Na quarta-feira (19), o Comitê de Política Monetária (Copom) seguiu a expectativa do mercado financeiro e manteve a taxa Selic em 10,5%. No texto em que justifica a decisão, o grupo de especialistas do Banco Central cobra do governo federal uma melhora no ajuste fiscal, para equilibrar as contas públicas.
“O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”, escreveu o Copom.
A cobrança por um ajuste fiscal também tem sido feito por bancos, empresas de investimento e até mesmo entidades representativas de setores produtivos - pressionando, ao mesmo tempo, governo federal e Banco Central em suas decisões.
Sobre o assunto, o presidente Lula (PT) rechaça as críticas sobre os gastos do governo.“As mesmas pessoas que falam que é preciso parar de gastar são as pessoas que têm R$ 546 bilhões de isenção, desoneração de folha de pagamento e isenção fiscal. São os ricos que se apoderam de uma parte do orçamento do país e eles se queixam daquilo que você está gastando com o povo pobre. Por isso que eu disse que não me venham querer que se faça qualquer ajuste em cima das pessoas mais humildes deste País”, afirmou.
O presidente ainda afirma que pretende reforçar as discussões sobre o orçamento com o Congresso, imprensa e mercado. “Mas para que a gente faça com que o povo mais humilde, trabalhador, que mais necessita do Estado não seja prejudicado, como foi em alguns momentos da história. Qualquer coisa que você quer gastar, você gasta do povo pobre”, acrescentou.
Cortes de gastos
Mas, afinal, o que pode ser feito pelo governo federal neste momento? Quais são os gastos públicos que podem ser cortados e onde a receita pode ser aumentada, sem que novos impostos sejam criados? A reportagem de O TEMPO conversou com alguns economistas para ver quais propostas são possíveis. Confira:
Paulo Paiva - Professor da Fundação Dom Cabral
“No longo prazo, a relação entre dívida pública e PIB deve ficar estável. Se a dívida pública estiver crescendo mais rapidamente do que o PIB é sinal de que o país ficará insolvente em algum ponto no futuro. As consequências são que os financiadores da dívida pública (mercado) exigirão juros mais altos para financiá-la ou, no limite, deixarão de financiar e o país vai a default.
O Brasil vive nessa situação. Basta examinar a evolução dos gastos públicos e verificar que (1) o déficit da Previdência Social é crescente e que a reforma feita há poucos anos não foi suficiente para corrigi-lo e o envelhecimento da população agrava mais ainda este problema; e (2) os gastos obrigatórios no Orçamento são elevados e crescentes em razão das despesas com pessoal (ativo e inativo), alto grau de indexação de despesas à receita (vide educação e saúde) e ao salário mínimo (previdência e benefícios sociais) e obrigatoriedade de execução de despesas como emendas parlamentares, por exemplo.
Diante deste cenário, qual ajuste seria possível? Assim, para ter sucesso algum plano de busca da estabilidade fiscal no longo prazo (5 ou 10 anos) seria necessário:
1)Entendimento político entre executivo e legislativo, com base em propostas factíveis e compromisso suprapartidário para seu cumprimento;
2)Estabelecer metas e trajetórias para despesas e receitas, como proporção do PIB no horizonte fixado de 5 ou 10 anos;
3) incluir, ambos, redução de despesas, incluindo revisão de gastos e cortes de isenções e subsídios, e aumento de receita. Não é possível, fazer o ajuste no curto prazo, apenas com corte de gastos (visão econômica ortodoxa) nem apenas com aumento da receita (visão heterodoxa da esquerda)”.
Paulo Bretas - Coordenador executivo da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia de MG
“O ajuste fiscal só é feito de duas formas: com aumento da receita ou corte de gastos. Você pode combinar as duas formas e aí fazer um exercício de equilíbrio das contas públicas. O problema é que o Brasil tem um problema que vem se agravando desde o início do Plano Real que é o acúmulo da dívida pública, que é consequência não somente de gastos públicos, mas também da taxa básica de juros. O problema é que o mercado brasileiro se tornou viciado em taxas de juros altas, em aplicações financeiras com rendimentos altos.
Dá para fazer ajuste fiscal? Sempre dá para cortar gastos, mas não dá para comparar o governo com uma família. O governo emite moeda, emite dívida. Se ele tem déficit, ele emite moeda ou emite dívida e paga. Tem que analisar tudo em conjunto: analisar despesas com pessoal e despesas previdenciárias, por exemplo.
(...) Há ainda um problema desde o governo Temer, e que se agravou no governo Bolsonaro, que é um Congresso Nacional ter assumido uma parte dos gastos com investimentos através das emendas parlamentares, se tornando cada vez mais caras para o orçamento da União. Temos um país desigual, uma indústria de transformação em redução, uma economia muito calcada no agronegócio e mineração, que não são áreas que empregam grandes volumes de pessoas.
