Música

Johnny Hooker volta a BH, fala do disco novo e Europa: ’Ainda estou aqui’

Cantor e compositor pernambucano toca hits e canções do álbum 'Orgia' neste domingo (5), na Praça Marília de Dirceu, em show gratuito

Por Bruno Mateus
Publicado em 04 de junho de 2022 | 06:16
 
 
 
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Johnny Hooker tem uma relação especial com Belo Horizonte. Três anos depois de seu último show na cidade, o pernambucano volta a se apresentar por aqui. No meio do caminho, teve (e ainda tem, ainda que mais branda) uma pandemia – ou um apocalipse, como ele diz. O reencontro com os belo-horizontinos será neste domingo (5), na praça Marília de Dirceu.

Hooker é uma das atrações do festival Som Clube, evento que reúne nomes da cena musical contemporânea em shows gratuitos nas praças de BH em três fins de semana de junho, sempre aos domingos (detalhes no fim da matéria). O músico está empolgado. O público, ele diz, é um amor e sempre o recebe com carinho, “além de serem lindos de morrer”.

“BH tem um público que abraça o clima do show, mas é diferente de outros lugares, tem uma empolgação respeitosa. E ser um show aberto, em praça pública, é melhor ainda. Não tem o impedimento do capital, todo mundo que gosta pode comparecer”, comenta o cantor logo no início da entrevista.

O show em BH já faz parte de uma turnê que acontece em meio ao lançamento de “Orgia”, terceiro disco de estúdio do compositor, de 34 anos, batizado John Donovan Maia, que apareceu, brilhante e provocador, como uma das gratas e interessantes surpresas da nova safra da música pop brasileira com os discos “Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!” e “Coração”, lançados em 2015 e 2017, respectivamente.

No pop de Johnny Hooker cabem samba, blues, brega, frevo, androginia, disco music, paetês, rock, sofrência, axé, deboche, política, sexo, cinema e mais o que lhe der na cabeça. No palco, não faltarão hits como “Flutua”, “Alma Sebosa”, “Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!”, “Touro”, “Volta” e “Caetano Veloso”. A novidade fica por conta de algumas canções que ele já começa a jogar para o público.

Uma delas é “Cuba”, lançada como single há duas semanas. “Uma das mais potenciais do disco. É uma delícia tropical, é sobre sonhar, fugir; é sobre calor humano. Estamos precisando sonhar”, afirma o recifense. O clipe foi gravado em sua cidade natal – uma volta às raízes, já que Hooker mora em São Paulo desde 2016. “Pude fazer o clipe com uma equipe toda pernambucana, da nova geração, uma equipe foda. A repercussão está muito legal”, ele completa.

“Orgia” e suas 13 faixas chegam às plataformas digitais na próxima quinta-feira (9). Agora, no domingo, às 21h, a capa do disco será compartilhada nas redes sociais do cantor. O que começou a ser concebido lá em 2019, enfim, começa a vir à tona. “Finalmente”, diz um aliviado Johnny Hooker. “Orgia” é inspirado no livro “Orgia: Diários de Tulio Carella”, que conta as aventuras do dramaturgo argentino Tulio Carella (1919-1972) no Recife dos anos 1960. A obra se tornou um clássico da cultura LGBTQIA+.

“Ele chega no Recife, cidade litorânea, com muitos cabarés, muito diferente da Buenos Aires em que ele morava, e cai na esbórnia, se aventura muito pela noite. Lendo o livro e comparando com o momento atual, acho que pouca coisa mudou. Recife continua conservadora, puritana e provinciana”, afirma.

O novo álbum reafirma a diversidade estética de Johnny Hooker e o compromisso com a liberdade musical que sempre pautou a carreira do compositor. Noite, sexo e política permeiam os temas abordados pelas canções. “Orgia” é mais dark que os dois discos anteriores. Não podia ser diferente, ressalta o artista: “Até pelo momento, né? De 2019 pra cá foi só ladeira abaixo com esse desgoverno da necropolítica, com a retirada de direitos, o desmonte da cultura, agora os escândalos aparecendo, envolvendo sertanejos e o agronegócio. Estamos bem desesperados, e esse disco reflete esse desespero”.

O cantor diz que o Brasil vive “sob uma nuvem de opressão sempre muito presente”. No processo de gravação de “Orgia”, Hooker tinha sempre ao lado o livro “Devassos no Paraíso: A Homossexualidade no Brasil da Colônia à Atualidade”, de João Silvério Trevisan, publicação pioneira sobre homoafetividade no país. A obra vem recebendo atualizações e ganhando novas edições desde que foi lançada, em 1986.

