A decisão do governo Donald Trump de abrir uma investigação comercial contra o Brasil pode ser uma saída em busca um argumento legal para justificar a imposição de tarifas ao país, avaliam economistas nos EUA e integrantes do governo Lula (PT).

Ao dizer que parte dos motivos para aplicar sobretaxas ao país seria o que vê como "caça às bruxas" contra Jair Bolsonaro (PL), Trump deu um motivo político e não econômico, dando combustível a questionamentos sobre a legalidade das suas medidas. Analistas nos EUA acreditam que se, aplicadas, as tarifas devem ser contestadas na Justiça.

O argumento é que Trump teria excedido as prerrogativas que a legislação lhe confere para aplicar tarifas sem precisar do aval do Congresso Nacional por não haver nenhum tipo de emergência comercial envolvida.

A investigação aberta contra o Brasil, por sua vez, tentaria achar justamente razões para que o país possa ser retaliado na seara comercial e, embora também possa ser questionada se houver motivos, é mais difícil de ser derrubada judicialmente.

Chefe de gabinete do Instituto para Pesquisa de Política Econômica de Stanford, o economista Ryan Cummings dá como certo o questionamento das tarifas ao Brasil na Justiça, se elas forem aplicadas. E , ao inserir a defesa de Bolsonaro como argumento, Trump elevou as chances de elas serem derrubadas, ele avalia.

Para ele, a abertura da investigação com base na seção 301 teria por objetivo encobrir a medida. "Eles estão efetivamente tentando dar cobertura legal. Mas Trump já revelou o jogo em termos de qual é o propósito das tarifas. Agora, pessoas na administração reconhecem: "é improvável que possamos vencer isso. E então estão se esforçando para encontrar algo que acreditam poder justificar as tarifas", diz.

"Eu ficaria muito surpreso se a Starbucks ou diferentes empresas que usam suco de laranja brasileiro não tentassem processar alegando que o processo estabelecido não foi seguido. E acho que a investigação tem como objetivo tentar dizer encobrir depois que Trump já revelou o verdadeiro motivo dessas ações", avalia.

Ele acredita que, caso as tarifas de 50% sejam aplicadas e venham a ser questionadas na Justiça, haveria tempo para que o governo Trump encontrasse uma justificativa para sancionar o Brasil com base na seção 301.

O economista Benn Steil, diretor de economia do Conselho de Relações Exteriores, reforça a análise de que as tarifas impostas por Trump são ilegais Ele cita duas razões: por mencionar a perseguição a Bolsonaro, portanto, dar uma justificativa política a uma medida econômica e por afirmar que há déficit com o Brasil, quando na verdade há superávit.

Por isso, ele acredita que Trump procura um caminho para ou sustentá-las, caso ele resolva de fato aplicar as sobretaxas, ou encontrar outra forma de retaliar o Brasil.

"Para impor tais tarifas com sucesso, então, o presidente Trump terá que usar bases legais alternativas - como a Seção 301 ou a Seção 232. Estas têm muito mais probabilidade de sucesso, mesmo que o raciocínio legal por trás de seu uso seja um pretexto", avalia.

Um integrante do governo Lula diz que numa leitura menos benevolente, o governo americano abre a investigação para manter o país pressionado e sustentar legalmente a retaliação. Há uma esperança entre aliados do presidente de que Trump deixe de lado as tarifas de 50% e foque na investigação, que já seria bastante danosa, mas não há sinais do governo dos EUA de que isso vá acontecer.

Trump se valeu da Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA), de 1977, para justificar as tarifas contra o Brasil e também contra outras nações. A norma, historicamente utilizada para sanções e embargos, tornou-se peça central na estratégia de Trump para ampliar unilateralmente sua autoridade sobre a política comercial externa dos EUA.

Reilly Stephens, conselheiro Sênior do Liberty Justice Center, instituto que ganhou ação contra as tarifas de Trump no Tribunal de Comércio Internacional dos Estados Unidos, ressalta que não há emergência que justifique as tarifas contra o Brasil.

O governo apresentou um recurso contra o julgamento e a ação contra as tarifas de Trump agora estão num tribunal de apelação nos EUA, uma instância abaixo da Suprema Corte. Stephens diz que o centro não acrescentou o caso do Brasil ao processo porque eles questionam todas as tarifas de um modo geral, mas não duvida que isso seja levado a debate no dia 31 de julho, quando haverá uma audiência no caso.

"Eles têm imposto as tarifas de uma forma em que basicamente consideram tudo como uma emergência. As drogas são uma emergência, práticas comerciais normais são uma emergência. E que aqui, o julgamento de uma figura política em seu país que tem pouco ou nada a ver com nosso país, é de alguma forma uma emergência no meu país. Ainda não entendi bem por quê", ironiza.

Para ele, a investigação também busca sustentar a intenção de aplicar sobretaxas ao país. "Eles não fizeram isso desde o início porque não queriam ter que justificar. Eles queriam apenas impor quaisquer tarifas que desejassem. Acho que a resposta é que querem impor tarifas e estão procurando uma maneira de fazê-lo."