Celebração

Revolucionária, popular e atual: os 70 anos da TV brasileira

Fenômeno midiático e social que causou transformações nos costumes do país teve início restrito e marcado pelo improviso

Por Bruno Mateus
Publicado em 16 de setembro de 2020 | 07:11
 
 
 
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Parque Sólon de Lucena, centro de João Pessoa. O menino Humberto Mesquita, de 12 anos, presencia um dos momentos-chaves da história brasileira recente. “Lembro-me bem quando Chateaubriand foi a João Pessoa. Eu era uma criança, mas fiquei empolgado e orgulhoso ao ver um paraibano mostrando aquilo que ia acontecer dentro em breve. Achei uma coisa maravilhosa”, recorda Mesquita.

De fato, pouco tempo depois daquela reunião em praça pública, uma parcela restrita dos brasileiros pôde ver ao vivo algo que só sabiam de ouvirem falar em comentários curiosos e ansiosos. Em 18 de setembro de 1950, a TV Tupi, fundada pelo jornalista e empresário paraibano Assis Chateaubriand (1892-1968), nasceu para fazer a primeira transmissão televisiva no país. 

Ao completar 70 anos, a data nos remete a uma revolução com efeitos nos costumes da sociedade e na maneira de se consumir informação e entretenimento. Escritor e jornalista com passagens pelas TVs Excelsior, Tupi e Bandeirantes, além de grandes veículos da imprensa escrita, Humberto Mesquita, hoje com 82 anos, participou e viu de perto praticamente todas as transformações estéticas e tecnológicas pelas quais a televisão passou no país, já que ele começou a carreira em 1961, pouco mais de uma década depois da primeira transmissão da Tupi e do início da sua caminhada sem precedentes em território nacional.

“O impacto foi muito forte, a televisão era um passo enorme numa direção da alta tecnologia visual”, ele recorda. Outro momento marcante, diz o jornalista, foi o advento das transmissões em cores, já nos anos 70. “Constatamos a evolução da própria televisão, e também fiquei muito impressionado. A TV colorida foi um passo fantástico, veio coroar todo esse espetáculo que nos foi proporcionado pela tecnologia da época”, completa. Em maio, Mesquita lançou "Coisas Que Eu Vi" (Alameda Editorial), livro que percorre acontecimentos importantes do jornalismo e da TV brasileira no último meio século. 

O Brasil foi o primeiro país da América do Sul a ter uma emissora de TV – e o sexto do mundo a entrar nessa lista. No entanto, os primeiros passos em direção a certo profissionalismo foram dados à base de muitas experimentações. “(No começo) não tínhamos técnica de transmissão ou de filmagem, o aparato era muito caro, e havia pouco investimento na qualidade técnica, era tudo muito precário ainda. Contávamos com o modelo americano, mas não tínhamos dinheiro para implementar, então tudo foi feito com jeitinho e improvisação”, comenta o professor e pesquisador da Universidade Federal de Uberlândia, Reynaldo Maximiano.

A primeira metade dos anos 50 representou o início de um fenômeno ainda restrito a Rio de Janeiro e São Paulo. Em meados da década, Belo Horizonte – seguida por Porto Alegre, em 1959, e Recife, em 1960 – foi a terceira cidade do país a inaugurar uma TV, a Itacolomi, quarta emissora do país, depois de Tupi SP (1950), Tupi RJ (1951), TV Paulista SP (1952) e TV Record SP (1953).

Segundo o jornalista e pesquisador Gabriel Priolli, que foi editor executivo na Globo, Record e Bandeirantes e diretor na TV Cultura  e TV Gazeta, o estágio da TV durante os anos 50 era ainda embrionário, e seu principal impacto sobre a sociedade brasileira naquele contexto está no campo simbólico: “O primeiro efeito é de um ideia de atualização com a contemporaneidade. Para a autoestima de um país subdesenvolvido e colonial, isso é importante. Com a TV, é como se a gente tivesse lançado um foguete e colocado o homem em órbita. Tem essa dimensão simbólica de atualização tecnológica”.

A popularização da TV em escala nacional aconteceu lentamente. Foi nos anos 60, e mais intensamente na década de 70, que ela ficou mais acessível financeiramente a uma maior parcela da sociedade e passou a fazer parte da rotina de mais brasileiros. Novelas, telejornais, programas de auditório e o sempre popular futebol eram vistos na telinha. “A TV mudou costumes. Quando ela começou a se proliferar nesse país, as famílias se reuniam na sala para ver qual era a novidade, para ver os programas. Era uma coisa impressionante”, ressalta Mesquita. 

Representatividade na sociedade brasileira 

Essa reunião em torno de um equipamento tecnológico, que, em 70 anos, foi de uma caixa de madeira enorme e pesada às telas cada dia mais finas e facilmente carregáveis, é cena fácil de encontros em lares, bares, salas de espera de consultórios e outros tantos espaços. Em um país que se vê nas tramas das novelas, estas certamente têm papel decisivo no fascínio que a TV causa em boa parte da população.

Essa ideia de dar visibilidade às histórias que se passam nas esquinas e avenidas do Brasil começou nos anos 60. “Há uma tentativa de ajustar a novela ao cotidiano da população, e os autores começam a explorar isso”, ressalta Reynaldo Maximiano, que cita o folhetim “Beto Rockfeller”, exibido entre 1968 e 1969 na TV Tupi, como “o grande tensor estético da telenovela moderna no Brasil”.

Agora, ao completar sete décadas em atividade no país, a TV chega a essa data ainda com vigor, força e influência. Esta é a opinião de Gabriel Priolli: “Ela se manteve sempre atualizada, ao mesmo tempo sendo espelho e motor de seu tempo. A TV estimulou e massificou uma série de tendências culturais, estéticas, artísticas, ao mesmo tempo em que espelhou a sociedade brasileira em todos os aspectos culturais e políticos que aconteceram no país”.

Embora também reconheça que esse meio de comunicação tão presente do dia a dia dos brasileiros ainda seja um elo muito forte entre o povo e a realidade do país, Humberto Mesquita diz que vê o aniversário de 70 anos da TV com certa melancolia. “Tecnicamente, ela é fantástica, mas o conteúdo, com algumas exceções, é péssimo”, crava o jornalista.

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