Se para o trabalhador assalariado era praticamente uma “corrida olímpica” aos supermercados para conseguir suprir as necessidades básicas, o pesadelo de quem não contava com um salário fixo podia ser ainda mais caótico antes do Plano Real. Para os pequenos empreendedores, o dia a dia das finanças era sombrio. Se faziam um orçamento de determinado valor hoje, amanhã precisariam elevar o preço para acompanhar a alta de custos ou teriam que amargar o achatamento do lucro.

Foi o dilema que acompanhou Francisco Cláudio Pedrosa Xavier, 71, e Leonice Maria Pedrosa de Araújo, 76, que produziam e vendiam salgados em Ouro Preto nas décadas de 1980 e 1990. “Eu me lembro de uma freguesa que fez uma encomenda com um mês de antecedência. Eu passei um preço. Só que, depois, quando comprei os materiais e fiz as contas, percebi que ‘trocaria cebola por cebola’, não teria lucro. Antes de entregar o salgado, conversei com ela, tive que reajustar o valor, e ela entendeu. Foram vários casos assim. Em alguns, tínhamos um lucro bem pequeno, mas muitas vezes ficamos no prejuízo”, conta Leonice. “Não era aumento, era reajuste, todo mundo entendia”, diz o esposo.

Comprar insumos para pagar depois, o famoso “fiado”, no armazém era um hábito. Em vez de anotar o preço, o dono registrava somente quais produtos levaram, já que o valor provavelmente aumentaria antes de ser pago. Foram anos de trabalho duro que, às vezes, parecia em vão. “Não íamos a festa, a velório, a aniversário. Todo domingo tinha algum batizado para entregarmos salgadinho. Eram de 12 a 18 horas de trabalho por dia. Foi uma época em que trabalhávamos tanto, e não víamos dinheiro. Se fosse uma moeda estabilizada, teríamos comprado a casa em que morávamos na época”, diz Leonice.

A máxima do “pobre cada vez mais pobre, e o rico cada vez mais rico” era mais palpável na hiperinflação. “A inflação acentua a má distribuição de renda porque quem tem sobra de renda aplica no mercado financeiro”, diz o professor de economia Hélio Berni. 

Os ganhos nesse mercado podiam ser tão vantajosos que empresários deixavam de investir no que de fato era o centro do negócio, conta a economista Carla Beni. “Nos primeiros cinco anos do Plano Real, houve um fenômeno interessante. Várias empresas quebraram. Vamos imaginar que você tem uma fábrica cuja razão social é fazer torta de frango, mas ganha mais dinheiro no mercado financeiro do que com isso. Quando esse ganho cai, suas ineficiências operacionais aparecem. Com isso, grande parte dessas empresas fechou. A frase que se escutava de parte da elite era: ‘Na época da inflação era melhor’”.

Juros são ‘herança’ deixada e ainda presente no Brasil 

Um lado não tão brilhante da moeda herdada do Plano Real são os juros continuamente elevados do país. “Temos uma das maiores taxas do mundo. Aumentar os juros para combater a inflação é uma técnica recomendada em qualquer livro de economia, mas um remédio que tem que ser usado por pouco tempo. O Brasil está fazendo isso há décadas”, afirma o professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carlos Alberto Di Agustini.

Para o especialista, o que ele chama de “lição de casa” que não está sendo feita é o corte de gastos. “E não é cortar dinheiro na infraestrutura, na educação ou na saúde, mas na folha de pagamento, cargos comissionados, coisas que não têm a menor importância para a população brasileira”, explica.

Os reflexos disso alcançam as famílias, lembra o economista-chefe da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Felipe Queiroz. “Juros muito altos afetam o poder de compra das famílias em diferentes âmbitos. Ao aumentar o custo do crédito para famílias e empresas, impede-se o investimento e, no caso das famílias, torna-se quase inviável a aquisição ou a reforma de um imóvel”, conclui.

(Colaborou Raíssa Pedrosa)