O diretor carioca André Pellenz está por trás de sucessos cinematográficos como “Minha Mãe é uma Peça 1”, maior bilheteria do cinema brasileiro em 2013, e “Detetives do Prédio Azul”, segunda maior bilheteria nacional em 2017. Nos próximos dias ele inicia uma empreitada inusitada em sua carreira: rodar um filme totalmente de modo remoto.
Ou seja, direção, filmagens, edição, trilha, preparação de elenco. Tudo será feito de home office. “As cenas serão feitas nas casas dos atores. O trabalho de edição, na casa do editor. A trilha também - o músico tem um estúdio profissional em casa. Já a parte mais técnica da finalização será feita, caso ainda esteja valendo a quarentena, em empresas de pós-produção que conseguem trabalhar de forma remota”, explica Pellenz.
A ideia desse modo de produção é justamente por conta da pandemia do novo coronavírus já que uma das principais maneiras de conter o avanço da Covid-19 é evitar aglomerações e o contato social. E essa filmagem, sem dúvida, será um dos grandes desafios do cineasta. “Conduzir de forma remota as câmeras, dirigir os atores, enfim. Será um processo muito mais demorado do que uma filmagem tradicional. Mas como é uma maneira totalmente inédita de se filmar, a ideia é trazer essas dificuldades, e até mesmo eventuais falhas, para a linguagem do filme”, revela.
André Pellenz conta que ainda não fechou totalmente o elenco, mas que o próprio confinamento está no roteiro. A história gira em torno de um casal que está se separando. No exato instante em que o marido está saindo de casa, o governo decreta quarentena total - e o agora ex-casal vai ter que manter um convívio que já estava bem desgastado.
O diretor afirma que já chegou a utilizar alguns recursos do home office em seu trabalho como as videoconferências, mas nunca em uma filmagem. “É comum na fase de pré-produção parte da equipe estar numa cidade e parte em outra. A montagem também se utiliza muito disso (videoconferência), porque muitas vezes não estou próximo da ilha de edição por algum motivo, e o montador pode me enviar algum trecho editado pela internet, para que eu opine na hora, sem precisar que eu me desloque até lá. Mas o contato pessoal é sempre muito importante. Com certeza vou sentir falta disso”, comenta.
Ele acrescenta que o filme - ainda sem título - é "super B.O.", ou seja, de muito baixo orçamento e que tem tentado levantar recursos mesmo sem a ajuda da Agência Nacional do Cinema (Ancine). “Mesmo com milhões de reais disponíveis já vinha muito devagar antes da pandemia e até agora (a Ancine) não fez nada para agilizar projetos - nem os de 2018, imagina os novos. Mesmo com poucos recursos, queremos oferecer um mínimo de trabalho para as pessoas que fazem cinema de fato e geralmente não têm salário garantido no fim do mês”, ressalta.
O objetivo, aliás, é que o longa seja exibido em salas de cinema, mas que isso vai depender do futuro. “Pode acontecer de o filme ir direto para o streaming/TV”, pontua.
Poucas expectativas.
Se as expectativas de quem atua na área de cultura e, sobretudo, no audiovisual, não eram das melhores por conta de muitos cortes e da política cultural do Governo Federal, agora com a pandemia, a coisa quase que desandou.
“Não há cinema no mundo, especialmente o americano, o europeu e o sul-coreano, sem algum tipo de apoio estatal. A cultura representava em 2017 quase 4% do PIB brasileiro, e só o audiovisual respondia por grande parte disso. É uma questão de Estado e não de governo, são 300 mil empregos", enfatiza o diretor que lembra que, até o regime militar apoiou a produção do cinema brasileiro como indústria nacional. "Não se usa o dinheiro que iria para escolas e hospitais; são outras fontes de recurso e o retorno financeiro para o Estado é enorme - que então pode sim usar esse retorno para construir escolas e hospitais... Mas justamente no momento em que o cinema brasileiro bate recordes de bilheteria e ganha enorme prestígio artístico, a paranoia ideológica e o desejo de vingança motivam o governo atual para tentar nos destruir. Infelizmente estão conseguindo", lamenta.