Em um determinado trecho de “Adoniran - Meu Nome é João Rubinato”, um depoimento de Elis Regina dá o tom exato que o diretor Pedro Serrano coloca no filme sobre o sambista. “Adoniran não é uma pessoa para se estar rindo dele. É um camarada muito sério pra gente ficar fazendo ‘cais cais cais’ a toda hora, sabe?”, diz a Pimentinha. 

Revelar essa faceta introspectiva e recolhida raramente associada ao cantor, compositor, humorista e ator nascido em Valinhos, no interior paulista, é a grande sacada - e deliberada intenção - do documentário que estreou no fim de janeiro. 

Segundo Serrano, o objetivo com o projeto é pintar um retrato que vá além da figura do piadista de chapéu conhecida por todos, aquele tipo brincalhão, divertido, de sotaque marcadamente ítalo-paulistano que faz todos rirem. 

Para o diretor, era fundamental buscar o lado mais profundo do temperamento e da poesia do sambista que cantou a capital paulista, suas belezas, transformações e mazelas, de uma maneira tão particular quanto aquela que habita o imaginário coletivo. “Daí o nome João Rubinato no título do filme. Quis abordar essa faceta um pouco mais triste e melancólica de um cara que batalhou muito para conseguir se estabelecer como artista”, comenta Serrano.

O que o documentário também descortina é o papel ator de Adoniran: “Ele faz várias participações em filmes importantes. O maior filme que ele ia fazer seria um do Lima Barreto sobre Canudos, ele ia interpretar Antônio Conselheiro, mas o projeto não foi para frente. Ele também fez novelas”, conta Serrano, que também busca a figura de Adoniran nos tempos do rádio, em que o compositor emprestou seu humor a tipos cômicos na radionovela. 

Além de imagens raras de acervos de televisão e de bastidores de programas, há também cenas de Adoniran atuando e depoimentos de personagens que acompanharam de perto a trajetória do artista, como o produtor Zé Nogueira, falecido no ano passado, e o artista gráfico Elifas Andreato, responsável pela capa do álbum em que o compositor aparece como um palhaço triste e de tantos outros discos importantes da MPB, ajudam a dar contorno ao autor de sucessos como “Trem das Onze” e “Saudosa Maloca”, que faleceu em 1980, aos 72 anos. 

Os parcerios de composições Carlinhos Vergueiro e Eduardo Gudin também aparecem no filme. “Fui atrás de quem tem legitimidade e propriedade para falar sobre o Adoniran, não o cara que analisa a obra à distância”, afirma o diretor, que também assina o roteiro do documentário. “Dentro disso, estão o sobrinho Sérgio e a filha Maria Helena Rubinato”, completa. 

Personagem

Para Pedro Serrano, o fato ser ator e ter interpretado papéis em diferentes meios - rádio, cinema, TV - deu a João Rubinato elementos suficientes não só para criar seu sujeito mais famoso, Adoniran Barbosa, mas também um estilo muito próprio de compor: “As canções dele trazem personagens e conflitos dramáticos inerentes a qualquer narrativa de uma boa história.

Em 92 minutos, “Adoniran - Meu Nome é João Rubinato” mostra, sim, o artista capaz de soltar que o certo “não é ‘dorme’, é ‘drome’” e que “precisa saber falar errado, se não souber falar errado, é melhor ficar quieto”, mas também mostra o inesperado, a tristeza e a complexidade de quem, como aponta Elifas Andreato, “com certo humor, conseguiu fazer a gente rir da desgraça que é a condição da vida”.

Em 2015, diretor também produziu curta sobre Adoniran

A relação de Pedro Serrano com a música de Adoniran Barbosa vem de berço. Desde muito pequeno, ele teve contato com os sambas do homem que cantou São Paulo em melodias que até hoje são entoadas por grupos que revisitam a obra do artista. Em 2015, Serrano deu início a sua viagem audiovisual pelo mundo de Adoniran e lançou o curta-metragem “Dá Licença de Contar”, que tem o ator e músico Paulo Miklos, ex-Titãs, no papel do sambista paulistano.

Miklos canta algumas canções e Ney Matogrosso interpreta outras de Adoniran. Disponível no YouTube, o filme, de 17 minutos, recria o universo da São Paulo dos anos 50 tendo como inspiração acontecimentos e personagens famosos nas canções do compositor, como Joca, Mato Grosso, Iracema e Arnesto. o elenco ainda traz Gero Camilo e Gustavo Machado.

“O curta traz uma abordagem totalmente diferente do documentário. Nele, trato mais a obra do Adoniran por meio de um trabalho de ficção. O foco principal estava nos personagens e nas músicas”, ressalta o diretor.

“Dá Licença de Contar” recebeu prêmios e foi uma espécie de prévia do documentário. No fim das contas, ambos são um tributo ao músico que Pedro Serrano se acostumou a ouvir desde criança: “A obra de Adoniran retrata muito bem a cidade onde vivo e fui criado”.