A venda do vermífugo ivermectina mais do que quadruplicou em Minas Gerais neste ano. A comercialização foi impulsionada em 323% após a popularização do remédio nas redes sociais como alternativa de prevenção e tratamento para a Covid-19, especialmente a partir de abril, mesmo sem comprovação científica sobre a eficácia do produto.
Para comparação, o consumo da hidroxicloroquina teve um aumento geral de 37% nas drogarias do Estado em relação ao primeiro semestre do ano passado, com pico no mês de março. Os dados fazem parte de um levantamento exclusivo realizado pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) a pedido de O TEMPO.
De acordo com o relatório, a população mineira consumiu quase 1,4 milhão de caixas de ivermectina no primeiro semestre deste ano, enquanto pouco mais de 320 mil unidades haviam sido vendidas no mesmo período em 2019. A procura explodiu em maio e junho, com aumentos expressivos de 499% (seis vezes) e 1.449% (15 vezes) em relação aos respectivos meses do ano passado.
Na noite desta quinta-feira (13), a ivermectina ganhou o apoio público de Jair Bolsonaro. Em transmissão ao vivo pelas redes sociais, o presidente defendeu o uso da substância e anunciou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) irá retroceder nas restrições impostas em 23 de julho" presidente defendeu o uso da substância e anunciou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) irá retroceder nas restrições impostas em 23 de julho na tentativa de frear a automedicação durante a pandemia do coronavírus.
Popular no tratamento de vermes e piolhos em crianças e animais, a ivermectina é encontrada a um preço acessível (R$ 10 a R$ 30, em média). Com a corrida às farmácias, a Anvisa havia determinado a venda mediante receita médica em duas vias, com a retenção de uma delas, além da validade de 30 dias para cada prescrição.
O vermífugo apresenta poucos efeitos colaterais nos tratamentos aos quais se aplica originalmente: diarreia, vertigem e urticária, por exemplo. O problema é o esgotamento dos estoques para os pacientes que fazem o uso do remédio sob recomendação médica contra outras infecções.
“Em vários estados foi notificada a falta de medicamentos, entre os quais a ivermectina. Esse desabastecimento, e posteriormente a restrição no acesso, desencadearam a procura pela formulação usada no tratamento de animais. Recebemos denúncias de que a população está em busca desse medicamento nas clínicas e locais que vendem produtos veterinários”, acrescenta o conselheiro do CFF Carlos André Sena.
A nitazoxanida – vendida com o nome comercial de “Annita” – também entrou para a lista de substâncias controladas pela Anvisa, na qual a hidroxicloroquina já aparecia desde março.
Interesse na web
Dados do Google indicam que a curiosidade dos mineiros pela ivermectina teve um auge no começo de julho e parecia já estar em queda quando a Anvisa limitou o acesso ao medicamento. Ainda assim, o vermífugo domina as buscas no Estado desde junho numa comparação com outras quatro substâncias recorrentemente associadas à Covid-19.
O ibuprofeno liderou as procuras em Minas no mês de março, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) desaconselhou o produto para o tratamento da doença. De fato, esse remédio foi o único dentre os presentes no relatório do CFF a apresentar queda nas vendas em relação ao ano passado (-21%).
Na sequência, o interesse se voltou para a cloroquina, amplamente difundida por Bolsonaro desde então. Curiosamente, o remédio não voltou a gerar o mesmo nível de buscas após a divulgação do tratamento do próprio presidente, no dia 7 de julho.
“Esse crescimento na automedicação é uma clara demonstração da influência do medo sobre um hábito consagrado entre a população brasileira, que é o uso indiscriminado de medicamentos. É preocupante porque todos os medicamentos oferecem riscos. Mesmo os isentos de prescrição podem causar danos, especialmente se forem usados sem indicação ou orientação profissional”, avalia Tarcisio José Palhano, assessor da Presidência do CFF.
