O instrumentista Pereira da Viola veio do Vale do Mucuri. Seu colega violeiro Wilson Dias, do Jequitinhonha. Já o jornalista e poeta João Evangelista Rodrigues, do São Francisco. Há dez anos, os três somaram forças e começaram a produzir "Pote - A Melodia do Chão", um disco emblemático da história da viola em Minas Gerais, que chegou ao mercado em 2009.
Recentemente, em uma união informal, os amigos se flagraram cantarolando as músicas que compõem o repertório e veio o insight. Por que não regravá-lo? Desafio encarado, "Pote" ganha a sua reedição. Mas era preciso mais. Não por outro motivo, os violeiros sobem ao palco do Sesc Palladium nesta quarta-feira (21), para apresentar ao vivo as músicas que, salientam eles, mantém uma curiosa conexão com os dias atuais.
A reportagem do Magazine conversou com os dois sobre o álbum e o show. Confira.
Como veio a ideia do relançamento?
Pereira da Viola. A ideia veio de uma forma meio espôntanea. Estávamos na casa do cumpadre Wilson e começamos a relembrar o repertório, da forma como a gente faz nas rodas de viola, como quando a gente sempre se encontra, e bateu a vontade de fazer o disco novamente, e até por uma demanda de um público nosso, gente que inclusive não viu o show original e falava que queria ver esse repertório ao vivo. Por isso, aliás, quisemos manter o disco integralmente, inclusive mantendo a ordem das músicas.
Wilson Dias. SIm, primeiramente para atender à demanda do público, mas também para comemorar os dez anos que iniciamos a gravação desse trabalho vitorioso, e do qual gostamos muito. Se os arranjos permanecem os mesmos? Sim, apenas fizemos mais uma tiragem.
O que o título ("Pote") simboliza?
Wilson Dias. Em outros tempos, o pote era um utensílio muito utilizado pelos homens e mulheres em casa, especialmente no interior. Mas, neste contexto, é elemento sonoro e guarda muitas histórias, assim como a viola caipira, que ajudou a formar a identidade do povo brasileiro. Unir a poesia de João Evangelista Rodrigues com a sonoridade de nossas violas é a perfeita harmonia da água no pote, ou seja, é música para matar a nossa sede.
Pereira da Viola. O termo se refere a um objeto de uso comum nos interiores do nosso Brasil, principamente na região do sertão. Tem essa memória de água fresca e, ao mesmo tempo, se refere também a esse recipiente que guarda boas coisas da nossa cultura, fazendo aí uma referência a essa cultura que vem do sertão, que está relacionada à formação de nós três, tendo Guimarães Rosa como uma grande referência.
Podem me falar de uma ou duas músicas do repertório, escolhidas ao bel prazer, e discorrer sobre a gênese dela(s), do que tentam comunicar...
Wilson Dias. Eu, particularmente, gosto de todas as músicas do CD. O que posso destacar é a beleza poética de João Evangelista Rodrigues, dialogando de forma fluente com harmonias e melodias bem estruturadas num encontro que nos deixou bastante satisfeitos . Mas cito um trecho da música "Mutirão": "... Quem canta em nome da vida em nome da multidão sem nome defende a vida e a vida será mais viva, será mais longa...". E, ainda, outro da música "Pachamama": "Sagrado este canto, de água de rio, canto este canto de marés bravias movendo navios. Em nome da terra, dos sítios distantes, da chuva que canta nesta melodia..."
Pereira da Viola. A primeira música gostaria de falar que é "Sem Desatino", que é como se fosse um retrato da minha vida no interior, na comunidade onde nasci, na roça. Então, traz, do ponto de vista literário e também de harmonia musical, uma referência que parece que é como se estivesse falando do meu próprio lugar. Mas, veja, é um lugar de quem nasceu nesse sertão tempos atrás, talvez, hoje, esse ambiente ao qual a música se refere já esteja mudado. Mas essa visão poética continua dentro da gente, dentro de mim. E "Mulheres de Argila", que se refere às janelas de Minas, e eu sempre vejo essa canção trazendo esses elementos da emancipação feminina. São reflexões que gosto de fazer a respeito dessas duas músicas.
Como veem esse movimento de valorização da viola que temos presenciado nos dias atuais? O cenário, hoje, está mais favorável?
Wilson Dias. O movimento da viola é fruto de uma realidade cultural complexa, formada por elementos religiosos, crenças, costumes, e permeada por matizes étnicos e históricos. Por isso, o instrumento, em suas diversas formas de utilização, continua contribuindo para escrever a história da música brasileira; considerando toda a sua riqueza e significado social, a partir de uma perspectiva sustentável, dialógica e interativa que vem das tradições culturais. Por essas características, possibilita também estabelecer uma comunicação direta e profunda com os diversos públicos e regiões onde é tocada. Eu diria que a viola está num movimento crescente e promissor.
Pereira da Viola. Esse processo de reconhecimento da viola como um instrumento necessário da música brasileira, a valorização do jeito de tocar, de construir o instrumento, tudo isso ajuda muito. Sinto que de alguma forma quebramos barreiras, até mesmo na imprensa, já temos uma visibilidade, violeiros que conseguem furar bloqueios. Até então, era mais fechado, mas acho que a minha geração quebrou o estigma de "instrumento relacionado a uma cultura musical menos importante que outros estilos". Ainda sofremos preconceitos, mas podemos dizer que já conquistamos sim, um espaço favorável, e hoje está mais fácil viver da música com esse instrumento.
Podem falar do show? Ele repassa todo o repertório do CD? E agrega algumas outras canções?
Wilson Dias. O show terá o repertório do CD na integra e vamos tentar nos aproximar ao máximo da sua sonoridade original.
Pereira da Viola. O show vai estar na integra, não terá nenhuma outra música no repertório, a não ser que surja uma surpresa, mas a principio é baseado no disco. Queremos mostrá-lo na íntegra, inclusive porque imaginamos que seja um disco que, da primeira à última canção, tem muito a ver com o momento que estamos vivendo agora. De alguma forma traz uma mensagem interessante, uma reflexão que se relaciona ao momento que estamos vivendo atualmente.
SERVIÇO
O show de relançamento do CD “Pote” será na quarta-feira 21 de agosto, às 20h, no Grande Teatro do Sesc Palladium (rua Rio de Janeiro, 1.046). Em cena, Pereira da Viola (voz, viola caipira, violão), Wilson Dias (voz e viola caipira e violão), Wallace Gomes (violão), Pedro Gomes (contrabaixo), Dito Rodrigues (violão), Gladson Braga (percussão) e Daniel Guedes (percussionista). Ingressos: R$ 30 (inteira)