Importante dizer que as dívidas de estados nacionais devem ser analisadas no longo prazo e não no curto prazo. E que o governo tem a capacidade de criar novas receitas, contando com a ajuda do parlamento. Por exemplo, a aprovação de jogos de azar poderá trazer algum incremento na arrecadação. Também pode-se cortar os mega salários de servidores públicos, aqueles que estão em total desrespeito à legislação."
Paulo Machado Feitosa - analista aposentado do Banco Central
“Se não há risco de calote, qual a razão de tanta preocupação com o índice Dívida Pública/PIB? Apenas a necessidade de se defender uma austeridade ou equilíbrio fiscal sob o argumento de que dever é ruim. Ora, só tomando capitais de terceiros as empresas conseguem investir, produzir, fazer o giro e crescer. Só fazendo dívidas famílias conseguem ter casa própria e acesso a bens tidos como de luxo.
Por que apenas o governo não pode se endividar para induzir o crescimento da economia, investindo em infraestrutura (e reduzindo o custo de produção para o setor produtivo), gastando mais em saúde, educação (e tornando a mão de obra mais produtiva) e estimulando o setor privado via créditos e demanda garantida? Logo o governo que ao gastar, gera efeitos em cascata ou multiplicadores na economia.
Isso não significa que o ajuste fiscal não é importante, mas por ambos os lados: da receita e da despesa. Do lado da receita, tributando grandes fortunas e patrimônios; aumentando a tributação de heranças; elevando a tributação sobre altas rendas (gente aí ganhando mais de 2 milhões mensais).
Por outro lado, para não expandir a carga, reduzir impostos sobre consumo e produção, como o IVA que ainda não foi e tem urgência de ser regulamentado. Do lado da despesa, reduzindo gastos com privilégios como incentivos e subsídios (meio trilhão ao ano!); gastos com pensões de filhas solteiras de militares, fazendo cumprir a regra do teto de salários para todos.
Propondo discutir de forma séria os fundos eleitorais partidários, as emendas dos congressistas, os benefícios para judiciário e legislativo. E sobretudo, fazendo uma avaliação criteriosa dos gastos em contraposição aos resultados obtidos, para melhorar a eficiência da máquina”.
Thiago Lourenço, economista da Manchester Investimentos
"A questão do ajuste fiscal é realmente uma pauta que não diz respeito apenas a esse governo atual, mas é uma pauta que está sempre em discussão em diferentes governos. Ela é, sim, uma necessidade no Brasil. Acho que desde sempre a gente tem um modelo de gastos bem descorrelacionado com o nível de crescimento que o país tem tido nas últimas décadas.
Só que, ao mesmo tempo, a gente tem que mirar um pouco mais na questão de melhora de crescimento do país. Claro que a gente tem reformas, por exemplo, previdenciárias no setor público para serem feitas. Hoje, o Brasil é um dos países que mais gasta com previdência proporcionalmente ao PIB, inclusive em mesmo níveis de países já desenvolvidos, com o IDH muito maior que o do brasileiro.
Se a gente for comparar com países emergentes, o Brasil é, de longe, um dos que mais gasta com previdência. Então, isso é mais um sinal de alerta de que esse problema do custo Brasil hoje, do endividamento do governo, é um problema também grave para o médio e longo prazo.
Talvez o maior desafio é de que, para a gente poder melhorar esse quadro, não é necessariamente só fazendo uma reforma, reduzindo os gastos, porque isso não é sustentável no longo prazo. O que o Brasil precisa, no fim do dia, é entregar taxas de crescimento maiores. O Brasil é um país emergente que cresce pouco e cresce pouco há muito tempo.
Se a gente compara com outros países como a China, México, até mesmo a Índia. Eles vêm tendo taxas de crescimento maiores que as do Brasil e vêm numa crescente. Claro, a China entrou num certo platô, mas ela vinha nos últimos 20 anos crescendo a uma taxa absurda. Então, ela já conseguiu melhorar significativamente a produtividade.
Se o Brasil melhorar a produtividade, ele consegue reduzir automaticamente também a inflação interna, porque a gente ataca a inflação na ponta da oferta, que é mais saudável, então a gente aumenta a oferta, melhora a produtividade, aumenta a geração de riqueza no país, aumenta ofertas de emprego, aumenta a renda média.
Esse é o melhor caminho, o caminho mais saudável. Quando a gente consegue arrecadar mais, a gente torna os problemas menores. A gente até pode se dar ao luxo, às vezes, de ter um gasto um pouco maior com, por exemplo, uma linha de financiamento público, algo nesse sentido se a gente arrecada muito. E o investidor estrangeiro ele olha muito para quais são as taxas de crescimento esperadas para um país ou por uma empresa.
