A mistura entre rock alternativo e MBP que resulta no som festivo e dançante da Maglore dá lugar a um som mais calmo e delicado, com uma mistura maior de instrumentos e estilos. Com músicas sobre amores e críticas sociais e ao momento político atual - não só do Brasil, mas de todo o mundo -, 'Boa Sorte', o primeiro disco solo, lançado nesta terça-feira (17), de Teago Oliveira, principal compositor da banda soteropolitana, mistura elementos do rock clássico, do samba, da MPB e da bossa nova, comprova seu amadurecimento e explica porque o músico cresce cada vez mais no cenário nacional.
Nos últimos anos, afinal, o vocalista, guitarrista e principal compositor da Maglore mostrou uma considerável evolução com o quarto álbum da banda 'Todas as Bandeiras', lançado em setembro de 2017 com um repertório de muita qualidade assinado por ele, geralmente sem parceiros. Em maio de 2018, o lendário Erasmo Carlos incluiu a música 'Não Existe Saudade No Cosmo', de Teago, em seu disco 'Amor É isso'. Além disso, Gal Costa e Pitty fizeram covers do sucesso 'Motor', também composto pelo soteropolitano que vive em São Paulo.
Com claras inspirações na Tropicália e em Belchior, inclusive homenageado na canção 'Corações Em Fúria (Meu Querido Belchior)', e muito uso de violinos e violencelo com uma boa mistura de instrumentos e estilos, o bom primeiro disco solo de Oliveira comprova o crescimento e amadurecimento do compositor com ótimas faixas como 'Bora', 'Metafísica', 'Movimento das Horas' e 'Últimas Notícias', que tem até notas de um jornal no meio da música, além da já citada 'Corações Em Fúria (Meu Querido Belchior)'. As melodias são muito bonitas, as excelentes letras possuem a sensibilidade de contar desastres criticando a realidade política e social de forma poética e a voz do músico é mais valorizada que nas canções da Maglore. Uma ótima estreia.
Confira o álbum solo de Teago Oliveira aqui.
Com o lançamento de seu primeiro disco solo, a reportagem de O Tempo fez uma entrevista exclusiva com Teago Oliveira. Confira:
Você é um soteropolitano que vive em São Paulo e gravou seu disco solo em BH e também trabalhou álbuns da Maglore na capital mineira. Nos shows da banda, se nota uma clara sinergia entre vocês e o público. Existe uma ligação especial da Maglore, de você, especialmente, com Belo Horizonte?
"Com certeza. Existe demais. Acho que Minas e Bahia possuem uma relação interessante, mística e a Maglore é uma banda que tem um pé em Belo Horizonte. Desde 2010, 2011 que a gente vai para BH e temos laços muito grandes. O Leonardo Marques produziu o disco 'III' e 'Todas as Bandeiras' e meu disco solo agora. Passei boa parte desse ano indo pra BH gravar meu disco solo. Tenho muitos amigos com quem toco aí também. Meu disco solo e 'Todas as Bandeiras' têm composições em parceria com o Gabriel Lopes que era da Graveola."
Você possui inspirações principais para compor?
"Nenhuma muito direta. Acho que passa por tudo que vivi e ouvi na vida, que vai de Beatles até Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, essa coisa da MPB 1960 e 70. Maglore é bem essa mistura de elementos do rock clássico até moderno e indie com a música brasileira, um pouco de Tropicália e bossa nova. Tenho mais inspirações de estilos do que de um artista específico."
Seu disco tem uma mistura de estilos e instrumentos muito interessante. Quais foram as principais influências?
"Cada canção teve uma. 'Bora', por exemplo, teve uma pegada de samba, comecei a fazer a letra e fui mudando a cada verso. Tive muita influência de Jorge Ben, da carreira solo do John Lennon nos anos 70, do Belchior, do Moraes Moreira... Fui usando minhas referências, mas nada muito específico, porque o disco inteiro sou eu. Não peguei uma referência, fui na minha, porque é um disco que eu prefiro colocar mais a minha cara do que qualquer outra coisa. Eu criei um universo novo. Na Maglore, nunca sei como vai ser, porque o trabalho é coletivo e a cara vira um pouco da personalidade de cada um. Já nesse disco, eu coloquei um universo meu, uma cara minha, me centrei mais nas minhas escolhas, peguei um pouco de cordas, anos 70 da Bahia, um monte de coisas que eu ouvi e vi desde criança e até hoje. É a minha cara mesmo. Foi como pintar um quadro: você vai usando pincéis e cores diferentes para criar a obra."
Veja o clipe de 'Bora' aqui.
A inspiração para a canção 'Corações Em Fúria (Meu Querido Belchior)' veio na segunda quinzena de julho, quando o seu primeiro disco solo já estava pronto. Você a compôs e ela não só entrou no álbum como foi o primeiro single dele. Como foi essa história?
