Covid

Secretário de saúde de BH teme que capital volte a ser fechada até dezembro

“Não tenho arrependimentos e não perdi uma hora de sono sequer, disse o médico Jackson Pinto Machado em entrevista sobre os seis meses de pandemia; retomada de aulas segue sem previsão

Por Rafael Rocha
Publicado em 16 de setembro de 2020 | 21:20
 
 
 
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Passados seis meses da pandemia em Belo Horizonte, a liderança sanitária da cidade, o secretário de saúde Jackson Pinto Machado, segue sereno, porém firme. Sereno ao avaliar a evolução de casos de coronavírus na cidade. “Não tenho arrependimentos e não perdi uma hora de sono sequer”, diz. Firme ao afirmar que teme que a capital possa passar por novo fechamento do comércio antes de dezembro. “Não queremos (que aconteça), mas fechar não seria o maior problema. A vida é mais importante”, conclui.

Em entrevista a O TEMPO, o secretário fez uma avaliação sobre a atuação da prefeitura no combate à Covid-19 durante esses 180 dias. “Tenho certeza que fizemos o melhor pela cidade”, avalia.

Sobre a retomada das aulas, o chefe da saúde informou que não existe nenhuma previsão de volta de alunos e professores. Segundo ele, as aulas somente serão reiniciadas presencialmente quando a cidade apresentar taxa de infectados menor que 50 casos por milhão de habitantes. Atualmente o índice na capital é de 200 casos por milhão de habitantes. “Em todos os lugares que as aulas voltaram antes (de diminuir os casos), tiveram que fechar de novo”, contextualiza.

Para ele, o pior momento da pandemia foi no início, quando teve que fechar bares, feiras, shoppings e clubes. Convencer os moradores que o vírus ia chegar a Belo Horizonte foi outro desafio marcante. "Quando tomamos a decisão de fechar a cidade, muitas pessoas questionaram. Diziam que eram poucos casos”, relembra. "Apanhamos muito dos comerciantes e empresários, mas na minha cabeça hoje não há dúvida alguma. O fechamento impediu mais de 3 mil mortes na cidade", completa.

Confira a seguir alguns trechos da entrevista:

Qual avaliação o senhor faz da pandemia em Belo Horizonte, agora que completamos seis meses?

Desde o início quisemos achatar a curva de casos para que não ultrapassasse nossa capacidade. Nosso planejamento começou na terceira quinta-feira de janeiro quando a China comunicou sobre o vírus. Sabíamos que seria inevitável a chegada a BH, então definimos estratégias, fizemos treinamento de pessoal no início de fevereiro. No início de março nossas equipes do SAMU já estavam treinadas. Começamos o planejamento de expansão gradual de leitos de enfermaria de casos Covid. O primeiro caso na cidade foi registrado dia 16 de março, e no dia seguinte o prefeito me pediu para montar o comitê de enfrentamento. A primeira ação foi pedir ao prefeito para fechar as atividades comerciais da cidade, deixando somente as essenciais. Essa foi a ação mais oportuna tomada pelo comitê, pois permitiu que BH se tornasse a capital brasileira com mais de 1 milhão de habitantes com a menor taxa de mortalidade. Isso acontece porque o fechamento foi precoce, tivemos expansão de leitos de UTI para Covid e temos uma rede de atenção primária das equipes de saúde da família muito robusta.

Existe a real possibilidade de BH ter que fechar tudo novamente?

Fazemos o monitoramento diariamente, e a qualquer momento a cidade pode fechar de novo. No início da pandemia as pessoas aderiram muito ao isolamento social, tivemos índice de 60%, mas de repente ficaram cansadas, o que é natural. Mas começam a sair para coisas desnecessárias. O medo é que com a flexibilização passe a ideia de que a pandemia acabou, e isso está longe de ser verdade, é uma doença muito grave. Pense que a mortalidade entre as pessoas internadas por Covid é próxima de 20%, o que significa que a cada cinco pacientes, um vai morrer, independente se for internação de enfermaria ou UTI. Então um novo fechamento da cidade pode acontecer antes de dezembro. Temos a preocupação de monitorar o índice todos os dias. Fechar (a cidade) não seria o maior problema, mas não queremos. Eu também gosto de ir a bar e restaurante.

E sobre o comportamento do belo-horizontino em relação ao isolamento e distanciamento social. Qual sua opinião?

A maioria das pessoas atendeu muito bem, temos que agradecer. O isolamento está em torno de 46%. É óbvio que há desrespeito, mas isso não me preocupa. Os moradores têm aderido (ao isolamento social).

O hospital de campanha montado na capital pelo governo estadual não foi utilizado e teve que ser desmontado. Algum equipamento ou insumo será reaproveitado em Belo Horizonte?

BH não tem nada a ver com o hospital de campanha do governo estadual. Ele foi importante como retaguarda necessária, mas sabíamos que eles teriam dificuldade de contratar pessoal para atender lá. Para cada leito de UTI são necessários sete profissionais. A rede municipal está bem estruturada já. Nossa preocupação é também com cidades da periferia que viessem a desaguar casos aqui, então o hospital de campanha seria uma tranquilidade. Mas temos sido capazes de absorver essa demanda. Nos últimos tempos, 18% dos pacientes com Covid atendidos na capital são da região metropolitana.

Qual foi seu maior receio durante a pandemia?

Nós tivemos muito medo na hora de reabrir a cidade, pois vimos lugares no mundo que reabriram e explodiu (o número de casos), como Milão (Itália) e Chapecó (em Santa Catarina). Mas não consigo pensar em nenhuma atitude que pudesse ter tomado e não tomei. 

Qual sua previsão para a retomada de atividades culturais, como shows ou espetáculos?

Em lugares fechados, como acontecer uma apresentação no Palácio das Artes, a chance disso acontecer por agora é próxima de zero.

BH registra 282.156 casos suspeitos de Covid notificados no sistema de saúde, mas só 37.801 haviam sido confirmados até ontem. A que se deve essa diferença?

Uma das razões é que testamos prioritariamente as pessoas internadas. Não há como testar todo mundo. O teste PCR custa 300 reais, imagina o volume de recursos necessário para testar, por exemplo 200 mil pessoas? Como sabemos que a maioria dos casos apresenta quadros benignos, optamos, por uma questão de restrição financeira, testar somente os graves.

No fim de maio, o subsecretário de saúde de Minas, Dario Ramalho, reconheceu uma subonitificação de aproximadamente dez casos para cada caso confirmado. Como está essa situação hoje em BH?

Exatamente, a nossa estimativa de subnotificação é a mesma.

Avaliando em perspectiva, o senhor acredita que o vírus já estava na cidade durante o Carnaval?

O Carnaval de BH recebe turistas regionais e nacionais, poucos chegam do exterior. O coronavírus acometeu primeiramente gente que estava fora do país, como aconteceu com o primeiro caso registrado em Minas Gerais, de uma pessoa que tinha viajado ao exterior. Então não houve essa preocupação. O tempo de vida do vírus é de 14 dias, mas em 95% dos casos ele se manifesta até o 5º dia após o contágio. Isso significa que o primeiro caso de infecção em BH deve ter acontecido no início de março, ou seja, não é provável que o vírus estivesse por aqui no Carnaval.

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