizados contratos para que ambos os lados sejam resguardados posteriormente", ressaltou Avelino. Ele lembra que no site do instituto Doméstica Legal a partir desta sexta-feira (20) vão ser disponibilizados vários modelos de contratos. 

Solidariedade. 

Luciene Santos, 32, teve todas as faxinas canceladas nesta semana e para os próximos dias. Sem outra renda e com um filho de 3 anos, ela teve mais sorte que muitas colegas de profissão. Ela continuará recebendo normalmente de pelo menos duas clientes como se fossem dias trabalhados. "Faço faxina todos os dias, pelo menos consegui garantir R$ 200 para essa semana. Nem acreditei quando elas falaram que iam depositar para mim, porque minha outra opção era ser manicure, como bico, mas no atual momento não tem como. Espero que isso acabe logo", lamenta. 

Uma das clientes que decidiu manter o pagamento de Luciene foi a Larissa Flores, 35. A advogada está trabalhando de casa deste segunda-feira. "Eu também sou autônoma, entendo bem essa situação. Sei que é um momento difícil para todos. Mas se não nos ajudarmos uma crise que pode passar em poucos meses vai perdurar por muito mais tempo", afirma. 

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