E o Brasil tem entregue taxas muito baixas de crescimento e isso começa a inviabilizar investimentos de longo prazo no Brasil. Porque quando eu comparo o Brasil com países desenvolvidos, como nos Estados Unidos, por exemplo, a nossa taxa de crescimento é muito próxima a dos Estados Unidos para o nível de risco que a gente tem.
Então, o dinheiro acaba não sendo atraído por conta disso. O governo precisa necessariamente se tornar mais pragmático, do ponto de vista de discutir, ter um pouco mais de racionalidade nos gastos e trabalhar mais no essencial. Mas, acima de tudo, tem que buscar criar um ambiente interno, um ambiente econômico que seja favorável para o investidor interno, para o instituto internacional, melhorar o ambiente de investimentos, melhorar o ambiente de negócios.
Tornar o sistema mais simples, desde o sistema tributário até, enfim, todas as outras regras para tornar o Brasil num grau de investimento melhor e tornar o governo mais pragmático, para que esse risco político não influencie muito nas contas que os investidores fazem para avaliar se vale a pena mandar dinheiro pro Brasil ou não. Acho que a gente tem que atacar nessa linha também, focando principalmente no crescimento.
Eu acho que essa é uma linha que fala-se pouco hoje, mas para o médio longo prazo, essa é a única solução viável pra gente conseguir, inclusive ter uma qualidade social também. Entender que a gente ainda é um país emergente. Ainda temos muitas demandas sociais para atender, mas a gente só vai conseguir fazer isso se a gente melhorar a produtividade, melhorar o crescimento, para poder dar mais oportunidades e, consequentemente, arrecadando mais, a gente consegue arcar com mais despesas.
Assim, a conta começa a fechar com mais facilidade, com menos dor de cabeça, menos sofrimento, menos atrito entre entre governos."
Felipe Tavares, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)
"A redução dos juros básicos da economia, a taxa Selic, é fundamental para dinamizar o custo de capital das empresas e baratear o acesso a crédito pelos consumidores. Como as famílias vão consumir, conforme já destacado pelas pesquisas de endividamento inadimplência da própria CNC, as famílias utilizam modalidades de crédito como cartão de crédito, compras à vista ou compras a prazo e modalidades maiores como financiamento imobiliário automotivo.
A taxa básica de juros é a que ancora todos esses instrumentos de crédito da economia, porque ele é o juros básico, ou seja, o juros que é pago pelas pessoas ou pelas empresas é da Selic para cima. Sempre tem um spread, um fator adicional para a remuneração do sistema. Então, com a redução da taxa básica de juros, o crédito fica mais barato.
Com crédito mais barato, as pessoas têm maior facilidade para adquirir bens e serviços e adquirir patrimônio, como imóveis e automóveis financiados que passam a ter taxas mais vantajosas, fica mais barato para o consumidor adquirir esses bens. Para as empresas, a redução da Selic também é muito benéfica, porque facilita o financiamento de investimentos e capital de giro, que são fatores fundamentais para o desenvolvimento e prosperidade dos negócios.
Com a manutenção da taxa básica de juros em 10,5%, a gente interrompe esse movimento de redução de juros para a economia brasileira como um todo. Então, a gente espera que nos próximos meses, quando essa redução possa ser retomada, a gente consiga dinamizar novamente o mercado de crédito e, consequentemente, o consumo das famílias brasileiras."
Mário Sérgio Telles, superintendente de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
"Na opinião da CNI, o ajuste fiscal precisa ser alcançado por meio de dois caminhos conjuntos. O primeiro é controle de despesas. Com a PEC da Transição, aprovada em 2022, houve um aumento significativo de despesas, sejam obrigatórias, sejam discricionárias.
Então, é preciso controlar esse crescimento de despesas e esse é um dos caminhos do ajuste fiscal. Do ponto de vista das discricionárias, é possível, para esse ano, fazer um ajuste para reduzir as despesas discricionárias e para os anos seguintes. O foco deve ser as despesas obrigatórias, por meio de medidas como melhoria dos mínimos constitucionais de saúde e educação, mantendo um ritmo de crescimento, mas dentro das regras do novo acabouço fiscal.
É possível pensar em melhorias também em despesas obrigatórias como previdência, assistência, com reorganização de programas, melhoria de foco. Então, é preciso dividir a questão das despesas em dois momentos: esse ano com o controle sobre as despesas discricionárias e nos anos seguintes com uma redução do crescimento das despesas obrigatórias.
E por outro lado, pelo lado da receita, já está claro que não dá mais para aumentar a tributação sobre aqueles que já pagam tributos. Então, pelo lado da receita, o caminho deve ser a justiça tributária, a isonomia tributária cobrando em situações em que não há essa isonomia, cobrando de quem hoje não paga menos tributos. E aí, nesse sentido, a gente tem alguns exemplos recentemente com essa equiparação na tributação dos importados até US$50 e tem outras situações nesse sentido que podem ser trabalhadas."