Quando “Black Mirror” chegou à Netflix, a repercussão foi imediata. Afinal, o que era aquilo? Em três episódios, a primeira temporada da série, exibida originalmente em 2011 na Inglaterra, levava os espectadores a encarar nosso futuro possível, levando em consideração os rumos da sociedade atual movida pela tecnologia. Porém, tudo tem seus efeitos colaterais. E quais são eles? “Black Mirror” – cuja quinta temporada estreia na próxima quarta-feira, com três episódios – responde à questão com episódios dotados de enredos absurdamente bem construídos e bastante desconcertantes.

O capítulo de estreia coloca na trama o primeiro-ministro britânico em uma situação constrangedora – envolvendo sexo com porco em rede nacional – para mostrar a manipulação das massas pela mídia, em uma sociedade que transforma tudo em show. “Black Mirror” mostrou ali que seus enredos não foram feitos para os fracos. Em todos os episódios, o espectador pode esperar o espelho negro (a tela de computadores, smartphones e tablets) quebrado. 

Em suas quatro temporadas, a série trouxe à tona discussões importantíssimas e alertou o mundo sobre os perigos do uso da tecnologia e das redes sociais para satisfazer desejos individuais ou criar uma “seleção artificial” de cidadãos. A partir de enredos de ficção-científica, ambientados em um futuro não muito distante, a série aborda racismo, sexismo, xenofobia, pedofilia, bullying, luto, controle, consumismo, esvaziamento da cultura, fama, entre outros assuntos sob a luz das realidades virtuais, redes sociais, aplicativos de relacionamento, jogos, armas e outros aparatos tecnológicos. Cada temporada da atração é composta por episódios independentes.

“Black Mirror” coloca a sociedade ao pé de uma encruzilhada: uma trilha já coberta de mato aponta para a liberdade, a diversidade e a consciência individual; a outra, limpa e sinalizada por letreiros de neon, leva à uniformidade de pensamento, às aparências e à manipulação do inconsciente coletivo. Na atração, o futuro não é bonito de se ver. Na superfície, tudo pode até parecer maravilhoso, mas conforme chegamos mais perto, a realidade é, na maioria das vezes, sombria.

“Black Mirror” ganhou fãs fervorosos e é, sem dúvidas, uma das melhores séries já produzidas. Tem ousadia, criatividade e tornou-se uma boa casa para roteiros bem experimentais.

Veja o trailer da quinta temporada, que entra em cartaz dia 5 de junho:

 

Episódios emblemáticos das quatro primeiras temporadas:

"Quinze Milhões de Méritos" (T1): Uma mulher se inscreve num reality musical na esperança de virar celebridade. O problema é que ela não passa e é humilhada na frente de uma plateia ávida por sensacionalismos. A garota vira atriz pornô para conseguir alguns privilégios e revolta um homem. Ao protestar contra a sociedade, ele é visto como um showman. 

"Queda Livre" (T3): Acompanha a ascensão e queda de uma jovem vítima de uma rede social global que classifica as pessoas a partir de sua popularidade. Os bem pontuados têm privilégios – podem morar em bairros nobres, participar de eventos sociais etc. Quem não “se encaixa” nos padrões é marginalizado.

"San Junipero" (T3): O episódio chama atenção não só pelo ótimo roteiro, mas também pelo fato de ser otimista em relação ao uso da tecnologia. O capítulo começa nos anos 80, acompanhando a amizade e o romance entre duas mulheres, uma bem retraída e outra extrovertida. O episódio ganhou dois Emmys.

"USS Callister" (T4): Jesse Pleamons é um programador solitário, que passa seus dias na realidade virtual do jogo que criou. Por meio do uso de seu DNA, ele se torna um personagem do jogo e cria um universo em que é o chefão. Porém, sua liderança enfrenta problemas, e a situação na realidade virtual é transportada para o mundo real com consequências devastadoras. 

"Black Museum" (T4): Numa trama que viaja para o passado para explicar o presente, o episódio assusta e emociona. Contado em tempos diferentes, as histórias se unem para criar um final de fazer cair o queixo. Não poderia haver melhor trama para prender o público.

A tecnologia a serviço de "Black Mirror": o projeto "Bandersnatch" (2018)

 

No ano passado, a Netflix lançou “Black Mirror: Bandersnatch”, o filme interativo em que o público pode definir os rumos da história. Na trama, um jovem é “controlado” pelo espectador que o acompanha na criação e comercialização de um jogo de videogame nos anos 80. O espectador tem o poder de interferir nas escolhas do jovem e, cada decisão tem uma consequência diferente. As escolhas variam desde a música que o garoto escuta no walkman até a postura que ele assume ao lidar com o pai ou se ele deve cometer um crime. Interessante, o projeto tem mais méritos pela interatividade do que pelo enredo, mas é claramente parte do universo que “Black Mirror” criou.