Como na letra da música de Sidney Miller, “vem, vem, vem, ver o circo de verdade”. A partir desta sexta-feira, o Festival Mundial do Circo entra no ar – e não estamos falando apenas do fato de, por conta da pandemia da Covid-19, a edição ainda ter que ser realizada em ambiente virtual. Quem acessar o site, projetado por Conrado Almada, vai se deparar com o traço do aplaudido artista dando forma a um recorte da capital mineira, com seus edifícios e a serra do Curral ao fundo, e, em primeiro plano, balões e dirigíveis, ligados entre si por um teleférico. É que, ao assumir a missão de criar a plataforma que substitui a outrora Cidade do Circo, ambiente que caracterizava a versão presencial, Almada resolveu aplicar o pedido de “colocar o evento no ar” de uma forma mais poética e lúdica. Mesmo porque trata-se da 20ª edição do evento, baliza que, claro, merecia uma apresentação mais criativa, inclusive por não poder ser realizada in loco.
A programação conta com 24 trabalhos de artistas de vários países – além do Brasil, Canadá, Espanha, França, Holanda e Uruguai; além de diálogos em rede, exposição, oficinas e documentários. Na abertura, hoje, a partir das 18h, o público confere a estreia do espetáculo “Cine Circo: Noite Enluarada entre Ruínas”, com direção virtual do catalão Cisco Aznar.
Cumpre frisar que o público tem acesso gratuito a todas as atividades.
Idealizadora e coordenadora da mostra, Fernanda Gontijo conta que, na verdade, a 20ª edição seria realizada no ano passado. “Com o início da quarentena, gente não tinha nem clima nem muita vontade, estava tudo muito confuso e triste”, lembra. Ela frisa que o desalento ainda persiste, dado que a pandemia ainda não está sob controle. “Mas, ainda no curso do ano passado, resolvemos realizar conversas com artistas, produtores, realizadores de outros festivais. O objetivo era tentar entender qual seria o nosso futuro. Foi uma parada importante – na verdade, acho que todo mundo teve um pouco esse momento de reflexão. Só que o tempo foi passando, e fomos entendendo ainda mais o papel que a arte tem na vida da gente. Imagina a gente, no meio dessa pandemia, sem poder assistir a um filme, ler um livro... A quarentena comprovou a importância da arte e da cultura nas nossas vidas”, explica.
Num momento seguinte, pois, veio a decisão de enfrentar as novas adversidades. “Entendemos que o circo precisa estar junto de seu público, mesmo que a distância”, conta. Não bastasse, Fernanda acrescenta o papel de fomento da área circense que o evento organicamente desempenha. “A gente precisava colocar o festival a serviço dos artistas circenses. E veio a decisão de fazer a edição neste ano. Ao fim, acho que ela está madura. Estamos felizes com o resultado”, disse.
Chamamento
Neste ano, o Festival recebeu cerca de 700 propostas, do Brasil e do mundo. “No chamamento, foi pedido que os artistas não apresentassem trabalhos muito longos. Ao mesmo tempo, queríamos priorizar os trabalhos mais autônomos, ou mesmo individuais, por entendermos que esse nicho foi o que mais sofreu diante da impossibilidade de se apresentar. Talvez as grandes companhias tenham conseguido lidar melhor com esse momento, embora, claro, também tenham sido bastante afetadas”, explica Fernanda, lembrando que outro pressuposto era o de que as criações dessem importância ao emprego da linguagem audiovisual: “Não é só botar a câmera na frente e filmar, mas ter o entendimento de que, desta vez, a iniciativa será mediada pela tecnologia – então, cuidar disso, ser criativo ao mostrar o trabalho no formato audiovisual”.
Com esses filtros, o número de inscrições acabou sendo uma (boa) surpresa. “Recebemos muita coisa bacana, foi difícil fazer a seleção”. Os escolhidos foram, na sequência, divididos. “São quatro mostras de cenas circenses para o público adulto e duas para o infantil. A gente também chamou alguns atores mineiros para atuar com mestres de cerimônia. Eles começam contando como foi o processo e, depois, a gente vê as apresentações, pequenos vídeos de no máximo oito minutos”.
Espetáculo próprio e atrações inéditas
Uma prática intrínseca ao evento presencial desde 2006 foi mantida na edição virtual. “A partir daquele ano, a gente passou a fazer a produção de um espetáculo. Desta vez, fizemos essa dinâmica virtualmente... e foi muito legal. Vimos que era completamente possível. Chamamos o Cisco Aznar (Catalunha), que é muito amigo do festival, alguns artistas brasileiros (Rafael Protzner, Ciro Ítalo e Carol Cony) e o Coletivo Pulsa, do Uruguai, onde ele (Aznar) hoje mora. Todos trabalharam virtualmente durante um mês. O resultado – ‘Noite Enluarada entre Ruínas’ – é maravilhoso. Um filme-circo, como a gente está chamando, de uma qualidade artística, dramatúrgica e visual impressionantes”, disse.
Outra prática mantida foi a de convidar uma companhia internacional para mostrar um trabalho inédito. Nesta edição, a escolhida foi a canadense Os Sete Dedos da Mão, coletivo formado por artistas oriundos do Cirque du Soleil. No evento, eles exibem “Em Panne”, que fala de um futuro no qual teatros se esvaziaram e, sem recursos, os artistas são forçados a se reunir em segredo, em espaços abandonados. “É de uma delicadeza ímpar, é maravilhoso”, afiança Fernanda. Ela destaca, ainda a exposição virtual de Clarice Panadés (“artista plástica circense, que a gente conhece desde criança”) e as oficinas. “Temos duas muito bacanas, uma de palhaços e outra, de gestão e produção cultural, dada pelo Rômulo Avelar”.
Não menos importantes são os debates previstos. “É o que a gente chama de ‘diálogos em redes’. Vamos colocar, literalmente no centro do picadeiro, discussões importantes, como: ‘Qualquer corpo pode estar no circo contemporâneo?’. Ou a crise que a Escola Nacional de Circo está vivendo. E, ainda, ‘como a gente vai enfrentar esse mercado de trabalho no pós-pandemia’. Enfim, questões que precisam estar em pauta”, finaliza.
Serviço
Festival Mundial de Circo – 20ª edição
De hoje a domingo
Acesso gratuito à programação pela plataforma www.festivalmundialdecirco.com.br