O Brasil poderá ficar sem exportar um litro sequer de suco de laranja aos Estados Unidos a partir do dia 1º de agosto, quando entra em vigor a tarifa de 50% estabelecida por Donald Trump aos produtos brasileiros. A projeção foi feita pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A entidade afirmou que a manutenção da cobrança inviabiliza a venda ao mercado norte-americano, gerando a perda de aproximadamente US$ 795 milhões em negociações.
Mas com o fechamento da indústria estadunidense - responsável por absorver 40% da oferta nacional - à bebida brasileira, para onde será redirecionada a produção de laranja do país? O assunto tem sido tratado como delicado na indústria. Por ora, representantes evitam cravar possíveis destinos, mas mantêm a preocupação com os impactos que serão gerados ao setor no país.
Além dos EUA, outro mercado com consumo largo é o europeu, para onde o país envia cerca de 52% da produção nacional de sucos industrializados, segundo o presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), Ibiapaba Netto. Ele salienta que redirecionar o volume norte-americano a outros territórios é uma tarefa complexa.
“Nós temos praticamente 60 anos que o Brasil exporta para os Estados Unidos e nunca tivemos problemas. É um soluço em uma relação bem sucedida”, diz. No mercado estadunidense, ele frisa que o consumo da bebida tornou-se um hábito. “É uma população grande, com renda per capita mais alta, e com esse hábito de consumo do suco de laranja principalmente no café da manhã. Na Ásia, não se tem esses fatores, então não dá para simplesmente tirar de um mercado acostumado e sair vendendo por aí, porque não tem estrutura para receber, envasar e distribuir o produto”, pondera.
A pesquisadora da área de Citros do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da USP, Margarete Boteon reforça a importância do mercado norte-americano. Atualmente, cerca de 90% do suco consumido nos EUA é importado, sendo que 80% têm origem no Brasil. Ela salienta que com a ameaça de tarifa na próxima semana, indústrias brasileiras já passaram a suspender novos contratos, limitando-se ao mercado spot, com valores entre R$ 40,00 e R$ 45,00 por caixa, diante do elevado grau de incerteza.
“Essa instabilidade ocorre justamente em um momento de boa safra no estado de São Paulo e Triângulo Mineiro: 314,6 milhões de caixas projetadas para 2025/26, crescimento de 36,2% frente ao ciclo anterior. Com o canal norte-americano sob risco, o acúmulo de estoques e a pressão sobre as cotações internas tornam-se prováveis”, avalia.
A analista de agronegócio da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) Mariana Marotta destaca que o impacto será mais direto ao Cinturão Citrícola, concentrado em São Paulo, mas que abrange municípios do Triângulo Mineiro. “Os Estados Unidos desempenham um papel estratégico para a cadeia produtiva do suco brasileiro, sendo atualmente o principal destino das exportações. Qualquer interrupção nesse fluxo comercial pode trazer impactos significativos, como queda na receita com exportações, excesso de oferta no mercado interno e consequente desvalorização do preço da fruta, afetando diretamente a rentabilidade dos produtores”, cita.
Marotta ainda sinaliza que outros mercados como a União Europeia, China, México, Bélgica e Países Baixos, têm limitações em volume, concorrência e exigências regulatórias. “Ao mesmo tempo, o próprio mercado norte-americano enfrenta desafios estruturais como o avanço do greening, eventos climáticos extremos e a redução das áreas plantadas, o que amplia sua dependência do suco brasileiro”, completa.
Brasil é opção?
O presidente da Associação Central dos Fruticultores do Norte de Minas (Abanorte), Dirceu Colares, acredita que o fechamento do mercado americano poderá resultar em uma super oferta de laranjas no Brasil. A possibilidade é aventada também por Mariana Marotta, da Faemg, mas com cautela. “Pode ser uma alternativa, mas não há garantia de que toda a produção será absorvida. Isso pode gerar excesso de oferta e sobrecarregar o mercado, impactando diretamente os preços pagos aos produtores rurais”, alerta.
Ipiapaba Netto, da CitrusBR, lembra que em relação ao suco de laranja industrializado, o consumo nos EUA é de 300 bilhões de litros, enquanto no Brasil o volume chega a 300 milhões de litros. "É um mercado que pode crescer, mas chegar perto do americano é difícil”, assegura.
Tarifaço pode ‘azedar’ safra
A iminente cobrança de 50% de Donald Trump ao mercado brasileiro pode colocar em xeque o futuro de 314,60 milhões de caixas de laranja que devem ser colhidas na safra 2025/2026. Esse valor representa um aumento de quase 40% em relação à safra anterior e está relacionado ao maior número de frutos por árvore, devido às boas condições climáticas para a segunda florada, além do crescimento no número de árvores produtivas.
O analista da Consultoria Agro do Itaú BBA Wharley Nunes lembra que a safra de 2024/2025 reduziu o excedente industrial no país, mas há expectativa de recomposição do volume. Ele, entretanto, lembra que há uma pressão global sobre a demanda, que pode dificultar ainda mais o cenário em meio às tarifas.
“Mudanças nos hábitos de consumo e a busca por produtos com menor teor de açúcar afastaram o suco de laranja das mesas, especialmente no café da manhã. O consumo vem sendo substituído por refrigerantes, águas saborizadas e outras bebidas de baixa caloria, além de ser afetado por preços elevados”, observa Nunes.