A troca de declarações entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente Lula reacendeu o debate sobre a balança comercial entre Brasil e EUA. Em carta enviada ao mandatário brasileiro, o republicano classificou como “injusta” a relação comercial entre os países e afirmou que abrirá uma investigação contra o Brasil por práticas desleais, sugerindo que os norte-americanos estariam em desvantagem.

No entanto, os números contradizem a percepção de Trump. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o Brasil registra déficits comerciais seguidos com os EUA desde 2009. Até junho deste ano, o saldo negativo acumulado nas transações com os americanos chegou a US$ 90,28 bilhões. Apenas em 2024, os EUA tiveram superávit de quase US$ 300 milhões, de acordo com a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham).

O próprio presidente Lula, em resposta pública nas redes sociais nessa quarta-feira (9/7), afirmou que os Estados Unidos acumularam superávit de US$ 410 bilhões no comércio de bens e serviços com o Brasil nos últimos 15 anos. Ele também afirmou que qualquer medida unilateral será respondida com base na Lei Brasileira de Reciprocidade, o que pode indicar retaliação.

Para o economista e professor de Relações Internacionais da ESPM, Roberto Uebel, não há dúvida sobre quem leva vantagem nessa balança. “Não existe déficit comercial dos Estados Unidos com o Brasil. Existe um déficit do Brasil com os Estados Unidos. O Brasil tem importado mais dos EUA do que exportado há anos. O maior déficit foi em 2022, quase 14 bilhões de dólares. Mas todos os anos, o saldo é negativo para o Brasil”, explicou. Ainda segundo o especialista, a carta de Trump apresenta uma “leitura equivocada”, já que os EUA são superavitários na relação bilateral.

Consequências de uma eventual retaliação

Caso o Brasil opte por retaliar os EUA, aplicando tarifas sobre produtos americanos, o impacto pode variar, de acordo com Uebel. Apesar de não existir um anúncio formal por parte do governo brasileiro, o economista acredita que é provável que o Itamaraty, junto aos Ministérios da Fazenda e da Indústria e Comércio, esteja avaliando o cenário com representantes dos setores exportadores.

“Em uma eventual escalada tarifária, produtos brasileiros como petróleo, ferro, aço, carne bovina, celulose e café, muito consumidos nos EUA, ficariam mais caros no mercado norte-americano. Só de café, por exemplo, o Brasil exportou R$ 3 bilhões de dólares para os Estados Unidos nos últimos dois anos. A tarifa pode tornar o café do Starbucks, por exemplo, mais caro em Nova York”, destacou.

No sentido oposto, o Brasil importa dos EUA principalmente bens de alta tecnologia, como partes de aeronaves, turborreatores, maquinários, óleo diesel e gás natural. Segundo Uebel, há possibilidade de substituição desses produtos por fornecedores de outros países, como China, Canadá e nações europeias, o que diminuiria o impacto da retaliação no mercado brasileiro. “Já para os EUA, substituir rapidamente a pauta de importações do Brasil seria mais difícil, o que pode gerar efeitos inflacionários. O preço da energia, do combustível, dos alimentos nos Estados Unidos, pode sim ser influenciado. Isso geraria um efeito inflacionário, sem sombra de dúvidas”, conclui.