Os atores Juliana Paiva e Felipe Simas estranharam um pouco o beijo com placa de acrílico (finalizado depois com efeitos especiais) para a cena de romance entre seus personagens na novela “Salve-se Quem Puder”, na Globo. Já os participantes da nova temporada do “MasterChef Brasil”, que estreia na próxima terça (6), ficaram confinados em um hotel. No cinema, não foi diferente.
 
A cineasta Julia Rezende, que acaba de rodar um novo filme, não se lembra de gastar tanto tempo para filmar uma cena, enquanto que o produtor mineiro André Carreira observou que, em seus mais de 20 anos de trajetória no audiovisual, nunca tinha trabalhado em um set tão silencioso como o do longa-metragem “Carnaval”, disponível na Netflix.  
 
Todas essas ações se devem a uma palavrinha, “protocolo”, que desde março de 2020 passou a fazer parte do nosso vocabulário e, principalmente, das nossas vidas. Mesmo ainda longe de voltar ao “velho normal”, aos poucos muita gente começa a retomar a rotina, mas, claro, seguindo todas as recomendações sanitárias. 
 
 
 
Não está sendo diferente com o audiovisual – um dos setores, aliás, mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus. Durante meses, produções como novelas, filmes e séries chegaram a ficar totalmente paralisadas no Brasil. Além de câmeras, microfones e rebatedores, agora máscaras, óculos de acrílico, álcool em gel e faceshields também fazem parte da rotina dos profissionais da área. “Acho que o maior desafio foi administrar o tempo do set, o tempo que a gente gastava para cumprir os protocolos, de testagem na chegada do dia, de colocar e tirar a máscara dos atores a cada take. Foi tudo bem rigoroso, então a gente precisou reorganizar o nosso dia de filmagem muito em função disso”, comenta a diretora Julia Rezende sobre seu mais novo projeto, “A Porta ao Lado”, longa que acabou de rodar.  
 
A produção, ainda sem data de estreia, nasceu do desejo da diretora de seguir investigando as relações afetivas. A história traz Letícia Colin e Dan Ferreira, na pele de um casal estável e monogâmico que é impactado pela chegada de novos vizinhos, interpretados por Bárbara Paz e Tulio Starling, adeptos do relacionamento aberto. 
Julia revela que já ansiava há algum tempo fazer essa produção e que, por conta da pandemia, alguns ajustes tiveram que ser feitos, como a redução de locações e do número de figurantes, sem contar a alimentação que, em vez do tradicional self-service, foi substituída por refeições individuais com identificação. “A história do filme já é bem íntima, com poucos atores, mas a gente teve que mudar algumas coisinhas. Eu praticamente eliminei os figurantes do filme, a gente evitou ter muitos cenários justamente porque a cada vez que íamos filmar tinha que sanitizar. Seguimos procedimentos muito rígidos, a produtora contratou uma empresa de biossegurança, o elenco era testado diariamente. Mas nada atrapalhou a narrativa (o roteiro é de Patricia Corso e L.G. Bayão)”, assegura a diretora.
 
Mesmo cumprindo tantas regras, um caso de Covid-19 foi detectado entre os profissionais envolvidos, e as filmagens de “A Porta ao Lado” foram interrompidas por um período. “Acho que o que mais senti falta foi daquele clima de interação de bastidor. A gente nem podia abraçar um colega que você vê diariamente, que está ali, vivendo intensamente o processo de criação. Isso foi bem estranho”, observa.
 
No entanto, mesmo com todos esses procedimentos, Julia Rezende tira lições positivas da experiência. “Ainda bem que existem os protocolos pra gente poder filmar, o que, neste momento, é uma bênção. Tudo fica mais trabalhoso e mais caro, inclusive, mas acredito que, daqui a um tempo, vamos conseguir avaliar os prós e os contras de tudo isso e ficar com o que realmente for necessário. A nossa paixão pelo cinema e por contar história é tão forte que vence todas as dificuldades. O audiovisual tem uma força inacreditável e é um bálsamo nestes tempos”, avalia. 
 
Sem aglomeração. O mineiro André Carreira, sócio da produtora Camisa Listrada, onde produziu grandes sucessos do cinema nacional como “Fala Sério, Mãe!”, “Os Farofeiros”, “O Candidato Honesto” e “Um Suburbano Sortudo”, teve uma experiência parecida com a de Julia. Na verdade, ele já estava com parte das cenas de seu novo projeto, o filme “Carnaval” – disponível na Netflix – rodadas durante a folia em Salvador. “Mas, quando a gente terminou de rodar, lá na Bahia, começando a trazer os equipamentos para o Rio, veio o decreto do governador suspendendo todos os eventos. Já tinha cenário pronto, cenas bem complexas de aglomeração em camarote que iríamos recriar, e aí tivemos que parar tudo”, recorda.  

 
 
Seis meses depois, em setembro, quando a pandemia deu uma arrefecida e os sindicatos do setor permitiram filmagens, mas seguindo os protocolos, é que “Carnaval” pôde ser finalizado. André Carreira relata que as cenas de camarote, por exemplo, que precisavam de 200, 300 pessoas, foram totalmente reconfiguradas. “Tivemos que mudar um pouco a narrativa e pensar em alternativas viáveis. Lá em Salvador, a gente só fez a parte externa. A interna seria no Rio. E o máximo de pessoas no set era 20. Então a gente tinha que filmar por etapas, usar a câmera mais fixa para ter o efeito da multiplicação e depois recorria à computação gráfica para dar aquela impressão de um lugar lotado. Nós gastamos o dobro do tempo que estava previsto de filmagens e o triplo de pós-produção, mas não prejudicou em nada a qualidade do produto”, garante. 
 
