A medida de uma cidade parece mesmo ser sua inconstância. Belo Horizonte, desde sua fundação, em 1897, fornece provas diárias disso. São novos bairros que surgem, vias que se tornam obsoletas, enquanto a população encontra novos usos para os espaços. Não à toa, artistas, pesquisadores e fotógrafos volta e meia demonstram estar sintonizados em uma proposta comum: revisitar histórias, propor novos olhares e, sobretudo, questionar como entendemos o ambiente que nos circunda.
Recentemente, por exemplo, a fotógrafa Mirela Persichini, o designer Philippe Albuquerque e a jornalista Fernanda Brescia lançaram a primeira etapa do projeto “Quanto Tempo Dura um Bairro?”, que pode ser conferido no endereço www.quantodura.com.br. A proposta contempla principalmente três regiões da capital mineira: Savassi, Santa Tereza e Lagoinha, sendo esta escolha pautada pela relação de cada um deles com os bairros onde trabalham, como é o caso do primeiro, ou residem, a exemplo dos dois últimos.
Mirela explica que, apesar de o site ser novo, ele é desdobramento de uma iniciativa que começou em 2014, com a produção de vídeos em Santa Tereza antes de o terreno da Vila Dias ser foco de especulação imobiliária. “O Philippe morava numa casa bem ao lado da vila, quando começou a tentativa de cercar aquela região e expulsar os moradores de lá. Nessa época, nós também começamos a fazer alguns registros na Savassi, mas o Lagoinha ainda não estava em vista. Só no ano seguinte, quando eu me mudei para lá, é que contemplamos ele também”, diz a fotógrafa.
“Acho que nesse processo houve a intenção de ocupar esses espaços, de entender melhor essas regiões”, completa Mirela. De lá para cá, o escopo da proposta se expandiu. Além da produção de vídeo e fotografias – que se voltam frequentemente para detalhes, fachadas de casas, frisando características arquitetônicas de cada bairro –, vêm sendo feitas também entrevistas com moradores, as quais vão estar na íntegra em uma versão online e também terão alguns trechos reunidos em um livro, com previsão de sair até março.
“Nós queremos que o livro forneça minimamente uma experiência multimídia. A ideia é, a partir dele, darmos acesso às outras linguagens que nós também exploramos nesse projeto. O livro vai tornar tudo mais palpável, mas os textos vão estar distribuídos em diálogo com as imagens, por isso pensamos que eles poderão ser diagramados como pé de página”, pontua Mirela.
Fernanda, que passou a fazer parte do projeto a partir do ano passado, acrescenta que ouvir os moradores foi fundamental. Essa etapa do trabalho, ainda em execução, também evitou que a proposta se resumisse a uma catalogação de fachadas de casas ou edifícios.
“Por exemplo, em Santa Tereza, nós conversamos com Gláucia Souza, moradora do Quilombo Souza, que também sofre com as ameaças de despejo. Trazer essa história para o livro é uma forma de marcar território e de chamar atenção para a forma como, a qualquer momento, os poderes podem querer varrer determinados espaços”, diz.
“No caso do Quilombo Souza, há ali 16 famílias que moram há mais de 70 anos, há árvore frutíferas, uma organização que aponta para um modo de vida que resiste à essa cidade que querem nos impor. Uma cidade verticalizada, feita para os carros, que as pessoas não se olham e têm medo um do outro”, acrescenta Fernanda.
Ela reforça que os relatos dos moradores constroem a história de Belo Horizonte a partir do ponto de vista de pessoas invisibilizadas.
“A Gláucia contou que a bisavó dela saía a pé de Santa Tereza e ia até a igreja da Boa Viagem (localizada no centro) para levar marmita para o seu bisavô que trabalhou na construção da igreja, que é um dos lugares emblemáticos da cidade”, conta a jornalista.
Aos poucos, esses conteúdos vão estar disponíveis no site do Quanto Tempo Dura um Bairro, que também possui uma conta no Instagram, @quantobairro. Diariamente, nessa rede social, relata Mirela, as pessoas comentam nas fotos as próprias relações delas com os bairros da capital. “Há pessoas que dizem: ‘eu morei no Renascença, cresci lá no bairro que mudou muito’. Nós pensamos, inclusive, em criar um grupo para visitarmos essas regiões constantemente. Outra proposta também é clicarmos não só as construções, mas as árvores que também estão desaparecendo, e isso diz muito do nosso tempo”, comenta Mirela.