Um cenário de terra arrasada. É assim que a deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG) define a situação deixada pela gestão de Jair Bolsonaro (PL) na área cultural. A parlamentar mineira é uma das integrantes do grupo de transição do governo Lula (PT), formado para avaliar temas ligados ao setor e apresentar um diagnóstico do quadro encontrado pela comissão técnica, da qual também fazem parte o ex-ministro da Cultura e ex-secretário municipal de Cultura de BH, Juca Ferreira, a cantora baiana Margareth Menezes, o poeta pernambucano Antônio Marinho, a atriz, diretora e produtora Lucélia Santos, o secretário nacional de Cultura do PT, Márcio Tavares, o cineasta Kleber Mendonça Filho e o cantor, compositor e pastor evangélico Kleber Lucas.

Em entrevista a O TEMPO, Áurea Carolina ressalta que a condição da Fundação Palmares é emblemática para falar sobre como o governo Bolsonaro tratou a cultura: “Houve uma visita técnica em Brasília e as instalações estão caindo aos pedaços, paredes sem revestimentos, salas sem fios, móveis empilhados e acervos históricos jogados às traças. Não tenho nem palavras para descrever o nível de abandono. Isso revela como o racismo estrutural foi parte da política de Bolsonaro no sentido de atacar a memória”. A deputada federal mineira ainda diz que essa situação não é exclusiva da Palmares, “mas é uma das mais graves”.

Segundo Áurea Carolina, cuja atuação na Câmara dos Deputados também passou pela Comissão de Cultura nos últimos quatro anos, a condução do governo Bolsonaro no setor foi “autoritária e de completo desrespeito à trajetória das políticas culturais do nosso país”. “Sem contar como a cultura serviu como portfólio do fundamentalismo, da censura e da perseguição aos artistas e fazedores de cultura fazedores de cultura”, completa a deputada.

No próximo domingo (11), um dia antes da diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice, Geraldo Alckmin, o grupo entregará ao futuro governo o relatório final sobre o panorama identificado pelo grupo de transição. Emergências orçamentárias e atos da gestão bolsonarista que precisam ser revogados, segundo avaliação da comissão, foram apontados no documento.

O exercício de recriação da estrutura do Ministério da Cultura (MinC), em consonância com o programa do petista apresentado durante a campanha, também consta no diagnóstico, como a formação de comissões de cultura em todos os estados a fim de apoiar a articulação com a sociedade civil.

Conforme a parlamentar afirmou à reportagem, a necessidade de dar à cadeia da economia da cultura um papel estratégico foi muito enfatizada pela futura primeira-dama Janja, que tem acompanhado os trabalhos de perto. “O Ministério da Cultura precisa ter políticas públicas para os trabalhadores da cultura. Esse tema foi discutido com muita seriedade, eles são fundamentais na cadeia econômica do setor. O pós pandemia exige de nós uma mudança de como construir novos cenários para os trabalhadores”, pontua Áurea Carolina.

A garantia de ações afirmativas dentro do funcionamento de cada uma das áreas do MinC, para buscar a promoção da igualdade de gêneros e dos direitos humanos na estrutura interna da pasta, de acordo com a parlamentar, é outra questão bastante debatida e colocada como prioridade no futuro governo petista. “É uma contribuição bem inovadora do grupo de trabalho”, acredita.

A deputada pontua que o Ministério da Cultura de Lula vive a expectativa da aprovação do marco regulatório de fomento à cultura pelo Congresso, que prevê novas regras para chamamentos públicos, análises e seleção das iniciativas culturais, bem como novas bases para regular a relação entre sociedade civil e Estado no setor. “Hoje, a legislação acaba trazendo a lógica das licitações para a cultura e isso gera muitos problemas, até inviabiliza certas ações”, observa.

O tratamento dispensado à cultura no atual governo trouxe consequências também aos estados. No caso específico de Minas Gerais, Áurea Carolina destaca que houve um desmonte estrutural e uma redução drástica dos quadros de trabalho dos servidores em todas as áreas vinculadas à Secretaria Especial de Cultura. Processos de assédio, perseguição e relatos de adoecimento dos trabalhadores também são citados pela psolista. “Os servidores suportaram no limite esses quatro anos, sofrendo todo tipo de violência no cotidiano”, ela afirma.

Questão orçamentária

Este é, para Áurea, um ponto central do ponto de vista da capacidade de investimentos para 2023. O STF está julgando o orçamento secreto a partir de ações de partidos da oposição. Vale ressaltar que o orçamento secreto é o nome dado ao conjunto de verbas que os parlamentares podem indicar sem que haja necessariamente uma transparência para onde vai o recurso, usado por Bolsonaro para conquistar apoio no Congresso. A parlamentar mineira sublinha que a medida do presidente é “corrosiva para as políticas públicas” e atinge em cheio a cultura.

“O orçamento secreto reduz imensamente a capacidade de operação das políticas públicas. Os parlamentares decidem da cabeça deles como eles vão aplicar esse dinheiro e isso é um problema”, ressalta.

Em vitória de Lula nesta quarta-feira (7), a PEC da Transição foi aprovada no Senado e o resultado deve abrir uma margem maior de investimentos da gestão petista para o ano que vem: “Temos batalhado para que o MinC tenha uma dotação orçamentária que possibilite colocarmos as coisas de pé. Não dá para fazer isso sem investimento. Precisamos reconstruir todo um corpo técnico de servidores, dotar secretarias. Esse é dos maiores desafios”.

Agora, a expectativa é que o nome que irá ocupar o Ministério da Cultura no governo de Luiz Inácio Lula da Silva seja divulgado. Áurea Carolina nada revela, mas espera que o anúncio já aconteça na semana que vem. “Isso irá nos ajudar muito”, ela diz.

Deputada critica mudança no comando da Cultura

Nesta quarta-feira (7), o governo Bolsonaro anunciou mais uma mudança no comando da Secretaria Especial de Cultura, a sétima desde 2019, primeiro ano de mandato do atual presidente. Hélio Ferraz, cotado para assumir a área na gestão de Tarcísio de Freitas em São Paulo, deixou a pasta, agora chefiada por André Porciuncula, braço direito do ex-secretário Mario Frias e outrora responsável pela área de Fomento e Incentivo à Cultura.

Para Áurea Carolina, a substituição, ocorrida aos 45’ do segundo tempo, já que Bolsonaro deixa a presidência da República em pouco mais de três semanas, mostra como a cultura “ficou nesse estica e puxa ao bel-prazer dos desmandos do governo”.

“A cultura foi uma área extremamente vilipendiada, atacada, uma área que serviu de laboratório para as maldades de Bolsonaro, para a criminalização dos mecanismos de fomento. Cada segundo que passa com essas pessoas no poder representa uma ameaça. Ficamos em estado de alerta e torcendo para acabar logo”, conclui Áurea Carolina.