Lançamento

Livro revela os bastidores de estar na estrada com Os Novos Baianos

Relato da produtora Marília Aguiar, que foi casada com Paulinho Boca de Cantor, traz histórias divertidas e inusitadas da trupe

Por Da Patrícia
Publicado em 20 de janeiro de 2021 | 03:00
 
 
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Foi durante uma turnê recente, na qual estava junto às cantoras Simone e Zélia Duncan, que a produtora paulistana Marília Aguiar foi convencida de vez a colocar no papel as memórias de seus anos de estrada junto ao grupo Novos Baianos. “Como sempre trabalhei com produção de shows, o que exige atenção, entrega e disponibilidade enormes, não sobrava tempo para pensar nessa possibilidade – e, na verdade, eu nunca tive essa pretensão”, confessa ela.

A insistência maior veio por parte de Zélia Duncan. “Na turnê, nós ficávamos muitas horas juntas, em hotéis, teatros e aeroportos, então, às vezes, eu contava algumas situações inusitadas que tinha vivido quando morava com os Novos Baianos – e elas se divertiam muito. Daí a Zélia insistir para que eu escrevesse um livro sobre esse período”, narra Marília, acrescentando que, mesmo com o empurrão da amiga, ainda demorou um certo tempo para efetivamente enviar as primeiras histórias para a cantora apreciar, o que só aconteceu em 2019. Encantada com o que leu, Zélia tomou a iniciativa de enviar os textos para a Editora Agir, que, por sua vez, se dispôs a chancelar a empreitada. Nascia, assim, o recém-lançado “Caí na Estrada com os Novos Baianos”, livro que coloca em repasse uma história intensamente vivida num arco temporal de dez anos.

Marília Aguiar conheceu os integrantes do grupo no efervescente ano de 1969. Então estudante de jornalismo da USP, foi incumbida de representar o local no qual estagiava na festa de lançamento do filme “A Mulher de Todos”, de Rogério Sganzerla. Naquela noite, ao entrar na boate, ela mal poderia supor que sua vida tomaria um outro rumo. Ali, conheceu Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira, Luiz Galvão e outros baianos que marcariam seus nomes na história da música brasileira. “Tinha uma vaga noção de quem poderiam ser aquelas pessoas (...) diferentes e interessantes. Vestiam roupas estranhas sobrepostas por peles, usavam cabelos compridos e desgrenhados, falavam muito e riam ainda mais”, narra ela, logo no início do livro. E foi ali também que teve início sua relação com Paulinho Boca de Cantor – os dois foram casados por 20 anos e tiveram três filhos: Maria, Gil e Betão.

Aliás, Paulinho é quem assina o posfácio, no qual lembra do início da relação dos artistas com a “jovem bem-nascida e bem-criada”. “Nos ajudou a sobreviver de todas as maneiras, até financeiramente. (...) Entrou de cabeça, corpo e alma na vida dos Novos Baianos e segurou a peteca até o final do grupo, em 1979. Isso lhe custou caro – foi deserdada pela família –, mas nunca se abateu, continuou firme até o final como uma Nova Baiana”, completa.

No livro, Marília narra histórias pra lá de saborosas e bem particulares – como a amizade com João Gilberto, as mudanças constantes de casa, os perrengues com carros (um virou um enorme vaso de plantas), os tempos do sítio em Jacarepaguá (no qual nunca foram usadas chaves) ou do apartamento em Botafogo, o dinheiro guardado em um meião pendurado atrás da porta, o significado da expressão “rodar na paulista”, a experiência com a mescalina (cujo efeito a levou a ficar abraçada a Baby Consuelo num canto do apartamento, esperando “o pior cenário”), a mala de roupas caretas que ganharam, a perseguição de um certo delegado...

Curiosamente, Marília não tinha essas histórias registradas. “Nunca tive um diário nem havia escrito algo no computador. Mas aqueles anos foram tão intensos que, quando comecei a escrever, tudo veio naturalmente à memória, com detalhes. Lembro perfeitamente de cada casa em que moramos, das pessoas, conversas, das visitas (nem sempre desejadas), das viagens, sensações, das músicas sendo criadas e muito mais”, afiança. 

Perguntada se os demais protagonistas dessas histórias deram aval para que ela as levassem a público, Marília diz que contou a todos que estava escrevendo um livro com as histórias e que também usaria muitas fotos. “Ficaram curiosos, mas nenhum deles questionou. Galvão achou ótimo, falou que todos deveriam escrever, pois quanto mais ângulos dessa história, melhor. Até mandou um texto lindo, que coloquei na contracapa”, conta.

Já quando indagada se “começaria tudo outra vez, se preciso fosse”, ela não titubeia. “Certamente! Eu não me arrependo de nenhuma escolha que fiz na vida e me sinto privilegiada por ter trocado tantas experiências com pessoas marcantes”. Na verdade, Marília Aguiar reconhece que muito do que é, hoje, como pessoa, é consequência de suas vivências. “Continuo inquieta, tenho uma necessidade absurda de viver com liberdade, tento ser o menos consumista possível e continuo achando que ter discernimento, tolerância e respeito às diversidades faz toda a diferença”, garante.

Nos dias atuais, ela conta que o contato com os integrantes do grupo é mais raro. “A gente se vê pouco, pois cada um tem suas prioridades, e a vida nos levou para diferentes caminhos. Mas, quando nos falamos, e nos nossos encontros, o amor transborda. Estive em todos os shows que fizeram, na volta deles em 1997 e nesta última turnê. É sempre uma delícia estar junto com todos. Tenho uma relação familiar amorosa com Paulinho Boca, que fica clara no posfácio que ele escreveu para o livro. Pepeu ainda é o meu irmãozinho amado. Com a Baby continuo tendo uma relação bem próxima, cheia de cumplicidade”, revela. 

Inevitável tocar na morte precoce de Moraes Moreira, ocorrida no dia 13 de abril do ano passado. Aos 72 anos, Moraes faleceu dormindo, no Rio de Janeiro, após sofrer um infarto agudo do miocárdio. “Eu conversava e ria muito com ele, sempre fomos bons amigos. Sua inesperada partida causou uma tristeza enorme. Difícil superar essa perda”, lamenta.
Marília também conta que seus filhos adoram as histórias dos pais e sentem orgulho dessa origem: “Dois deles são músicos e, inclusive, já tocaram em shows individuais de cada um dos Novos Baianos e também nessa última formação deles, quando gravaram o DVD”.

Questionada sobre ser possível, nos dias atuais, acontecer uma experiência similar à vivida pelo grupo ou se ela estava ligada a um contexto particular, a uma época específica, que não se replicaria mais, opta pela primeira alternativa. “Acho bem possível. Acredito que muita gente adoraria ter essa experiência de viver com criatividade, amor e liberdade, fazendo e ouvindo música o tempo todo, dividindo roupas, alimentos e a criação das crianças. Foi uma delícia e seria em qualquer tempo”, diz.

Por último, mas não menos importante, explica que sua vida, neste momento, está “semelhante à de muitas pessoas que trabalhavam com atividades artísticas”. “Fico exercitando a paciência, idealizando futuros projetos, torcendo para a vacina chegar para todos e acreditando que teremos tempos melhores, com aglomerações saudáveis e divertidas”, conta. Nesse bojo, certamente um reencontro com os antigos parceiros está inserido.

"Caí na Estrada com os Novos Baianos"
De Marília Aguiar
Editora Agir
Prefácio Zélia Duncan
Posfácio Paulinho Boca de Cantor
Texto de orelha: Cao Hamburger
240 páginas
Edição física: R$ 49,90
E-book R$ 34,99

 

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