Investigação

PF indicia Vale, Tüv Süd e 13 funcionários por tragédia de Brumadinho

Polícia identifica indícios de falsidade ideológica e uso de documento falso; crime ambiental e homicídios serão relatados em outro inquérito

Por Murilo Rocha
Publicado em 20 de setembro de 2019 | 06:00
 
 
 
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A Polícia Federal indiciou ontem à noite sete funcionários da Vale e seis da empresa alemã de engenharia e consultoria Tüv Süd pelos crimes de falsidade ideológica e uso de documentos falsos. As duas multinacionais também vão responder pelos mesmos crimes.

Segundo o inquérito da PF, de 6.500 páginas distribuídas em 27 volumes, as empresas omitiram e falsearam informações a órgãos públicos em pelo menos duas ocasiões sobre a real situação da barragem I, da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. A barragem da Vale, com 12,5 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro, se rompeu no dia 25 de janeiro deste ano matando 270 pessoas e provocando danos ambientais à bacia do rio Paraopeba.

De acordo com a investigação, o crime de falsidade ideológica ocorreu quando as empresas, sem conseguirem atingir um fator mínimo de segurança exigido internacionalmente nas medições feitas na barragem a partir de novembro de 2017, criaram um padrão inexistente. O fato permitiu o funcionamento normal da mina, onde trabalhavam diariamente mais de 300 pessoas, mesmo com um cenário de risco acima do tolerado. Caso não obtivesse a Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), as atividades do complexo teriam de ser paralisadas.

Em relação ao uso de documentos falsos, segundo a PF, o crime aconteceu duas vezes, em junho e setembro de 2018, justamente quando as DCEs (veja documento enviado ao DNPM em junho atestando estabilidade da barragem), com informações falseadas, foram entregues a órgãos de fiscalização, como a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atual Agência Nacional de Mineração (ANM).

O indiciamento atinge sete funcionários das gerências de geotecnia corporativa e operacional da Vale. No caso da Tüv Süd, além de engenheiros e consultores, pelo menos um executivo da firma alemã foi implicado. Os indiciados podem pegar até 15 anos de prisão, caso as penas máximas sejam aplicadas para cada crime (a imputação por uso de documentos falsos deve ocorrer duas vezes). Em ambos os crimes, há uma legislação específica por se tratar de crime ambiental (veja abaixo).

O relatório também pede medida cautelar contra os indiciados, proibindo os 13 funcionários de prestarem consultorias ou novos trabalhos nessa área. Os crimes de homicídio e de caráter ambiental vão ser relatados em um segundo inquérito previsto para ser concluído até o fim do ano. A PF encaminhou o documento com as conclusões da investigação na noite de ontem para o Ministério Público Federal (MPF). Os policiais iriam conceder uma coletiva hoje de manhã para detalhar o inquérito.

Veja quem são os indiciados da Vale e da Tüv Süd:

Vale

Geotecnia corporativa
- Alexandre Campanha
(Gerente-executivo de Governança de Geotecnia Corporativa): foi citado por funcionários da Tüv Süd por fazer pressão para a elaboração de documentos atestando a estabilidade da barragem;
- Marilene Lopes (gerente de Gestão de Estruturas Geotécnicas): participava da Gestão de Riscos Geotécnicos (GRG), sistema responsável por armazenar os dados de barragens, e também mantinha contato com funcionários da Tüv Süd sobre a situação de barragem I. Era subordinada a Alexandre Campanha;
- Felipe Rocha (engenheiro ligado à Gestão de Riscos Geotécnicos): Trabalhava diretamente com Marilene Lopes e foi responsável pela apresentação dos dados do GRG sobre a situação das barragens em mais de um painel realizado pela Vale nos anos de 2017 e 2018;
- Washington Pirete (engenheiro): Participa dos painéis da Vale onde eram discutidas as situações das barragens e também atuava junto às empresas auditoras e contratadas para fazer inspeções nas estruturas;

Geotecnia operacional
- César Grandchamp
(geólogo): Experiente funcionário da mineradora, era responsável por assinar pela Vale as Declarações de Condição de Estabilidade da barragem I de Brumadinho;
- Cristina Malheiros (engenheira): Era a responsável pelo monitoramento e inspeção da barragem rompida de Córrego do Feijão e assinava a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) da estrutura;
- Andréa Dornas (engenheira): Trabalhava desde a década de 90 na Vale e também tinha conhecimento sobre a situação da segurança de B1. Manteve conversas com Cristina Malheiros sobre os índices da barragem abaixo dos recomendados internacionalmente.
 
Tüv Süd

- Chris-Peter Meier (Diretor de Desenvolvimento de Negócios e gerente de Negócios de Infraestrutura da Tüv Süd, na Alemanha): Teria tido conhecimento da manobra da Tüv Süd no Brasil para a formulação do Fator de Segurança para a barragem I de Córrego do Feijão fora de qualquer padrão adotado mundialmente;
- Makoto Namba (coordenador de projetos): Engenheiro com mais de quarenta anos de experiência, coordenava a equipe da Tüv Süd nos diversos contratos mantidos com a Vale. Makoto ainda assina a Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) da barragem I de setembro de 2018;
- André Yassuda (consultor de geotecnia): É quem assina a DCE da barragem em junho de 2018;
- Arsênio Negro Jr. (consultor e dirigente da empresa): Participou ativamente das conversas para a elaboração de um Fator de Segurança de B1 abaixo do recomendado pela própria Vale e pela literatura internacional;
- Marlísio Cecílio (engenheiro geotécnico sênior): Era quem realizava em campo os testes na barragem para a formulação do Fator de Segurança;
- Ana Paula Ruiz Toledo (engenheira geotécnica sênior): Também participava da equipe montada pela Tüv Süd para emitir a DCE da estrutura de Brumadinho.

ENTENDA:

Crime de falsidade ideológica: a barragem I da mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, apresentava desde novembro de 2017 um Fator de Segurança abaixo de 1,3, o mínimo aceito mundialmente. Entre maio e junho de 2018, a Tüv Süd, com conhecimento da Vale, elabora uma Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) onde atesta a segurança da barragem com o Fator de Segurança de 1,09. O documento é assinado por representantes das duas empresas.

Crime de uso de documento falso: em junho e setembro de 2018, as DCEs são assinadas por Vale e Tüv Süd e, mesmo com a ciência de um Fator de Segurança abaixo do recomendado mundialmente, são enviadas para a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e para o Departamento Nacional de Mineração (DNPM), atual Agência Nacional de Mineração (ANM).

O que diz a Lei 9.605 para crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso em caso de crimes ambientais:

Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão: (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)

§ 1o Se o crime é culposo: (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.(Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)

§ 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa. (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)

Veja a resposta da Vale sobre o caso:

A Vale informa que tomou conhecimento, em 20 de setembro de 2019, dos resultados do primeiro inquérito policial relativo ao rompimento da Barragem I, na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).

A Vale avaliará detalhadamente o inteiro teor do relatório policial antes de qualquer manifestação de mérito, ressaltando apenas que a empresa e seus executivos continuarão contribuindo com as autoridades e responderão às acusações no momento e ambiente oportunos.

 

Texto atualizado às 10h06

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