Os 599 policiais civis convocados pelo Governo de Minas nesta quinta-feira (27) serão consumidos pelo déficit de servidores nas delegacias. A conclusão do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (Sindpol/MG) coloca em xeque a promessa de reforço de segurança nas escolas feita pelo governador Romeu Zema (Novo) nas redes sociais. De acordo com último levantamento do sindicato, faltam cerca de 8 mil policiais civis ativos em Minas, isto é, as nomeações cumprem só 7% da carência.
Para o presidente do Sindpol/MG, Wemerson Oliveira, o resgate dos editais publicados em outubro de 2021 (carreiras policiais) e abril de 2022 (administrativas) chega em momento oportuno para tentar acalmar um medo generalizado, mas, na prática, não vai atingir o seu objetivo. “Essa medida quer vender uma falsa sensação na sociedade de que vai trazer mais segurança nas escolas, mas, por si só, não vai suprir sequer o déficit da polícia. Infelizmente, esses servidores não chegam para somar, mas para cobrir faltas já existentes. Já chegam sobrecarregados”, afirma.
Oliveira chama a atenção principalmente para os convocados para a função de investigador de polícia: 170 servidores. Segundo ele, o cargo é o de maior falta nas delegacias do Estado e, na primeira convocação do edital, em 2021, 30 foram chamados – um total considerado insuficiente. “Estamos precisando ao menos dobrar o número de investigadores no Estado. Os investigadores são os responsáveis por fazer o trabalho de apuração da polícia, levantar dados, atuar com inteligência. Os novos servidores não chegam perto de reparar a perda de aposentados”, continua.
O presidente reforça que cerca de 100 investigadores estão aptos para aposentar em Minas nos próximos meses, o que já representa 60% das novas vagas. “Se trata de uma engrenagem, não adianta fazer um concurso chamando 100 delegados. Você chega em uma delegacia, é um delegado, um escrivão e 10 investigadores”, contesta. Como publicado no Jornal de Minas Gerais, do total de servidores convocados, 69 passam a integrar o quadro de delegados de polícia; 257, de escrivão de polícia; 170, de investigador de polícia; três, de perito criminal; dois, de médico-legista; 36, de analista da Polícia Civil; e 62, de técnico assistente da Polícia Civil.
A convocação foi autorizada devido à vacância de cargos por aposentadorias, falecimentos e exonerações de servidores. Com tantas carências de equipe, o receio dos especialistas é que os novos policiais não consigam se dedicar às investigações voltadas às escolas, como anunciado pelo governo. “A Polícia Civil de Minas está altamente precarizada. Há uma falta histórica de delegados, escrivães, investigadores. E não somente na região metropolitana, quanto no interior”, afirma o especialista associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Robson Sávio Souza.
Para ele, o caso das ameaças nas escolas foi usado como justificativa para convocar mais policiais civis que vão atuar, na verdade, em todos os nichos de segurança. “As escolas funcionam como uma justificativa que é bem recebida pela sociedade, principalmente para um Governo que não gosta de aumentar o gasto da máquina do Estado”, analisa Souza, que também é professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Puc Minas).
Em toda Minas Gerais, segundo levantamento mais recente do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2022, são 9.655 policiais civis e peritos técnicos. Uma alternativa para diminuir o déficit nas delegacias seria continuar aproveitando o edital de 2021, segundo o presidente do Sindpol/MG, Wemerson Oliveira. “Nesse concurso, são mais de 3 mil candidatos aprovados na primeira fase que ainda podem ser chamados para continuar a seleção”, explica.
Convocação para Polícia Civil não é resposta para demanda de policiais armados nas escolas
Apesar do Governo de Minas não divulgar a estratégia da polícia por motivos de segurança, o anúncio do Zema pelo twitter, citando a questão das escolas, cria expectativa de que os novos servidores serão posicionados dentro das unidades de ensino. A demanda por policiais armados nas escolas cresceu no último mês devido ao medo gerado pelas ameaças e ataques, mas a medida não condiz com a atuação da polícia civil. “É importante frisar isso, não é papel da polícia civil fazer policiamento ostensivo, entrar nas escolas, ser segurança armada. Isso é com a polícia militar. A polícia civil investiga, previne, apura”, explica Oliveira.
Nesse caso, a escolha pela polícia civil é vista como a mais adequada, uma vez que o órgão pode investigar ameaças e intervir antes que os crimes aconteçam. “É um equívoco achar que a violência se resolve com policial armado. Essa não é uma solução. Agora, a Polícia Civil tem sim competência para identificar ameaças, apurar com o conselho tutelar e a comunidade escolar, atuar nas redes sociais, onde as mensagens de ataques circulam”, afirma o especialista Robson Sávio Souza.
De fato, nas redes sociais, os investigadores entram em contato direto com os conteúdos de intimidação, podendo desvendar fake news e desarticular possíveis ataques. “Essa é uma área em que a Polícia Civil tem um papel importante. Pelo monitoramento na internet, investigando denúncias, criando redes de proteção. Mas a questão é saber onde e como esse efetivo vai ser alocado”, questiona Valéria Cristina Oliveira, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp).
De acordo com o presidente do Sindpol/MG, Wemerson Oliveira, o treinamento dos policiais civis para atuarem em casos como esses é outro desafio. Atuar com redes sociais, internet e comunidade escolar demanda cuidados específicos. “O modelo de formação da polícia no Brasil ainda está atrasado. O treinamento é geral, não foca por exemplo na proteção de crianças e adolescentes ou no uso de ferramentas online específicas”, explica.
Os próximos passos da nomeação incluem a posse dos servidores em até 30 dias e a convocação para o Curso de Formação Técnico-Profissional, promovido pela Academia de Polícia Civil (Acadepol-MG), que tem prazo para finalizar em novembro deste ano. Só assim os policiais passam a exercer suas funções na prática. O recurso para as nomeações vem do Tesouro Estadual e será destinado ao pagamento dos novos servidores a título de despesa com pessoal.
O que diz o Governo de Minas Gerais
“Por motivos de segurança, visando a proteção da população de forma geral e a preservação das investigações e demais ações policiais, as Forças de Segurança de Minas Gerais não compartilham informações sobre estratégias de inteligência, incluindo o quantitativo e a distribuição de policiais por região e/ ou área de atuação.
A atual gestão do Governo de Minas tem como prioridade a valorização dos servidores públicos, com atenção especial à manutenção e ampliação dos efetivos necessários em diversas áreas do Estado. Ao longo dos quatro últimos anos, entre 2019 e 2022, foram nomeados 1.594 novos servidores para a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), fortalecendo a segurança em todo o estado. Eventuais novas nomeações ou novos processos seletivos serão publicizados em momento oportuno.”