“Eu frequento a Lapinha há 20 anos e, há oito, moro aqui. Nunca tinha visto a represa tão baixa”, lamenta o guia turístico e empresário Thomaz Dayrell, 32, ao descrever a situação de um dos principais cartões-postais da Lapinha da Serra, no distrito de Santana do Riacho, que fica a cerca de 140 km de Belo Horizonte.

Destino de turistas apaixonados pela natureza, o local tem sofrido com a falta d’água, que reduziu drasticamente o nível da principal atração: a lagoa artificial. O motivo, segundo os moradores, é a Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Coronel Américo Teixeira, instalada a poucos quilômetros do povoado.

Veja a diferença

A represa foi construída na década de 1950 e é composta por dois grandes lagos. É no primeiro, mais próximo das casas da comunidade, que os turistas nadam e praticam esportes náuticos.

No entanto, a lagoa amarga seus piores dias, desde que a PCH, que estava inativa, voltou a operar, no fim de 2017, depois de conseguir uma licença de operação corretiva concedida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). “Abriram demais as comportas, e o nível da represa baixou demais”, reclama Lucas Vaz, proprietário de uma das pousadas construídas próximo à lagoa. Os impactos ao ecossistema também preocupam: “Dá para pegar peixe com a mão em alguns pontos”.

De acordo com o professor de pós-graduação em geografia do Departamento de Geociências da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ) Ricardo Motta, as PCHs causam mais impactos do que as usinas de médio e grande porte. Segundo o especialista, a oscilação brusca do nível da água é capaz de matar peixes e outros animais que têm a represa e seu entorno como habitat. “As PCHs deveriam manter uma reserva técnica de água. Geralmente, quando o nível diminui muito, as usinas estão turbinando a geração de energia, superando os limites da sustentabilidade”. Além disso, mesmo quando o nível é mantido alto, surgem outros problemas, como proliferação descontrolada de vegetação aquática, como as algas tóxicas. “Essas usinas exigem investimentos de grande porte para a manutenção da qualidade da água, mas nem sempre as empresas estão dispostas a gastar com isso”, diz Motta.

Em nota, a Secretaria de Turismo e Meio Ambiente de Santana do Riacho atribuiu a redução do nível das lagoas à crise hídrica e à perfuração de poços artesianos no povoado. E informou que tem fomentado atividades que não dependam do espelho d’água, para minimizar os impactos no turismo. 

Repercussão. O perfil de Instagram @lapinhadaserra denunciou o problema nesta semana. Desde então, houve uma grande mobilização de internautas no post, com comentários marcando o ICMBio.

Feriado chega, mas pousadas veem prejuízo com situação

Em um distrito que tem como principal fonte de renda o turismo, a seca na represa representa prejuízo. Se em outros tempos de feriados prolongados existia certeza de lucro, agora o que domina é a preocupação. “Os turistas chegam querendo ir até a lagoa, mas práticas esportivas náuticas, como o stand up paddle e o caiaque, foram afetadas”, conta Lucas Vaz.

“Vendo isso, eu já repenso o investimento no meu negócio”, diz Thomaz Dayrell. Segundo ele, o projeto inicial previa capacidade para 35 hóspedes. “Agora já penso em reduzir para 20”.

Luiz Henrique Pimenta Soares, 36, saiu de Poços de Caldas para visitar a Lapinha da Serra pela primeira vez nesta semana e lamenta o que presenciou. “A paisagem das fotos é outra. O que senti foi a tristeza de todos da vila.”

Licença libera PCH por 10 anos

A Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Coronel Américo Teixeira recebeu licença ambiental para retomada das atividades no município de Santana do Riacho em 24 de outubro de 2017. A empresa responsável pela operação da usina, segundo o documento da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), é a Horizontes Têxtil Ltda. A licença libera a operação da PCH até outubro de 2027, desde que observadas as condicionantes previstas pelo órgão.

Segundo a Semad, desde que a usina voltou a operar, foram registradas duas reclamações sobre os impactos provocados na represa. A secretaria não detalhou o teor das denúncias, mas informou que elas já foram encaminhadas ao setor responsável para atendimento. A reportagem entrou em contato com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que informou ser de responsabilidade da Semad pronunciar-se sobre o acompanhamento da usina.

A reportagem tentou contato diversas vezes com a Horizonte Têxtil Ltda. e com o escritório de advocacia que a representa. Foram enviados e-mails e feitas várias ligações, mas todos sem sucesso.

A Cemig, citada por alguns moradores como responsável por comprar a energia gerada pela usina, informou, por meio de nota, que “não opera a PCH Coronel Américo Teixeira bem como não mantém qualquer tipo de contrato para sua operação e manutenção. A Cemig também não possui contrato de compra de energia com a PCH”.