“Uh, é Djongador”. Gigante diante de uma plateia imensa, enlouquecida, Djonga foi recebido aos gritos e estremeceu a Praça da Estação logo que subiu ao palco para encerrar a Virada Cultural na noite deste domingo (21).

Desde 2016 sem que o evento acontecesse em Belo Horizonte, a apresentação do rapper mineiro é considerada a atração mais esperada e pode ter quebrado o recorde de público dessa edição. Apesar de os números ainda não terem sido divulgados, fotos aéreas da praça mostram que não havia quase nenhum lugar vazio durante a apresentação. Eram tantas pessoas que o frio foi esquecido e muitos fãs, aliás, deixaram os casacos de lado e vibraram, suados, desde os primeiros minutos de show. 

Ainda fora de cena, o rapper entoou o rap-samba "Moleque Atrevido". Aos pulos, tomou a passarela e levantou a plateia com "Hat-Trick",  primeira faixa de "Ladrão" cujo refrão e explosão de fogos artifícios levou o público à loucura: "Abram alas pro rei". A seu lado, um intérprete de libras tornou acessível a apresentação.

Sem pausa, direto, repetiu a gíria mais popular por lá: "Pega a visão, não vá se perder", versos de "Bené", mais um de seus hits, este com mais de dois milhões de visualizações no YouTube. Ao longo do show, o rapper recebeu no palco inúmeros amigos com quem divide parcerias na carreira. Logo de primeira, emocionado, abriu os braços para Zulu, artista que, recentemente, esteve privado de liberdade. 

"Queria de verdade que vocês batessem cabeça para receber ele, pro cara ficar feliz, pro cara merecedor, o cara é meu irmão, faz o bagulho ser sinistro para receber meu irmãozinho", anunciou Djonga. Ao fim de "Yeah", cujos versos "pra quem já topou de tudo pra mudar de vida" trazem à tona uma história de vida tão comum, os dois se abraçaram.

Um pouco depois, o jovem Sidoka, promessa na cena do rap mineiro, cantou ao lado de Djonga e, em seguida, foi a vez de Doug Now & Chris MC, que assinam "Voz", canção que integra "Ladrão". 

Família no palco

Para os fãs que se debruçavam sobre as grades à frente do palco, pouco antes de Djonga se jogar nos braços do público, a apresentação já trazia as lágrimas aos olhos. O artista, por sua vez, precisou se sentar, emocionado na ponta do palco, especialmente durante a canção "Bença", em que homenageia a avó (que estrela a capa de "Ladrão"). Ao fim da música, ela subiu ao palco e, aplaudida, abraçou o neto. 

Logo em seguida, cantou "A Música da Mãe", que detém mais de 16 milhões de visualizações no Youtube, ao lado da própria mãe, a quem carinhosamente chama "Dona Rosangela".

Ainda em cena, voltou a se declarar para a mulher, Malu, homenagem presente em todos os seus shows. "É uma música que eu fiz pro amor da minha vida, a mãe da minha filha de número dois, que vai se chamar Iolanda", anunciou "Leal". "Malu, te amo. Tá certo?", declarou. 

Disparos e "fogo nos racistas"

"Vocês não tem noção o que é fazer um disco chamado 'Ladrão', encher o Chevrolet Hall (sic), depois chegar aqui e encher a Praça da Estação com um disco chamado 'Ladrão', certo? E a idéia é essa, pegar tudo que é nosso, o que nossos antepassados construíram e devolver para os nossos. Não fica na ilusão de que a gente não pode ter não, a gente tem que ter também, poder se divertir, poder ser feliz, poder falar de amor. Se a gente conseguir chegar lá, porque não é tão simples quanto parece, vamos comemorar com os nossos, não vamos esquecer de onde a gente veio não, tá ligado?", desabafou Djonga em tom de protesto minutos antes do fim de sua apresentação.

O show, um dos mais esperados da Virada Cultural, acabou logo após "OIho de Tigre", o hino do artista que depois de cantar os versos "sensação, sensacional", pede "fogo nos racistas".  Ao som de disparos, o rapper correu pela última vez para o fundo do palco e se despediu de uma plateia em plena catarse.

Palco aberto

No mesmo ritmo, contra o racismo tão discutido por Djonga, vinte minutos antes de ele subir ao palco, o público da Praça da Estação foi ao loucura com os mesmos gritos de “fogo nos racistas”, mantra do rapper, diante do discurso dos baianos do Àttøøxxá. O grupo de eletrônico reagiu nas redes sociais após encontrarem quadros com teor escravagista acima das camas em que dormiriam no hotel em que estão hospedados. 

A última canção dessa apresentação, um "pula, sai do chão” mixado com “é som de preto, de favelado” foi um pedido para que o público reverenciasse o mineiro. “Obrigado BH, obrigado de coração, vamos agradecer juntos, pega a visão. Espalha a palavra, vem o Djonga ladrão”.

“Abram alas para o rei”

Aos 25 anos, o músico lançou em março deste ano seu terceiro álbum, “Ladrão”, e contabiliza mais de 950 mil inscritos em seu canal de YouTube, onde disponibiliza todas as canções gratuitamente.

Mais uma vez, como em “O Menino que Queria Ser Deus”, Djonga se debruça sobre a própria história e subverte os racismos ao longo da vida. Sem perder a veia do rap, o artista viaja pelo samba e mergulha em Elis Regina. 

Virou!

Quatrocentas atrações divididas em dez palcos e mais de 15 espaços alternativos agitaram as últimas 24 horas em Belo Horizonte. Na primeira noite da festa, o palco da Praça da Estação recebeu o bloco Chama o Síndico e Fernanda Abreu. O espetáculo da Virada, exatamente às 0h, ficou a cargo da cantora de axé Daniela Mercury.