É constrangedora a indiferença em torno dos 80 anos do compositor Silvio César, celebrados no dia 14 de agosto deste ano. Para quem não liga o nome à pessoa, o mineiro de Raul Soares, cidade na Zona da Mata, que consolidou a carreira no Rio de Janeiro, é o autor da clássica “Pra Você”, regravada por Nana Caymmi, Gal Costa, Angela Maria, Emílio Santiago, Taiguara, Zezé Motta, entre outros.
A precisão dos versos sobre um amor idealizado ajuda a entender a perenidade da música: “Pra você eu guardei/ Um amor infinito/ Pra você procurei o lugar mais bonito/ Pra você eu sonhei o meu sonho de paz/ Pra você me guardei demais”, declara o eu lírico, que ao final apela à amada que ela retorne ao lar.
A canção é uma das 12 faixas que integram o álbum “Se eu Pudesse Te Dizer Tudo que Sinto”, tributo de Claudette Soares a César. Para quebrar o silêncio a respeito da efeméride, a cantora carioca selecionou um repertório que faz jus ao talento do homenageado. Representante de uma bossa nova paulista, portanto com menos holofotes do que a matriz carioca, Claudette empresta o seu canto sussurrado ao estilo geralmente derramado do compositor. A união proporciona um equilíbrio saudável.
Nem sempre é possível escapar do exagero, como acontece em “Nós Dois”, quando Claudette e César dividem os vocais. “Nós somos como dois tostões/ Juntinhos pra poder valer”, entoa a dupla. A elegância dos arranjos do pianista Alexandre Vianna atenua a dramaticidade. “Palavras Mágicas”, que abre os trabalhos, segue o mesmo caminho. “Eu não conheço palavras mágicas/ Capazes de abrir as portas do teu coração”, admite a intérprete, em canto quase declamado. O domínio da emoção exibido por Claudette, aliás, é um dos grandes trunfos do disco. O outro são os próprios boleros e sambas.
“Conselho a Quem Quiser Voltar”, que a cantora havia lançado em 1963, aparece entrelaçada a “O Que Eu Gosto de Você” e “Olhou pra Mim” e injeta sambalanço ao álbum. “Por Teu Amor” conta com introdução preciosa de piano e violão, que já prepara o espírito para a dor vindoura. César é um autor cujo tema recorrente são as aflições da vida humana ligadas aos sentimentos de afeto e perda, logo está sempre naquele limite que transforma a emoção em melodrama, mas, quando acerta, é implacável. “Por teu amor eu descuidei de mim/ Por teu sorriso, entristeci”, canta Claudette.
Como se não bastasse, “Vamos Dar as Mãos e Cantar”, feita para a atriz mineira Márcia de Windsor, nascida em Ouro Preto, ganha sentido político. Gravado por Roberto Carlos e ator no seriado “Quartel do Barulho”, embrião do programa “Os Trapalhões”, César colhe os louros de sua bela obra.
Ouça o dueto de Claudette Soares e Silvio César: