Impasse na educação

Retorno das aulas presenciais não é consenso e professores ameaçam greve em BH

Após quase 13 meses de paralisação, aulas presenciais na rede infantil foram autorizadas pela prefeitura a partir do dia 26 de abril. Entidades dizem que protocolos definidos não garantem a segurança da comunidade escolar

Por Lucas Morais
Publicado em 19 de abril de 2021 | 19:42
 
 
 
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Única capital do Sudeste que não permitiu a retomada das aulas presenciais em nenhum momento da pandemia, Belo Horizonte autorizou a volta das atividades na educação infantil a partir do dia 26 de abril, na próxima semana. A medida acontece após o Ministério Público recomendar ao prefeito Alexandre Kalil (PSD) que seja elaborado um protocolo completo para o retorno gradativo das escolas – o órgão ainda investiga iniciativas da prefeitura para garantir o acesso de todos os alunos da rede municipal ao ensino remoto.

Neste primeiro momento, as salas de aula só vão receber crianças de até cinco anos e oito meses, de forma escalonada para evitar aglomerações nas unidades municipal, estadual e privada. Conforme a secretária de Educação, Ângela Dalben, as turmas serão redivididas em grupos menores, com até sete crianças, para que os alunos não interajam entre si. Os protocolos de reabertura já estão disponibilizados desde o ano passado, mas devem sofrer modificações pontuais. 

"Não teremos um retorno com cinco dias e todas as crianças indo permanentemente. Vamos ter que lidar com agrupamento de crianças, com a distância de dois metros entre cada uma, para que elas fiquem nas salas em bolhas ou células. Isso significa que o professor e as crianças não vão ter interações com outras células. Então, na medida do possível, ficarão em isolamento entre si", explicou a secretária. Já a reabertura das unidades para outras faixas etárias vai depender do comportamento do ensino infantil durante as três primeiras semanas. 

Ao todo, a capital mineira conta com quase 107.000 crianças de 0 a 5 anos atendidas nas escolas – são 52.310 na rede municipal, 25.936 em creches na rede parceira e 28.112 na rede privada. E só nas unidades da prefeitura, trabalham pelo menos 5.000 professores. A secretária enfatizou que qualquer profissional, criança e até algum membro da família com sintoma de Covid-19 vai provocar a suspensão temporária das aulas de toda a turma. "O cuidado de um e com o outro é que vai permitir que nossas crianças possam frequentar as escolas", enfatizou. O retorno também não é obrigatório e ensino retomo seguirá mantido.

Professores podem iniciar greve após decisão

Enquanto as escolas comemoram o início da reabertura gradual, as entidades que representam os professores criticam a decisão no momento em que os hospitais seguem lotados e os números de contaminados elevado. Por isso, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal (Sind-Rede) realiza, nesta terça-feira (20), uma reunião para votar uma greve sanitária. "O que nos assusta é que estamos com picos altíssimos de mortes e enfrentando novas cepas que matam pessoas cada vez mais jovens", argumentou Vanessa Portugal, que é membro da diretoria colegiada da entidade.

Conforme a dirigente, a prefeitura dizia anteriormente que o retorno só aconteceria quando o número de contaminados pela Covid-19 fosse de 20 por 100.000 habitantes – no último boletim da prefeitura, eram pelo menos 400. "Essa lógica simplesmente desapareceu. Não há condições de garantir um retorno seguro". Só na rede municipal, Vanessa Portugal lembra a flexibilização pode provocar a circulação de pelo menos 14.000 trabalhadores, sendo que a maioria usa o transporte público para se deslocar até as unidades.

"O próprio governo admitiu que reduziu a testagem e não tem nenhuma política que possibilite um processo de retorno diferenciado. A detecção de alguma pessoa contaminada pelo vírus dificilmente vai acontecer antes dela ter tido contato com outras pessoas", pontuou.

O Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro-MG), que representa os profissionais do setor privado, alegou que a categoria também foi surpreendida com a decisão da prefeitura.

"Algumas escolas funcionaram clandestinamente nesses últimos meses e a prefeitura não conseguiu fiscalizar. Será que agora ela vai conseguir mais de 100 escolas na educação infantil? Achamos que isso mostra que o prefeito sucumbiu na questão dos interesses privados, o que é lamentável, incoerente e prova disso é que o Sinpro encaminhou em janeiro um ofício e sequer teve um retorno", disse a presidente da entidade, Valéria Morato.

Mais de 40% das escolas particulares encerraram as atividades na pandemia

A retomada das atividades foi vista como um alívio pela presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Zuleica Reis. Segundo a dirigente, a pandemia já levou ao fechamento "definitivo" de mais de 40% das escolas no Estado. "As unidades de educação infantil foram as que mais sofreram com o fechamento sem prazo de retorno. Então, é justamente esse público que foi liberado para o retorno o mais prejudicado, tanto as escolas, quanto às famílias", enfatizou.

Zuleica lembra ainda que as unidades estão preparadas desde o ano passado para o retorno. "Agora elas vão colocar em prática todo o trabalho que desenvolveram para receber as crianças presencialmente. Acreditamos que esse é um passo muito importante", explicou. É o caso do Instituto Tarcísio Bisinotto, no bairro Belvedere, região Centro-Sul de Belo Horizonte, que atua apenas com a educação infantil. A diretora da unidade, Renata Bisinotto, conta que toda a equipe já está treinada para seguir à risca os protocolos e garantir a segurança dos alunos.

"Já trabalhávamos desde antes da pandemia com turmas reduzidas, então será mais fácil adaptar. Hoje, estamos com 60 alunos, já que tivemos muitos cancelamentos. Mais que qualquer coisa, a principal iniciativa é a conscientização das famílias, para que elas também nos ajudem", declarou. Na Escola Municipal George Ricardo Salum, no bairro Taquaril, região Leste da capital, as normas também já começaram a ser implementadas.

Além da sinalização dos espaços que devem ser ocupados pelos estudantes nas salas de aula, a instituição garante que tudo será higienizado de forma reforçada e a entrada e saída vai acontecer de 10 em 10 minutos, para evitar aglomerações. Para a diretora do local, Rosane Lauar Câmara Paullini, a unidade tem condições de garantir que todas as normas sanitárias sejam cumpridas.

Rede estadual

Em nota, a Secretaria de Estado de Educação informou que a rede pública estadual segue "desenvolvendo as atividades escolares de forma remota". A pasta enfatizou também que o modelo de ensino híbrido, que também conta com aulas presenciais, só será implementado quando houver autorização judicial para o retorno e apenas nos municípios que estejam nas ondas Amarela e Verde do Minas Consciente – a capital segue na Vermelha, apesar de não seguir as orientações do programa.

"Ainda assim, as prefeituras têm autonomia para decidir sobre a autorização para a reabertura das unidades. Todas as escolas estaduais estão se preparando observando o checklist de aplicação do protocolo sanitário para o desenvolvimento do ensino híbrido, com retorno seguro, gradual e facultativo", explicou a secretaria.

Vacinação dos  professores

Questionado sobre a não vacinação de professores mesmo com o retorno de aulas presenciais, o secretário Municipal de Saúde, Jackson Machado, afirmou que não vai "furar a fila" do Ministério da Saúde, em referência ao Plano Nacional de Imunização (PNI). “Trabalhadores da saúde atuaram sem vacinar, motoristas de ônibus estão trabalhando sem vacinar, caixas de supermercados, profissionais em farmácias. Se as pessoas usarem máscara e tomarem o devido cuidado, não vão ser os mais infectados. Queria que todos fossem vacinados, mas não vou furar fila", declarou. 

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