Quando o advento do novo coronavírus começou a adquirir status de uma pandemia mundial, o produtor, pianista e tecladista Christiano Caldas sentiu o impacto com força. "Até ali, havia uma perspectiva muito boa de uma agenda de shows para 2020, inclusive uma turnê internacional do Milton Nascimento, outra do Flávio Venturini e do 14 Bis. Sem contar os compromissos com artistas da cena belo-horizontina, além de outros projetos em andamento", rememora. O músico lembra que, naquele mês do março, quando o estado de quarentena começou a ser inevitável no Brasil, foram 15 dias de total inércia. "Sem perspectivas, sofrendo o impacto como se fosse um luto, por ter perdido tanto trabalho importante naquele momento". Não bastasse, ainda havia o desafio de lidar com o desconhecido. "Não sabíamos como proceder em relação ao vírus, bem como de que forma essa situação poderia impactar a vida das pessoas. Foi um momento de total desespero", reconhece.
Contudo, o mineiro logo se deu conta de que o momento demandava uma readaptação. "E direcionei as forças para o ambiente virtual, única forma então viável". Como, lembra Caldas, diante do isolamento social, o público logo ficou sedento por entretenimento e cultura, os artistas trataram de se adaptar às plataformas possíveis. "O Venturini, por exemplo, lançou disco, Bituca lançou música nova, o 14 Bis, um DVD... E em todos esses trabalhos eu estava envolvido", brinda.
Sim, Christiano Caldas pertence àquele privilegiado grupo que, vivendo da arte, não ficou sem trabalho na pandemia - mas não sem ter tido que fazer algum esforço. "Pelo meu perfil multifacetado, sempre atuando como músico, engenheiro de som, arranjador e produtor musical, a adaptação teve que ser ampliada. Participei de vários shows online, inclusive, as duas lives do Bituca. Intensifiquei os trabalhos como arranjador e produtor musical. Após um ano, os shows e eventos ainda não voltaram, mas descobrimos novas formas de trabalho".
E, neste nadar contra a corrente, acabou decidindo também a lançar seu primeiro disco. "Em 2020, procurando novas alternativas de trabalho, eu e a minha produtora, Iris Prates, vimos que era o momento, já que estou prestes a completar 30 anos de carreira. Além do conceito do álbum, seria uma forma de começar a celebrar todos esses anos de música. Já trabalhei com muita gente, produzindo muitos artistas e, depois de tanta vivência, era chegada a hora de produzir um trabalho meu", explica.
Como não é compositor, a ideia, revela, foi fazer uma grande homenagem aos parceiros, amigos, compositores com quem trabalhou ao longo desses anos, com uma série instrumental. Por isso, o trabalho, que chega hoje às plataformas digitais, traz o título “Afinidades – Série Instrumental”. São dez faixas, sendo "Vida Nova Outra Vez", de Frederico Heliodoro, a música de trabalho.
O objetivo maior da iniciativa é poder trazer à luz a sua própria identidade. "Quando você produz um artista, embora coloque sua assinatura naquele trabalho, a identidade que deve prevalecer é a dele. A essência dele deve se ressaltar. E, durante toda a minha carreira, me realizei nos trabalhos dos artistas que produzi", analisa Caldas. "Mas produzir um álbum meu, neste momento, é algo novo e inteiramente inusitado, porque posso colocar a minha identidade, me apropriar das composições e transbordar a minha essência. Produzir esse álbum agora é um respiro em meio a tanta complexidade".
O roteiro musical do álbum atende a um antigo desejo de Christiano Caldas, que é o de reunir, em um mesmo trabalho, jovens compositores que vêm se destacando na cena musical e nomes que têm grande influência sobre seu trabalho. "Que são referência e que forjaram a música instrumental em Minas. O repertório abraça alguns compositores queridos como, Juarez Moreira, Célio Balona, Celso Moreira, Bob Tostes, Marcelo Gaz, Enéias Xavier, Chico Amaral, Thiago Nunnes, Thiago Delegado e Frederico Heliodoro", pormenoriza, acrescentando que o desejo é o de que, após a pandemia, ele e demais músicos possam viajar ("muito") com o show desse trabalho. "Além, claro, da gravação do segundo volume da série".
Christiano conta que, embora tenha sido aprovado nas leis Estadual e Federal de Incentivo à Cultura, só foi possível com os recursos da Lei Aldir Blanc, no âmbito do estado de Minas Gerais, por meio dos editais que foram lançados no final do ano passado. "Ainda estamos em busca de patrocínio para executar o projeto em toda sua amplitude".
Vida ligada à música
Atualmente com 42 anos, Christiano Caldas conta que nunca pensou em outra profissão senão a de músico. "A música sempre esteve dentro da minha casa, através do meu pai. Minha mãe, embora fosse professora, também sempre foi muito musical. Ela era a pessoa que escutava música o dia inteiro, colocava o vinil com todo seu bom gosto, e sempre eclética. E eu sempre estive sob a influência dela e armazenando todo aquele repertório". O pai, por seu turno, tocava nas grandes bandas de baile de Belo Horizonte. "Por meio dele fui vivenciando o lado profissional da música. Via como era viver de música, a questão dos ensaios, equipamento, a logística de transporte, de viagens, a organização de repertório, que tinha ser alterado semanalmente".
Profissionalmente, sua carreira começou, acredite, aos 12 anos de idade. "Quando meu pai não podia tocar, ele falava: 'Leva meu filho". E assim foi até meus 21, tocando em banda de baile. A partir daí comecei outra historia". Hoje, ele tem o próprio estúdio, o Studio 71, no bairro da Serra, que, conta, opera com equipamentos de última geração "e com alguns clássicos que são muito bem vistos no meio musical".
Mas era na estrada que passava boa parte do ano antes da pandemia, acompanhando nomes de calibre, como Wagner Tiso e os citados Venturini, 14 Bis e Bituca, assim como Sá & Guarabyra , Roberto Menescal (RJ), Chico Amaral, Pepeu Gomes, João Donato, Affonsinho, Leo Gandelman, Célio Balona, Beto Guedes, Juarez Moreira, Nivaldo Ornelas, Marku Ribas, Vander Lee, Thiago Delegado. Como arranjador, trabalha ainda com a Orquestra Ouro Preto, Célio Balona e Orquestra Sesiminas Musicoop, entre outros. Sobre Bituca, ele diz: "Me senti muito honrado em participar da primeira live do Milton, até mesmo pela confiança depositada, tanto por ele quanto pelo Augusto, seu filho. Fiz também a segunda e estive envolvido na mais recente música por ele lançada (uma versão de 'Drão', de Gilberto Gil). Esse trabalho com o Bituca se dá muito em função da credibilidade que o Wilson Lopes, diretor musical do Milton, sempre depositou em mim. O Lincoln Cheib, que é baterista do Milton há tempos, também foi um entusiasta da minha participação. São dois parceiros de trabalho e amigos queridos", enaltece.