“Pode ser que, além de não contribuir para a prevenção ou cura, o uso resulte no relaxamento de medidas que de fato protegem a pessoa do vírus, como usar máscara, manter o distanciamento social e lavar as mãos”, conclui Palhano.
O QUE DIZEM AS INSTITUIÇÕES
Conselho Federal de Farmácia
Até o momento, não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da Covid-19 no Brasil. No caso da ivermectina, os estudos disponíveis acerca da sua eficácia no tratamento da Covid-19 ainda não são conclusivos.
Ressaltamos que a automedicação pode representar um grave risco à saúde. O uso de medicamentos sem orientação médica e sem provas de que realmente estão indicados para determinada doença traz uma série de riscos à saúde.
No caso da ivermectina, os principais problemas (eventos adversos) são: diarreia e náusea, astenia, dor abdominal, anorexia, constipação e vômitos; em relação ao sistema nervoso central, podem ocorrer tontura, sonolência, vertigem e tremor. As reações epidérmicas incluem prurido, erupções e urticária.
Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais
Quaisquer substâncias utilizadas com o objetivo de tratamento devem ser administradas sob protocolo clínico mediante aplicação de termo de consentimento livre e esclarecido, sendo imprescindível que a conduta clínica seja pautada pelo preceito de não maleficência.
A SES-MG reforça que, até o momento, segundo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), não há disponível um medicamento que tenha demonstrado eficácia e segurança no tratamento de pacientes com infecção por SARS-CoV-2 (Covid-19).
Quanto à automedicação, ressaltamos que tal prática deve ser desestimulada na população, ainda mais no atual cenário pandêmico, no qual o mundo ainda busca conhecer melhor o comportamento da Covid-19 e também possíveis efeitos indesejados causados por medicamentos no organismo infectado.
Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais
O Conselho Regional de Medicina (CRM-MG), preocupado com as dúvidas quanto a indicação ou não do uso preventivo ou terapêutico de medicamentos para tratamento da COVID-19, esclarece que atualmente não há evidências científicas para indicação dos fármacos hidroxicloriquina, cloroquina e ivermectina associados ou não ao uso de corticosteroides, antibióticos (azitromicina) e vitaminas, dentre outros.
O CRM-MG defende a autonomia do médico, que pode prescrever ou não quaisquer desses medicamentos, devendo preconizar os demais cuidados protetivos (isolamento social, higiene rigorosa e uso de máscaras). O médico que optar por prescrever tais medicamentos deverá elaborar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), detalhado, compreendido e assinado pelo paciente. A conduta do médico deve ser anotada no prontuário, seja ela de prescrição ou não.
A prescrição ou não de tais medicamentos, neste momento de pandemia, não caracteriza infração ética por parte dos médicos. O Conselho ressalta aqui a importância da boa relação médico-paciente.
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
É preciso deixar claro que não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento (ivermectina) para o tratamento da Covid-19, bem como não existem estudos que refutem esse uso.
Até o momento, não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da Covid-19 no Brasil. Nesse sentido, as indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula do medicamento.
Cabe ressaltar que o uso do medicamento para indicações não previstas na bula é de escolha e responsabilidade do médico prescritor.
Organização Pan-americana da Saúde:
A Organização Pan-Americana da Saúde compilou um banco de dados de evidências sobre potenciais tratamentos para COVID-19 e fez uma revisão rápida de todos os estudos realizados em humanos, in vitro (laboratórios) ou in vivo (clínicos), publicados de janeiro a maio de 2020.
A revisão concluiu que os estudos sobre ivermectina tinham um alto risco de viés, muito pouca certeza de evidências, e as evidências existentes eram insuficientes para se chegar a uma conclusão sobre benefícios e danos.
Apesar de a efetividade da ivermectina estar sendo avaliada atualmente em diversos ensaios clínicos randomizados, deve-se enfatizar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) excluiu a ivermectina de seu ensaio “Solidarity Trial” para tratamentos da COVID-19, uma iniciativa copatrocinada para encontrar um tratamento efetivo.