Não ficção

Narrativas com personagens históricos ganham os leitores

Livros que tratam da história do Brasil são campeões de vendas e permanecem expandindo alcance nacionalmente

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 25 de agosto de 2019 | 00:03
 
 
 
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Laurentino Gomes, Eduardo Bueno e Mary Del Priore se tornaram referências de escritores que conseguiram conquistar o público brasileiro com suas narrativas históricas e deixar os leitores ávidos por um novo volume. Gomes, com sua trilogia sobre a história do Brasil, por exemplo, vendeu 2,5 milhões de exemplares. E Bueno não fica muito distante, já somando mais de 1 milhão de títulos vendidos de sua “Coleção Brasilis”, centrada no período colonial brasileiro. 

Dentre os três, Mary é a que tem uma bibliografia mais extensa, com 16 títulos produzidos nas últimas duas décadas. Neste mês, aliás, ela amplia essa lista com um novo trabalho intitulado “D. Maria I” (Ed. Benvirá), em que aprofunda o olhar para a história da avó de Pedro I, a que ficou conhecida como “a rainha louca de Portugal”. Em comum, eles compartilham a experiência de levar para o papel narrativas históricas, mas temperadas com os artifícios da ficção.

Gomes, contudo, pondera que “não preenche lacunas de conhecimento histórico com ficção”, mas busca se valer da literatura e do jornalismo para deixar as informações, comprovadas por pesquisas acadêmicas, mais palatáveis. “Não se podem inventar coisas que não estão referendadas pelo trabalho acadêmico, mas você pode usar a forma literária, jornalística, uma maneira de construir a narrativa de modo a capturar e reter a atenção do leitor de interesse geral. É isso que procuro fazer”, frisa ele.

Bueno segue um caminho semelhante, sendo ele mesmo o pioneiro nessa seara de retratar os personagens da história brasileira de uma maneira menos quadrada. “Eu fui muito influenciado pelos autores do chamado ‘New Journalism’, como Truman Capote (1924-1984). Eles praticavam um jornalismo literário. Então, a minha abordagem da história é basicamente fundamentada nesse chamado ‘jornalismo literário’. É claro que o que eu faço não é mais jornalismo, mas, no fundo, o que eu sou é um jornalista. Então, a minha abordagem, o meu olhar sobre o Brasil colônia, é um olhar jornalístico com pitadas literárias sobre o período colonial brasileiro, que é muito rico”, completa Bueno. 

Mary, por sua vez, recorda a fala de Gilberto Freyre (1900-1987), que, para ela, ilustra um pouco do método empregado por ela ao compor um texto de matriz histórica para um público mais amplo. “Gilberto Freyre defendia uma escrita impressionista, que pudesse fazer com que o leitor tivesse a sensação do toque, do cheiro, da audição. Ele afirmava que o historiador, em sua escrita, deveria colocar, assim, suas impressões no papel. Então, quando eu vou escrever um livro sobre algum período específico, procuro conhecer a música do período, a cultura, os registros de imagem, fotografias, o que compõe um esforço de recuperar a visão de um mundo perdido”, explica Mary.

“Há a intenção de abrirmos uma janela para o que não conseguimos ver no presente, mas podemos dar a vez ao leitor, por meio das palavras, recriando esse mundo com detalhes mais apurados, com descrições dos comportamentos até as indumentárias, dos interiores à vida nas ruas”, acrescenta ela.

Fenômeno

Continuamente, as obras de não ficção assinadas por autores brasileiros têm dominado as listas dos livros mais vendidos, enquanto, como observa o próprio Gomes, a ficção é mais representada por nomes estrangeiros. Para Gomes, isso é algo curioso e revela aspectos importantes sobre o presente. 

“No passado, já houve escritores de ficção que foram muito bem-sucedidos, como Fernando Sabino, em Minas, e Jorge Amado, na Bahia, autores que se tornaram best- sellers, mas acho que hoje estamos vivendo no Brasil um momento de pouca fantasia, de pouca imaginação, um momento muito duro, muito cru, em que estamos discutindo de forma muito polarizada nossa identidade, olhando para o passado para explicar o presente e entender quais os rumos do futuro”, opina o escritor.

“Nesse ambiente, a literatura de não ficção acaba triunfando sobre a de ficção. Eu diria que há pouca poesia, há pouco romance, há pouco sonho no Brasil de hoje. O que se vê é muita gritaria nas redes sociais, na imprensa, nos discursos políticos. Então, acho que a literatura de não ficção pode infundir algum traço de racionalidade nesse debate”, conclui Gomes.

 

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