"Cara, foi uma loucura (risos). Eu gravei o disco todo com o Leo (Leonardo Marques) entre maio e junho, no estúdio dele, a nossa querida Ilha do Corvo, em BH. Ia lá uma semana sim, outra não, para gravar o disco. Quando vim para São Paulo, essa música acabou aparecendo de forma muito especial. Fui mandando para as pessoas e todo mundo elogiou muito. Quando mostrei ao Leo, ele disse na hora: 'Essa música é um single, vem pra cá gravar'. Eu disse que não dava, porque tinha um show naquela semana. O Leo me mandou ir mesmo assim, no sábado de manhã, para gravar e depois voltar, porque a gente precisava gravar a música. Eu acabei indo, mas foi uma confusão (risos). Meu ônibus quebrou e ao invés de chegar 8h, que era o previsto, cheguei 13h na rodoviária em Belo Horizonte. Para piorar, o uber que eu peguei para o estúdio quebrou no caminho e eu só fui chegar umas 14h, quase 15h. Fui embora do estúdio quase 23h, gravamos ela na velocidade da luz (risos), o Leo foi pré-mixando enquanto o processo rolava e a música funcionava muito bem, então acabou funcionando tudo muito bem."
A música é linda, tem aquele toque Belchior e a letra é maravilhosa. Como surgiu a ideia, onde/quando você compôs?
"Cara, foi algo muito raro. Eu estava conversando com um camarada meu, o Manno Góes, um dos grandes compositores da Bahia, e saiu o refrão da música. Eu peguei o violão e essa música apareceu na hora, parece que eu psicografei essa música. Fui fazendo a letra e a harmonia quase que simultaneamente, escrevendo e cantando, e enquanto eu escrevia, senti que aquilo era uma carta para o Belchior. Queria escrever uma carta para ele e dizer o quanto o mundo de hoje se parece com aquele e, ao mesmo tempo, o tanto que já mudou em relação ao que ele contava no disco. Eu poucas vezes na vida tive o prazer de criar uma musica como tive com essa. Foi tudo muito intenso, muito rápido e saí mandando para as pessoas, que adoraram. Demora uns 10 anos, mas às vezes sai uma composição e uma música assim (risos)."
A situação política e social que estamos vivendo teve um peso considerável na composição, como teve para o Belchior, né?
"Acho que é exatamente isso. Eu obviamente não posso ser comparado ao Belchior porque ele é dono de uma obra incomparável, mas acho que fui acometido pelo mesmo sentimento que ele tinha, porque naquela época existia um regime totalitário no país e existia a urgência do pensamento crítico, que é o que também acontece hoje. Precisamos mudar, porque estamos indo para as trevas. A situação da sociedade é de pouco diálogo, reflexão, e tá tudo muito perigoso. Essa musica não fala só sobre política, ela é meio melancólica e esperançosa ao mesmo tempo, de quando o mundo está acabando, mas você está andando de mãos dadas com quem ama. Na hora que eu fui fazendo a letra, veio um monte de coisas sobre a situação que vivemos hoje e as questões políticas, mas também isso."
Você sente que está crescendo cada vez mais no cenário nacional e como compositor também? Já apareceu em disco do Erasmo Carlos, foi regravado por Pitty e Gal Costa...
"Eu não tenho a vaidade de querer ser isso. Música para mim é uma paixão. Estou feliz porque algumas músicas estão sendo reconhecidas e isso para mim é muito legal e importante. Estou trilhando um caminho interessante pra mim. Tenho orgulho da Maglore ter 10 anos de estrada e hoje tocar para 2/3 mil pessoas em eventos. Tenho uma gratidão enorme por isso ter acontecido, mas a vaidade de querer alcançar esse lugar eu não tenho. O que tenho em mente é fazer a música da forma mais verdadeira possível. Construí um público fazendo isso, eu gosto de ser eu mesmo e explorar momentos musicais diferentes. É muito bom viver esse momento, mas tenho muito para aprender ainda. Tenho muita vontade de aprender as coisas e composição é ofício. Conforme o tempo, você vai pegando a sua assinatura e acho que estou mais perto de alcançar lugares bacanas como compositor. Tento sempre tentar fazer melhor hoje aquilo que eu fiz ontem sem tentar ser melhor que ninguém."
Gosta de futebol? Torce para algum time?
"Cara, eu tenho a mesma doença que o Mick Jagger (risos). Amo futebol e torço para alguns times, mas não posso me manifestar porque dou um azar impressionante, você não faz ideia. Faz dois anos que eu torço calado (risos) para o Tottenham, da Inglaterra, porque acho um time massa, mas só via os placares e os vts dos jogos. Evitava ver os jogos ao vivo pra não dar azar. Como na temporada passada chegaram na final da Champions League, eu pensei que não era possível e agora poderia ver os jogos tranquilo. Vi dois jogos nessa temporada, perderam um e empataram o outro (risos). Resolvi não ver o jogo seguinte e venceram (risos). Agora eu não vejo mais. Minha relação com o futebol é de uma superstição muito grande, eu até evito torcer. Na Copa do Mundo mesmo eu fiquei brincando que o Brasil ia perder, me xingaram na internet falando que eu estava torcendo contra, mas é porque não sabiam da minha estratégia (risos). Mas aí, no dia daquele jogo com a Bélgica, fomos (Maglore) tocar em Floripa. O pessoal da banda insistiu pra gente ver o jogo. Eu acabei vendo com eles. Estava torcendo para Bélgica no início, para tentar evitar o azar para o Brasil, mas não tem jeito, acabei torcendo para o Brasil durante o jogo e aí não teve jeito, no fim sabemos o que aconteceu (risos). Em Belo Horizonte evito torcer para algum clube por esse motivo, ainda mais que BH me lembra muito Salvador com a rivalidade Bahia-Vitória. Não torço pra um deles para não complicar a vida de ninguém."
