O Brasil criticou abertamente à Organização Mundial do Comércio (OMC) a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em estabelecer uma tarifa de 50% às exportações brasileiras. Durante reunião do organismo internacional nesta quarta-feira (23), o Ministério das Relações Exteriores (MRE) classificou a medida como ‘arbitrária’ e condenou a forma como a cobrança adicional foi anunciada. 

Trump informou a cobrança no dia 9 de julho, em uma carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No texto, o republicano citou que a sobretaxa será válida a partir de 1º de agosto e atrelou o endurecimento da barreira comercial ao Brasil ao processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de estado.

Na OMC, o secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, o embaixador Philip Gough, afirmou que as ações de Trump podem gerar um desequilíbrio econômico mundial. “Infelizmente, neste exato momento, estamos testemunhando um ataque sem precedentes ao Sistema Multilateral de Comércio e à credibilidade da OMC. Tarifas arbitrárias, anunciadas e implementadas de forma caótica, estão desorganizando as cadeias globais de valor e correm o risco de lançar a economia mundial em uma espiral de altos preços e estagnação”, disse, em discurso. 

Ao defender a posição do Brasil como defensor do multilateralismo comercial, o embaixador citou que as medidas de Trump são unilaterais e constituem uma violação dos princípios centrais que sustentam a OMC. “Essas medidas levantam questões fundamentais relativas à não discriminação e ao tratamento da nação mais favorecida, e correm o risco de comprometer a coerência jurídica e a previsibilidade do sistema multilateral de comércio. Elas também desestabilizam o equilíbrio das condições de acesso a mercados negociadas ao longo de várias décadas nos marcos do GATT e da OMC”, complementou. 

A denúncia brasileira à Organização Mundial do Comércio já estava no radar do Palácio do Planalto. No dia 10 de julho, em entrevista à TV Record, o presidente Lula (PT) citou a busca de uma saída diplomática na relação comercial com os Estados Unidos. "Veja, do ponto de vista diplomático, nós temos que recorrer à OMC. Você pode, junto com a OMC, encontrar um grupo de países que foram taxados pelos Estados Unidos e entrar com um recurso na OMC. Isso tem toda uma tramitação que a gente pode fazer", disse, à época, o presidente. 

À OMC, o Brasil reiterou a manutenção da busca por soluções diplomáticas, mas sinalizou que poderá avançar em uma reciprocidade caso as tratativas não tenham efeito. “Caso as negociações fracassem, recorreremos a todos os meios legais disponíveis para defender nossa economia e nosso povo — o que inclui o sistema de solução de controvérsias da OMC”, ponderou.

Desequilíbrios 

No discurso, o embaixador brasileiro alertou também para um risco de que o comércio global volte a ser regido por dinâmicas de poder, criando desequilíbrios para garantir interesses particulares de países. “Para além das violações generalizadas das regras do comércio internacional - e ainda mais preocupante -, estamos agora testemunhando uma mudança extremamente perigosa rumo à utilização de tarifas como instrumento de tentativa de interferência nos assuntos internos de terceiros países”, disse o secretário do Itamaraty.

O embaixador ainda defendeu a soberania do Brasil no julgamento dos processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Como uma democracia estável, o Brasil tem profundamente enraizados em sua sociedade princípios como o Estado de Direito, a separação de poderes, o respeito às normas internacionais e a crença na solução pacífica de controvérsias”, argumentou.

Por fim, o representante do governo brasileiro disse que a escalada de Trump contra o Brasil - e outros países também taxados pelo presidente norte-americano - pode desencadear em conflitos. “Negociações baseadas em jogos de poder são um atalho perigoso para a instabilidade e a guerra. Diante da ameaça de fragmentação, a defesa consistente do multilateralismo é o caminho a seguir. Ainda temos tempo para salvar o Sistema Multilateral de Comércio. O Brasil continua disposto a discutir e cooperar com esse objetivo”, finalizou Gough. 

Entenda o cenário 

Desde o anúncio de uma taxa de 50% às exportações brasileiras, representantes do governo federal e do setor produtivo buscam alternativas para derrubar a barreira comercial. Um comitê liderado pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB), reúne empresários e outros integrantes do governo nas negociações com os norte-americanos. 

Paralelo a isso, alguns setores planejam negociações individuais. É o caso da mineração, que prepara uma missão de empresários aos EUA para debater o assunto com integrantes do governo Trump, parlamentares dos EUA e representantes de empresas norte-americanas do setor. 

O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP) alertou que o tarifaço de Trump pode comprometer receitas do agronegócio brasileiro, provocar desequilíbrios de mercado e pressionar os valores pagos ao produtor.

Os itens mais expostos à cobrança adicional são o mercado de suco de laranja, o setor cafeeiro, a pecuária de corte e o de frutas frescas. O endurecimento da política tarifária ocorre mesmo com a balança comercial entre os dois países sendo mais favorável aos EUA historicamente. Em 2024, considerando todos os setores, o Brasil exportou R$ 40,3 bilhões para os Estados Unidos. As importações de insumos norte-americanos, porém, somaram R$ 40,6 bilhões.