“Ali você vê a história dos LGBTQIA+. Desde que o país é fundado, é uma história de terror, de ódio, de perseguição, assim como foi para os negros e os indígenas”, observa. A leitura parece ter influenciado o pernambucano em “Te Desafio a Me Amar”, uma das faixas de “Orgia”: “Essa música é um desabafo. É como se eu falasse: ‘eu te desafio a nos amar como somos”.

“Foi um pedido de ajuda”, diz Hooker

O single “Cuba” foi lançado em 20 de maio. Um dia depois, um desanimado Johnny Hooker recorreu ao Twitter para desabafar sobre a repercussão da música, que havia alcançado quase 13 mil execuções nas plataformas digitais. Hoje, a música já ultrapassou os 500 mil streams. “Para um artista existir e sobreviver sem apoio de nenhum lado precisa ter demanda orgânica, e os números do 1º dia de lançamento de ‘Cuba’ deixam claro isso. Não há mais demanda pelo meu trabalho. Se é que houve algum dia. É preciso saber a hora de se retirar”, escreveu o cantor, sugerindo que daria um tempo ou mesmo encerraria a carreira.

No tuíte seguinte, ele ponderou: “Não foi uma batalha em todo perdida, consegui driblar o poder econômico várias vezes. Tenho dois discos de platina e 250 milhões de streams orgânicos para provar isso. Fica o legado também, arte é pra sempre. Mas a gente tem que manter a dignidade também”.

Johnny Hooker precisava desafogar, tirar de dentro o que o atormentava num momento de raiva, drama, escracho, coragem – bem como é sua música. Dez dias depois do arroubo no Twitter, nesta entrevista a O TEMPO, ele diz que fez tudo aquilo como um pedido de ajuda num momento de desespero. “Foi como se eu dissesse: ‘gente, ainda estou aqui lançando coisas lindas, bem acabadas. Ainda estou aqui’”, ele sublinha. Após o desabafo no Twitter, Johnny Hooker recebeu várias mensagens de apoio de colegas e fãs.

“Senti que eu precisava falar. Eu tinha 50 mil plays num dia e, de repente, 10 mil, foi diminuindo. Os fãs sempre estiveram ao meu lado, não é culpa deles. Depois de tudo o que conquistei, tive a sensação de portas fechadas muitas vezes nessa volta dos shows”, continua Johnny Hooker.

Para o cantor, o agronegócio e o sertanejo dominaram os meios de comunicação e as plataformas de música com seus milhões e milhões de reais. Competir contra essa máquina é impossível, ele pondera. “É muito dinheiro envolvido, é desleal. A gente não está querendo entrar em primeiro lugar, mas pelo menos estar em algum lugar”, observa.

Uma certa “tiktokzação” da música e uma pressão para viralizar de um dia para o outro também incomodam Hooker, que diz ter suado sangue, suor e lágrima para chegar aonde chegou. Nunca foi da noite para o dia, faz questão de dizer. Contudo, o compositor acredita que essa seja um fenômeno de época: “Não vai durar para sempre. Tem coisas que acho legal no TikTok, mas não pode ser só isso. Se guiar só por isso não é o caminho”.

Entre desabafos e lançamentos, Johnny Hooker está aí de novo com material inédito na mochila. Como ele canta em “Touro”, do disco “Coração”: “Olha eu aqui de novo/ Viver, morrer, renascer/ Firme e forte feito um touro”. Hooker faz show amanhã na sua BH querida, “Orgia” será lançado na próxima quinta e, em meados de junho, mais precisamente no dia 17, ele parte para a Europa. Lá, fará uma turnê de três semanas por cinco países – Irlanda, Inglaterra, Alemanha, Noruega e Portugal, onde toca no Rock in Rio.

“Estou completamente enrolado com a música”, ele responde, afastando qualquer possibilidade de abandonar a estrada, sobretudo agora com tantas novidades e a agenda de shows aquecida. Futuramente, para espairecer, quem sabe? Talvez uma pausa, ele cogita. “Sinto falta de atuar, falar de outras coisas. Minha primeira grande paixão foi o cinema”, encerra Johnny Hooker.

Programe-se

A abertura do festival Som Clube acontece neste domingo (5), a partir das 11h, na praça Marília de Dirceu (rua Curitiba). DJ Davi Zaidan (11h), Lamparina (11h30) e Johnny Hooker (13h30) comandam os shows. A programação continua em outros dois fins de semana de junho, sempre aos domingos. No dia 19, na praça da Savassi (quarteirão fechado da rua Antônio de Albuquerque esquina com rua Paraíba), se apresentam DJ Joca (11h), Adriano Campagnani (11h30) e Silvia Machette (13h30); já no dia 26, também na praça da Savassi, DJ Barbara e Iza Egidio (11h), Túlio Araújo e Choro Amoroso (11h30) e Luedji Luna (13h30) encerram o Som Clube.

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