Tragédia

Tragédia de Brumadinho pode deixar mais mortos que maiores chacinas

111 pessoas morreram no Carandiru, presídio paulista, em 1992

Por Mariana Nogueira
Publicado em 30 de janeiro de 2019 | 09:17
 
 
 
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Não há um dia sequer em que este jornal não noticia algum crime contra a vida. Passamos os últimos anos expondo diariamente o sangue de inocentes sendo derramado por ódio, dinheiro ou frieza. Expomos, inclusive, o sangue dos considerados culpados, também derramado de forma desumana. Nos últimos dez anos, por exemplo, segundo dados do Mapa da Violência e da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), foram registrados mais de 42.912 homicídios em Minas Gerais, uma média de 357 assassinatos por mês, cometidos por diferentes culpados. Um mês não pode ser um dia. Um crime não pode ser acidente.

O rompimento da barragem de Córrego de Feijão, em Brumadinho, na última sexta-feira, pode ter vitimado mais pessoas que em todas as chacinas registradas na história recente do país. Maior que o massacre de Carandiru, em São Paulo, que matou 111 pessoas em 1992. Maior que as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, no Rio de Janeiro, de 1993, que vitimaram 29 pessoas no total. Maior que a do presídio de Porto Velho, em 2002, e a da fazenda em Unaí, de 2004, que terminaram com 31 pessoas mortas. Maior ainda que os 29 garimpeiros assassinados em uma reserva de Rondônia, em 2004. É maior. Foram 200 pessoas mortas em um derramamento de sangue sem precedentes em um intervalo de mais de dez anos. Como não enxergar o mesmo sangue escorrendo pela lama de Brumadinho?

As chacinas da história do Brasil, no fim das contas, têm muito mais a ver com as tragédias de Brumadinho e de Mariana. No massacre de Carandiru, 75 policiais militares foram condenados pelas mortes dos detentos. Um deles morreu assassinado em 2006. A condenação do restante aconteceu apenas entre 2013 e 2014. Com penas que variam entre 48 e 624 anos de prisão, totalizando mais de 21.000 anos de reclusão, todos eles tiveram as condenações anuladas em 2016. No caso da candelária, em que oito crianças foram executadas por policiais, os três indiciados pelas mortes não estão na cadeia. As penas deles somam 765 anos, mas nenhum deles foi preso. Na de Vigário Geral, em que 21 moradores da comunidade, que não tinham envolvimento com a criminalidade, foram mortos, dos 51 acusados, apenas um continua preso.

Em Mariana, 22 pessoas foram indiciadas pela que é considerada a maior tragédia ambiental do país, mas ninguém foi preso. Nela, 19 pessoas morreram. Dói olhar para o céu tão cheio de vida de Brumadinho nesses dias e avistar voando em uma rede aqueles que foram para não mais voltar. Dói olhar para a terra e ver a ambulância ser menos usada que o rabecão. Dói ver o IML mais cheio de gente do que o hospital. Dói ver a obra de arte ser reduzida a um cenário de guerra. Dói ver Brumadinho. Agora, existe um país inteiro com uma única pergunta entalada na garganta: quem vai pagar por essa dor?

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