Amado por alguns e odiado por outros, o horário de verão transcende questões de gosto pessoal e é tratado, no setor de energia, como uma possível estratégia para solucionar problemas no sistema elétrico brasileiro. Por ora, não há indicativo de que o governo federal voltará a adotar a medida, extinta em 2019. Com a possível recomendação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para o retorno da tática, especialistas argumentam quais são os dilemas de adotar novamente o horário de verão.
Ele costumava ser adotado no Brasil entre os meses de novembro e fevereiro e adiantava o relógio em uma hora. Assim, nas primeiras horas da manhã ainda estava escuro, e o sol se punha uma hora mais tarde. A ideia era aliviar a sobrecarga do sistema elétrico no começo da noite, quando uma série de demandas coincidiam, como o acionamento da iluminação pública e banhos após o final do expediente de trabalho dos brasileiros.
É o que se chama de horário de ponta no setor elétrico, aquele no qual há um pico de consumo. O presidente da empresa de geração CMU Energia, Walter Fróes, explica que, embora o início da noite ainda tenha alta demanda, a pressão hoje se distribui de forma diferente de décadas passadas.
“O horário de ponta agora é no meio da tarde, e o que o cria é o ar-condicionado. O horário de verão é útil, sim, porque se utiliza mais a luz do sol, mas ele não é mais tão representativo quando foi no passado. Ele com certeza contribuirá, mas não é tão expressivo”, pontua Fróes.
Ainda que haja esse aumento de pressão no meio da tarde, o anoitecer ainda é o maior ponto de tensão na rede, argumenta o consultor do setor de energia Fernando Umbria. Ele também destaca que o aumento da demanda não é o único fator que contribui para isso. “Mais um elemento que tem que ser colocado nessa equação é o fato de termos muita geração de energia intermitente. Destaco a fotovoltaica, que, por ser solar, começa no início da manhã, vai crescendo até o meio do dia e, aí, começa um processo de decréscimo”.
Hoje, a energia solar representa cerca de um quinto da matriz energética brasileira, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Este é um dado importante porque, pela lógica do sistema elétrico brasileiro, a geração precisa ser equivalente à carga (demanda) para garantir estabilidade.
Como a disponibilidade de energia solar diminui à noite, justamente a partir do horário de ponta, o sistema precisa fazer rapidamente a transição para as fontes flexíveis — em especial, as hidrelétricas e, em alguma medida, as termelétricas. Elas são conhecidas dessa forma porque podem ser acionadas rapidamente para atender às necessidades do sistema. “O ONS vive um problema que requer muita atenção e tem necessidade de buscar alternativas que possam minimizá-lo”, sublinha o consultor Fernando Umbria.
O horário de verão não é o único caminho possível para reduzir o problema. Uma esperança no futuro é a popularização de baterias que possam armazenar a energia solar, o que ainda é inviável para a maioria dos sistemas fotovoltaicos. “O futuro do setor elétrico aponta para bateria barata e competitiva”, enfatiza o presidente da empresa de geração CMU Energia, Walter Fróes.
A situação é agravada em momentos de instabilidade dos períodos chuvosos. Hoje, os reservatórios de energia hidrelétrica brasileiros não estão em um nível considerado crítico pelo ONS. Mas o operador ressalta que o chamado período úmido de 2024 e 2025 teve chuvas irregulares e inferiores aos padrões históricos. Por enquanto, de acordo com o ONS, medidas de gestão desse volume de água garantem o atendimento adequado em 2026 sem total dependência de um período chuvoso satisfatório.