Não causa nenhuma surpresa que Caetano Veloso tenha escolhido Belo Horizonte para iniciar a turnê nacional do disco “Meu Coco”, lançado em outubro passado. Caetano já rasgou elogios ao público de BH - lembrado por ele sempre com carinho - e nunca deixa de vir à cidade mostrar seus novos projetos. Também não é de se espantar que os ingressos para o show do baiano na capital mineira tenham se esgotado rapidamente, a ponto de uma terceira data ter sido aberta pela produção. O kit “flexibilização das restrições causadas pela pandemia + show presencial + Caetano lançando álbum novo na cidade” é deveras sedutor.
Neste fim de semana - de sexta a domingo -, com as poltronas do Palácio das Artes completamente tomadas por ansiosos ouvintes, Caetano mostrará as canções de seu novo álbum pela primeira vez ao vivo. Ainda não se sabe sobre o repertório escolhido para o show e quais de suas músicas "obrigatórias” estarão no setlist, mas as três noites do baiano em BH serão lembradas, celebradas e muito comentadas nas redes sociais.
A banda que sobe ao palco com o compositor é formada por Pretinho da Serrinha (percussão), Lucas Nunes (guitarra, violão e teclado), Alberto Continentino (baixo elétrico), Rodrigo Tavares (teclado, Glockenspiel e MPC), Kainã do Jêje (percursão e bateria) e Thiaguinho da Serrinha (percussão, SPDS e bateria).
O último disco de inéditas lançado por Caetano havia sido “Abraçaço”, de 2012; nove anos e três projetos de releituras depois, ele jogou “Meu Coco”, gravado em estúdio caseiro, nas plataformas digitais. “No final de 2019, tive um desejo intenso de gravar coisas novas e minhas. Tudo partiu de uma batida no violão que me pareceu esboçar algo que (se eu realizasse como sonhava) soaria original a qualquer ouvido em qualquer lugar do mundo. 'Meu Coco', a canção, nasceu disso e, trazendo sobre o esboço rítmico uma melodia em que se história a escolha de nomes para mulheres brasileiras, cortava uma batida de samba em células simplificadas e duras”, diz Caetano na carta de apresentação do disco.
Sempre atento ao que acontece de pior e de melhor no Brasil, Caetano continua refletindo sobre aquilo que o provoca, inspira e sensibiliza: a música popular brasileira em toda a sua multiplicidade. De Pixinguinha a Jorge Ben, como canta em maio às batidas de candomblé em “GilGal”, passando por Djonga, MC Cabelinho, Leo Santana, Gloria Groove, “Maravília” Mendonça e Maiara e Maraisa, o cantor vai costurando e adorando seu Brasil do candomblé, do pagode, do sertanejo, do trap e das fusões tão próprias da nossa cultura musical antropofágica.
“Sem Samba Não Dá” não dá para viver e entender esse país. Sem Caetano também não dá para entender os movimentos da música brasileira nos últimos 60 anos. É uma figura com esse peso, envergadura e relevância que estará diante dos belo-horizontinos que meteram a mão no bolso e conseguiram comprar entradas para ver o moço de cabelos brancos e sorriso tão emblemático dedilhar seu violão.
Quinta das 12 faixas de “Meu Coco”, “Autoacalanto” é daquelas pérolas cheias de ternura de Caetano. Delicada e encantadora, a canção é uma declaração de amor a seu neto, Benjamin, de quase 2 anos, filho de Tom, que toca violão na faixa, e Jasmine. A interpretação da canção deverá ser um dos momentos mais arrebatadores do fim de semana no Palácio das Artes. “O que é mesmo que isso me ensina?/ Um ser que a si mesmo se nina/ É um quase lamento/ Já é nota de Tom/ E tem cor de jasmim/ Eu nunca tinha visto nada assim”, dizem os versos de Caetano.
“Anjos Tronchos”, lançada como single, é densa, com guitarras sombrias, fala sobre tecnologia, algoritmos e globalização, tem sonoridade semelhante ao que Caetano produziu em “Abraçaço”, faz referência ao presidente Jair Bolsonaro (“Palhaços líderes brotaram macabros”) e cita a Primavera Árabe, o Vale do Silício e a popstar Billie Eilish. Poesia caleidoscópica de Caetano. Será, também, um dos pontos altos das três noites no Palácio. Sorte de quem conseguiu garantir um lugar em alguma das fileiras do grande teatro.
Caetano em BH
O compositor se apresenta nesta sexta e sábado, às 21h (ingressos esgotados), e domingo (3), às 20h, no Palácio das Artes (avenida Afonso Pensa, 1.537 - Centro). Os shows fazem parte da estreia da turnê do disco “Meu Coco”. Há poucos ingressos disponíveis (a partir de R$ 180) para a sessão de domingo na bilheteria no teatro ou pelo site eventim.com.br.