André ainda comenta que o clima das filmagens, geralmente bem descontraído, estava mais tenso nesse período já de pandemia e que ficou impressionado com o silêncio no set. “Eu senti que as pessoas estavam muito focadas em chegar, fazer o trabalho da melhor maneira, e terminar. Não se ouvia muita conversa. Acho que foi o set mais silencioso em que trabalhei (risos). Até porque também tinha a máscara N95, o faceshield, e tudo atrapalha mais a comunicação. Mas o importante é que deu tudo certo, e o filme está um sucesso”, celebra. 
 
Por falar em Netflix, em nota, a plataforma de streaming informou que está retomando gradualmente as produções e que “as decisões são tomadas com os parceiros, seguindo protocolos de segurança em vigor, em conformidade com os governos locais e com as orientações das autoridades de saúde”. Testagem de elenco, acompanhamento constante e adaptação de roteiro foram algumas das medidas. “Cada produção tem suas particularidades, por isso analisamos junto às produtoras caso a caso, levando em consideração o tipo de produção, o tamanho da equipe e do elenco, se a filmagens são internas ou externas, o tipo de cena, se envolve viagens etc. Nossa experiência no set tem sido marcada pela incrível capacidade de nossa indústria de se desafiar e aprender maneiras novas e criativas de fazer as coisas”, diz o comunicado.  
 
Rigor também prevalece na TV 
Testes sistemáticos em elenco e demais profissionais envolvidos, equipamentos de proteção, distanciamento em cena, placas de acrílico para que não haja contato direto entre atores e até confinamento são algumas das medidas adotadas pelas emissoras de televisão para evitar a contaminação pelo coronavírus. A Globo, aliás, é considerada uma das mais rigorosas neste aspecto e virou exemplo quando o assunto é protocolo. Em nota, a  Comunicação da emissora informou que, desde o início da pandemia, quando decidiu reduzir os trabalhos nos Estúdios Globo e até interromper as gravações, no caso das novelas e de outros produtos de dramaturgia, estabeleceu um grupo de profissionais de áreas diversas —saúde, produção, criação, entre outros—, trocando conhecimento com outras produtoras de audiovisual do mundo, como Itália, Suécia, Dinamarca, Chile, e EUA,  além de olhar para os nossos processos, e criou um Protocolo de Segurança, que abrange todas as etapas de produção. 
 
“As recomendações vão de cuidados na pré-produção a atuação nos sets de gravação, incluindo logísticas de transporte, alimentação e regras para fornecedores, entre outras. A pandemia passou por momentos diferentes e fomos, como todo o mundo, nos adaptando e aprendendo a lidar com as situações que iam se apresentando – e ainda se apresentam – ao longo desses últimos 16 meses. Portanto, o protocolo é um “documento vivo”, e já tivemos algumas versões dele, sempre com o objetivo principal de resguardar pela segurança de todos os talentos e equipes envolvidas. Todos os produtos gravados nos Estúdios Globo estão sujeitos ao protocolo e, quando necessário, uma comissão especial é acionada e ele se adapta a situações específicas”, informa o comunicado. 
 
A Band foi outra que adotou procedimentos de segurança em seus programas. Durante a coletiva realizada nesta semana, a emissora falou sobre as novidades da nova temporada do “MasterChef Brasil”, que estreia na próxima terça (6), inclusive, com reforço dos protocolos de segurança recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Pela primeira vez na história do reality, os participantes ficaram confinados em um hotel em São Paulo antes e durante as gravações com o objetivo de preservar os competidores – vale lembrar que, no meio do ano passado, as gravações do programa tiveram que ser suspensas após dois funcionários testarem positivo para a Covid-19. Além disso, a atração ganhará um novo cenário, com as bancadas totalmente reformuladas. 
 
A série “Inconveniências Históricas”, produção da Giros viabilizada com o Canal Curta! pelo Fundo Setorial do Audiovisual, também teve que seguir essas medidas sanitárias. A produção tem como objeto episódios históricos incômodos, cuja investigação traz luz a fatos nebulosos e/ou vergonhosos do passado do país. A cada episódio o historiador Sidney Aguilar convida pesquisadores, especialistas e pessoas que guardam relação pessoal com cada fato narrado para, através de depoimentos, imagens de arquivo e dados de estudos formais, revelar uma análise informativa e visualmente rica sobre cada inconveniência abordada. 
 
A coordenadora de produção da Giros Filmes, Olívia Buarque, destaca o desafio de gravar remotamente e presencialmente. “O maior desafio foi o de lidar e se adaptar a essas novas regras. Acredito que toda mudança é um grande desafio, e tivemos que aprender a trabalhar de máscara, jaleco, óculos, não beber água em qualquer lugar, trabalhar em ambientes abertos, ser testado toda semana, usar álcool em gel o tempo inteiro etc. É claro que, depois de um ano, esse processo fica um pouco mais fácil do que era lá no início”, opina
Olívia que acredita que alguns destes protocolos vão permanecer. “A atenção redobrada quanto à higienização eu acredito que vai ficar. Termos um set sempre bem higienizado e álcool em gel à disposição para a limpeza das mãos acredito que seja o grande legado que levaremos para a vida. Outro hábito que seria interessante é o de, a qualquer sinal de doença (mesmo que gripe), usar máscara para a proteção, afinal, é uma forma de cuidar do outro também”, enfatiza.