Entrevista

Para Angelo Oswaldo, governo de Jair Bolsonaro despreza a cultura

Ex-presidente do Iphan afirma que extinção de pasta foi indício do esvaziamento de políticas públicas para o setor

Por Bruno Mateus
Publicado em 06 de outubro de 2019 | 03:00
 
 
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Dono de um extenso currículo na área da cultura e da preservação do patrimônio, Angelo Oswaldo foi secretário da pasta de Cultura no governo de Fernando Pimentel em Minas Gerais (2015-2018), foi prefeito de Ouro Preto por três mandatos (1993-1996; 2005-2008 e 2009-2012), presidiu o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), além de ter sido chefe de gabinete do Ministério da Cultura no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Em entrevista ao Magazine, o escritor, jornalista e advogado, membro da Academia Mineira de Letras (AML), critica o governo de Jair Bolsonaro e diz que o atual presidente não se interessa em criar políticas públicas para o setor cultural. Diante das últimas decisões no Iphan, Angelo Oswaldo afirma que é preciso união e espera que a militância resista de maneira “democrática e republicana”. 

Como o senhor recebeu a nomeação de Jeyson Cabral para o cargo de superintendente do Iphan em Minas Gerais? Em entrevista, ele chegou a admitir não ter experiência para exercer tal função.

Não foi uma surpresa. Poucos dias antes, a superintendente de Goiás, Salma Saddi, uma das técnicas mais competentes e experientes do Iphan, havia sido substituída por um indicado político. Minas Gerais também foi atingida por essa operação de desmanche do Iphan, uma das instituições mais respeitadas do Brasil e também fora do país – a Unesco e os institutos estrangeiros de patrimônio sempre consideraram o Iphan um exemplo e uma referência. Minas é um Estado que detém 60% dos bens tombados pelo Iphan. E não se trata apenas da gestão desse acervo, mas também de todo um diálogo com as instituições patrimoniais. Temos o Iepha e mais de 700 conselhos municipais de patrimônio – dos 853 municípios, mais de 700 dispõem desses conselhos. Há uma grande mobilização em torno da questão e dos desafios do patrimônio cultural, material, imaterial e patrimônio natural. A Constituição do país, que completa agora 31 anos, tem um artigo sobre patrimônio e um segundo artigo dedicado exclusivamente ao detalhamento da missão do Estado. Essas intervenções do Ministério da Cidadania no Iphan são inconstitucionais, uma afronta à Constituição e contrariam a norma que diz que o Estado tem que cuidar do patrimônio.

Diante desse cenário, qual é o futuro do Iphan no Estado?

O Iphan atravessou duas ditaduras, qude nae o respeitaram. Agora, nesse período de exceção que estamos vivendo, espero que ele consiga sobreviver para, em seguida, ressurgir como a instituição paradigmática do patrimônio brasileiro, reconhecida e respeitada não só na América Latina, mas em todas as partes do mundo. Espero que haja uma atitude de resistência democrática e republicana por parte dos conselhos e de todos nós, que militamos nessa área. Há muitas entidades que são ligadas à questão do patrimônio, tenho certeza de que haverá uma grande resistência. É importante que o Ministério Público (MP) de Minas Gerais tome uma atitude, como fez o MP de Goiás, que questionou a substituição da Salma. O MP de Minas deve ficar atento a isso.

Qual é o perigo de articulações e conchavos políticos influenciarem na escolha para cargos tão técnicos, como é o caso do Iphan? 

É importante que se tenha políticas públicas para cada setor, e o que está acontecendo no Iphan é reflexo da extinção do Ministério da Cultura. Não temos mais uma política pública específica para o setor. O governo Bolsonaro retirou da mesa de decisões a pasta da Cultura, ele não se interessa por essa questão. Portanto, há essa fragilização institucional, o avanço de interesses subalternos e o desmoronamento de uma política construída ao longo de 82 anos. Com o Ministério da Cultura deixando de existir, toda essa área fica descoberta. E isso não acontece só no Iphan, outros setores da cultura estão na linha de tiro.

Quais são os maiores desafios, no Brasil e em Minas, para se implementar uma política de preservação patrimonial eficiente?

Temos quadros importantes e qualificados no Iepha, no Iphan, temos servidores preparados, instituições auxiliares, técnicos especialmente preparados para essa tarefa. O grande problema, muitas vezes, nem é somente o dinheiro. Se você tem uma boa equipe, pode articular programas, incentivar que a própria comunidade participe. São questões pequenas que carecem de uma base. As instituições têm que ser fortalecidas. No governo Pimentel, a secretaria (de Cultura) conseguiu dar respostas positivas. A questão não é só financeira, é estratégica. Tem que ter envolvimento de todas as partes que possam, efetivamente, contribuir para a prática pública. 

Os governos estão preparados para lidar com a questão da memória e do patrimônio sem deixar que rivalidades políticas influenciem as decisões?

Depende de cada governo, da linha do governo. O Estado está muito bem aparelhado, a Constituição tem detalhes preciosos, define tudo que tem de ser feito acerca do tombamento, do acautelamento, da preservação. Temos uma legislação maravilhosa, que regulamenta o funcionamento do Iphan, temos o Ministério Público, que é a linha auxiliar do instituto. Sempre houve um grande reconhecimento da autoridade do Iphan, mas agora estamos vivendo um governo de exceção. Há toda uma operação de agressão à cultura, à memória nacional, à identidade. Há um processo de bombardeio sobre o campo da cultura, mas todos nós vamos reagir a isso.

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