As reflexões sobre o amor são um traço constante na obra do poeta e cronista Fabrício Carpinejar, que agora lança “Minha Esposa Tem a Senha do Meu Celular” e vai estrear como colunista do Magazine amanhã. Radicado em Belo Horizonte, o escritor gaúcho transita com facilidade por temas pessoais e cotidianos, como mostra seu livro mais recente, e isso também poderá ser conferido nas crônicas a serem publicadas neste caderno todos os domingos.
“Os textos vão trazer recortes da minha vida e vão tratar dessa identificação, proximidade e empatia que existe entre o mineiro e o gaúcho. Acho que a adoração pela família, o aconchego doméstico é uma das coisas que nos unem. Por exemplo, até hoje eu estou conhecendo a família da minha mulher, a Beatriz, porque ela nunca termina. Os mineiros não têm só uma família, mas um exército. E acho que o objetivo do meu espaço no jornal será trazer um pouco desse olhar de fora para dentro nos textos”, comenta Carpinejar.
Seu mais recente volume de crônicas, por sua vez, concentra-se na condição que o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) chamou de “amor líquido”, ao tratar da volatilidade dos laços humanos nos últimos anos. Para Carpinejar, não há como desconsiderar nesse processo a interferência das redes sociais, que, a seu ver, têm intensificado a fragilidade das relações.
“Porque nós vivemos a nossa vida pensando que poderia haver uma vida melhor que esta que estamos vivendo. Então, todo amor acaba sendo fundado na desconfiança, na suspeita de que não é a relação que basta e poderia haver outra melhor. Quando tu entra no relacionamento, já está pensando nos próximos relacionamentos, mantendo ativo o flerte, a sedução, nos avatares da vida virtual”, comenta Carpinejar.
Ele defende que é necessário colocar “escudos” nos relacionamentos, a fim de se proteger o que tem se perdido de mais precioso. “Não podemos aceitar essa volubilidade dos romances modernos, porque ninguém está sendo feliz. Acho até que estamos criando doenças silenciosas, como o pânico, a ansiedade; nós começamos a ficar paranoicos, inseguros, obcecados. Ou seja, esse modelo de relacionamento não está funcionando. Casar é muito fácil, e descasar, também. Eu fico com dó dos terapeutas hoje em dia, porque as pessoas chegam quebradas emocionalmente aos consultórios”, sublinha o escritor.
Ele acrescenta que, no mundo em que tudo parece instável, o amor está indo pelo mesmo caminho. “Ninguém mais tem emprego fixo, a família vem ganhando outras estruturas, e com o amor não tem sido diferente, porque, a qualquer momento, parece que tudo pode mudar. As pessoas viram as costas sem mais nem menos, há despeito na conduta amorosa. Nós vivemos com alguém durante cinco anos e não somos capazes de explicar o que aconteceu para não querermos continuar”, critica.
“Vivemos na época de fantasmas: as pessoas desaparecem. Ninguém mais morre no relacionamento, elas desaparecem. E a outra fica sem entender o que aconteceu na relação passada e acaba repetindo os mesmos erros”, pontua.
Linguagem
Carpinejar trata dessas questões com uma escrita direta, sem floreios, e busca chamar atenção para uma série de visões deturpadas em torno do casamento, a fim de sugerir algumas saídas.
“Nós estamos no momento em que precisamos dizer o óbvio. Muitas vezes, nós podemos ser enigmáticos, misteriosos, mágicos com as palavras, mas também temos o momento em que o poeta precisa dizer o que está escancarado, porque estamos em tempos sombrios e precisamos forçar a lanterna”, diz o cronista.
Para ele, o título pode ajudar o leitor a rever posturas e comportamentos. “A trocar a idealização pela verdade, o futuro pelo presente. O livro tem certa sutileza, aborda como é importante se enamorar, conhecer o outro, esgotar as possibilidades de qualquer medo ou receio, ser didático. Se você quer casar, case do jeito que você pode. Junte as pobrezas, porque o casamento também virou uma espécie de investimento, o que pode não dar certo”, conclui Carpinejar.