O Bahia aliás tem sido maravilhoso com seus posicionamentos e sendo mais que um clube de futebol, fazendo belas campanhas sociais e se posicionando ao invés de se omitir.
"Pois é! Eu tenho uma paixão pelo Bahia, apesar de não torcer pelo clube, porque a maioria dos meus amigos torcem pelo clube e por esses motivos que você disse também. A gente vive um momento tão delicado no Brasil, e é tão importante que um clube de futebol, que atrai massas - olha o alcance que o Bahia tem - faça o que o Bahia faz. Não custa nada um clube de futebol informar as pessoas e ir atrás de um debate mais profundo sobre os temas sociais, largar um pouco as ideologias políticas de lado e tratar do que é verdade. Olha o que aconteceu na Bienal no Rio de Janeiro. Acho que o mundo todo fica vendo o que tá acontecendo aqui no Brasil sem entender. O Brasil virou uma republiqueta, as pessoas se sentem bem para criar fantasias, serem preconceituosas... Hoje todo mundo é comunista, bicho, porque quer menos desigualdade social. Todo mundo virou comunista hoje... E por isso, quando um clube de futebol dialoga com a própria torcida e outras, isso é muito importante, porque você gera reflexão nos torcedores. Todos os clubes de futebol deveriam fazer isso. Acho super importante, e não só em clubes de futebol, mas em outros lugares com muito alcance e vários temas: tema racial, empoderamento das mulheres, liberdade de ser quem voce é, lgbt... A gente vive um momento em que se tem que lutar por isso mesmo, porque tem uma onda de extrema direita que está vindo e, se deixarmos, vai dominar, e o Brasil virou a caricatura disso. Nós temos um contágio direto de todas as doenças sociais dos americanos. O americano fica doente e o Brasil replica. Parece que achamos que somos os EUA da América do Sul. O Brasil infelizmente virou uma caricatura desse movimento, e é difícil discutir com as pessoas hoje. Os fatos não importam mais porque o fundamentalismo está enorme. Hoje, o Macron virou comunista (risos), é como conversar com um terraplanista. Meu grande desejo para 2020 é que o Trump não seja reeleito, porque aí acredito que vai girar a chave. Infelizmente, para o sistema em que vivemos, quem manda acha que o campo progressista e humanitário gera muito custo e custo gera crise, gera défict... Olha o que Obama fez nos EUA: melhorou a saúde, o acesso das pessoas... Mas eles querem que a economia vá bem e pobre que se f***. Esse é o grande lema do sistema hoje. Quem tem mais poder, que tenha mais poder, não divida, é lema deles. Agora querem voltar para os anos 1960, com aquele campo conservador. Torço muito para que ano que vem a coisa mude. Ou, aliás, como dou azar para os times que torço, que Trump e Bolsonaro sejam reeleitos (risos)."
Por que a opção por seguir uma carreira solo, mas continuar na banda Maglore?
"Acho que são duas coisas diferentes. Sempre quis ir para caminhos diferentes. Acho que a Maglore tem um outro carinho, um núcleo estético muito consolidado pelo tempo de banda, personalidade dos integrantes... Esse disco tem músicas antigas, músicas que não entraram na Maglore... As pessoas têm a ideia de que quando vai fazer solo, é porque a banda está acabando, mas não é o caso. Temos músicas novas já, estamos planejando coisas novas. Farei alguns poucos shows e a Maglore segue com a agenda que vai até o ano que vem já, com muita coisa marcada. O disco solo foi mais uma necessidade artística minha mesmo, de fazer algo diferente."
Quem ainda não ouviu pode esperar o que do álbum 'Boa Sorte'?
"É um disco de canções que falam muito sobre isso que a gente vive hoje, relações, separações, ficar junto pra sempre ou não, a violência desses dias modernos... É um disco de muita coisa que eu queria dizer. Musicalmente, ele é mais calmo e delicado que a Maglore. Tem violino e violoncelo, utilizei muitas coisas que não usamos na Maglore, muita percussão, surdo, agogô, todo tipo de tambores, muito violão também, que não tem muito na Maglore. Usei outros caminhos e fiquei satisfeito de ter feito esse disco. Espero que as pessoas escutem, que escutem pelo menos metade do disco, porque hoje é difícil as pessoas escutarem um disco inteiro."