Em meio a uma rotina cansativa, longa jornada de trabalho e muitos obstáculos para ensinar dezenas – às vezes centenas – de alunos, professores da rede pública de Belo Horizonte têm ido além na missão de educar. Impulsionados pelo desejo de transformar a vida de estudantes, alguns educadores tomam para si o desafio de estimular o desejo de aprender. Enquanto também ensinam os conteúdos dos livros didáticos, desenvolvem projetos em sala de aula e atividades que ultrapassam os muros da escola onde atuam.

No bairro Califórnia, na região Noroeste de Belo Horizonte, alunos da Escola Municipal Professor João Camilo de Oliveira Torres descobriram que podem aprender sobre artes enquanto cuidam do paisagismo da instituição. No princípio, nem a idealizadora do projeto Jardinando, Eliani Silveira, acreditava que os alunos do sétimo ano aceitariam voltar os olhos para as plantas da escola, que sofriam com a falta de cuidados. Mas eles não só abraçaram a ideia, como também descobriram que poderiam aprender sobre formas, cores, volume e desenho ao revitalizarem o jardim.

“A grande mudança foi o envolvimento dos alunos em cuidar do ambiente da escola. Eles eram indiferentes a isso, não reconheciam o patrimônio ambiental que tinham. Hoje, além de cuidar, eles atuam na educação ambiental dos outros alunos”, conta Eliani.

Enquanto estudantes se beneficiam com as aulas de Eliani, a vegetação agradece, exuberante. “Está tudo muito mais bonito. Muitas vezes, os alunos me chamam para ver uma planta que floriu e como elas começam a se encaixar no projeto paisagístico que foi feito com a ajuda deles”.

Mais que cuidar, as crianças se tornaram protetoras da flora que embeleza a escola, a ponto de questionarem algumas das decisões da direção que iriam impactar diretamente a vida dos jardins da instituição. “Foi necessário cimentar uma área muito grande. E vários alunos vieram atrás de mim e da direção para reclamar e perguntar se não iríamos fazer nada. Eu achei isso fantástico, porque é, sem dúvida, um retorno do projeto Jardinando”, destaca a professora.

Boas práticas

Iniciativas como essa serão apresentadas no 1º Congresso de Boas Práticas de Ensino: Aprendizagem e Gestão da Rede Municipal de Belo Horizonte, que vai acontecer entre 10 e 12 de dezembro, quando serão apresentados 180 trabalhos e expostos 90 banners, com relatos de experiências exitosas nas escolas. Conheça a seguir outros quatro exemplos selecionados pela reportagem.

 

Álbum de figurinhas ajuda a ensinar biologia

Nas salas de aula do professor de ciências Henrique Melo Ribeiro, a imaginação é ferramenta no desenvolvimento de projetos, como o álbum de figurinhas “O Incrível Invisível”. Na publicação, micro-organismos ganham poderes de super-heróis para ensinar cerca de 150 alunos do terceiro ano do fundamental sobre microbiologia na Escola Municipal Professora Maria Modesta Cravo, no bairro Cidade Nova, na região Nordeste de BH.

“Tudo é novidade. Eles ficam ansiosos para fazer algo novo e aprender”, observa o mestre em educação sobre os estudantes. Segundo ele, as figurinhas são desenhadas pelos alunos. Após pronto, o álbum é usado como material didático para explicar as características dos seres vivos.

“O Incrível Invisível” já ultrapassou os limites das salas de aula e foi parar na internet. Em outra fase do projeto, alunos do quarto e do quinto ano do ensino fundamental da mesma escola, que fazem parte de um programa de iniciação científica júnior da UFMG, produzem vídeos para um canal do YouTube (também chamado de “O Incrível Invisível”) em que passam de estudantes a professores ao ensinar sobre o universo dos micro-organismos.

 

Manhã de autógrafos vai lançar livro coletivo

Na Escola Municipal Professor Hilton Rocha, na região do Barreiro, estudantes do sexto ano do ensino fundamental se transformaram em escritores dos próprios livros. Ao descobrir quais eram os temas de interesse dos alunos, o professor de português Fábio Gonçalves Benevenides Júnior percebeu que poderia tornar as aulas mais estimulantes sem ter de se desviar do conteúdo previsto na grade curricular. A partir dessa constatação, ele passou a envolver toda a turma na produção de uma obra literária, uma forma divertida de abordar a leitura e a produção de texto em sala de aula.

Os alunos participam de tudo: escolha do tema, construção do texto, ilustrações e até diagramação do material. “Vai saindo naturalmente. O diferencial é a forma de trabalhar. Não adianta ser forçado”, conta Benevenides Júnior.

Neste ano, as crianças trabalham no lançamento do livro “Janelas, Lembranças e Sonhos – Memórias de uma Filha da Escola”. A proposta é que, ao final do trabalho, os estudantes se sintam como verdadeiros autores. Ainda neste mês, eles vão apresentar a obra aos pais, em uma manhã de autógrafos.

 

‘Sussurrofone’ ajuda a interpretar textos e a ler

Educadora há 16 anos, Lucienne de Castro Gomes não descansou até encontrar uma solução para os problemas de aprendizado de uma turma que demonstrava dificuldades em ler em voz alta e interpretar textos. Diante do desafio, ela começou a pesquisar meios de vencer essa barreira e descobriu um aparelho chamado WhisperPhone, conhecido no Brasil como “sussurrofone”. O equipamento permite que o aluno ouça a própria voz amplificada enquanto sussurra.

“Escutando a si mesma, a criança vai ler de forma mais lenta, prestando mais atenção na pontuação e identificando os próprios erros. Além disso, não vai sentir vergonha de ler na frente de outros alunos”, esclarece a professora.

O aparelho, que custa mais de US$ 100, foi adaptado pela professora. Inspirada em modelos vistos na internet, ela transformou canos de PVC em sussurrofones ao custo de apenas R$ 2.

Com a engenhoca, vieram os resultados. Alunos de inglês e português na Escola Municipal Francisca Alves, no bairro Santa Terezinha, na Pampulha, usam o equipamento. “Percebo a melhora durante as avaliações. Eles compreendem melhor os textos e se interessam mais por literatura”, diz.

 

Café com Poesia envolve familiares e traz diversão

Na Escola Municipal Francisca de Paula, localizada no bairro Cinquentenário, na região Oeste de Belo Horizonte, a poesia é o que norteia as aulas de maneira lúdica e divertida. Pelo segundo ano consecutivo, pais, alunos e professores se envolveram por um semestre inteiro na preparação do Café com Poesia, evento que aborda o gênero literário entre alunos do ensino infantil, fundamental e na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

O diretor e escritor Lindomar da Silva explica que a ideia é que o estudante se familiarize com a linguagem poética. O resultado do trabalho produzido em sala de aula é apresentado em um evento com mesa farta, intervenções artísticas, música e poesia.

No grande dia, os estudantes sobem ao palco para apresentar números artísticos. As crianças menores mostram habilidades de canto e dança. Os mais velhos declamam poemas e revelam talentos de interpretação em peças teatrais.

“É maravilhoso. As crianças se envolvem muito, e os pais se emocionam. Isso aproxima a família da escola”, afirma Silva.