A ameaça de uma taxa de 50% sobre todos os produtos brasileiros levantada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, deixa o governo federal e mercados inquietos. Em Minas Gerais, ela pode significar impactos diretos e significativos para alguns setores, mas, no panorama da economia mineira, seu efeito ainda é incerto.
Em 2024, as exportações de Minas para os EUA alcançaram cerca de R$ 4,6 bilhões, o que representa 0,43% do PIB estadual de R$ 1,06 trilhão. À luz desses números, o economista da Fundação João Pinheiro (FJP) Lúcio Barbosa reflete que os efeitos da taxa de Trump devem ser examinados com ponderação.
“Existe um impacto, é claro, mas precisamos contextualizar a proporção dele. Não é um impacto gigantesco. Ele é mais direcionado a algumas cadeias produtivas. Café e aço são dois produtos muito importantes para a produção mineira”, diz. Ele explica que cerca de dois terços das exportações estaduais para os norte-americanos correspondem a esses dois mercados.
Eles se preparam para um baque expressivo. “O impacto é o pior possível. O estado está se endireitando em parte pelo que produzimos no agro. Minas é um pepino gigante. Em todo filme americano, você vê alguém tomando café. De onde esse café vem? Do Brasil”, diz o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Sistema Faemg Senar), Antônio de Salvo.
A Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) reforça que os EUA são os maiores consumidores de café do mundo e dependem de países produtores, como o Brasil, para abastecer seu mercado interno. “A medida, comunicada de forma unilateral, representa um grave retrocesso nas relações comerciais entre os dois países que pode gerar impactos extremamente negativos e relevantes para toda a cadeia produtiva do café brasileiro, comprometendo a competitividade das exportações e pressionando os custos operacionais em um momento de reorganização do mercado global”, completa, em nota.
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A tensão ocorre em plena colheita do café em Minas — os maiores compradores do produto são Alemanha e EUA. A Superintendência Regional do Trabalho em Minas Gerais estima que, dos cerca de 7.500 empregos formais gerados pelo agronegócio mineiro no estado em maio, 60% foram direcionados à cafeicultura. “As tarifas afetam diretamente nosso mercado de trabalho. Nosso governador e a Assembleia Legislativa têm que ter uma voz forte no Brasil. Nossa economia é muito grande para não termos uma fala”, sublinha o superintendente estadual, Carlos Calazans.
Na tarde desta quinta-feira (10/7), ele se reunirá com o governador, Romeu Zema (Novo) para discutir o tema. O governador culpou Lula, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a primeira-dama, Janja, pela reação de Trump.
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Para o pesquisador Lúcio Barbosa, a tarifa dos EUA pode aproximar o Brasil ainda mais da China, hoje sua principal parceria comercial. “A reação de Trump me parece se relacionar aos Brics. EUA e China são as duas principais economias do mundo. Com essa política mais errática de taxação dos EUA e, agora, talvez mais incisiva contra o Brasil, abre-se mais o espaço para o Brasil ficar ainda mais próximo da China”, conjectura.
Já o presidente do Sistema Faemg Senar, Antônio de Salvo, questiona se será possível redirecionar as exportações a outro país por um preço competitivo. “Pode até existir um mercado alternativo, mas por um preço muito menor, porque o Brasil estaria ‘super ofertando’ aquilo que não deu conta de vender para outro parceiro seu”.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa os produtores de carne de frango, porco e ovos, salienta que a balança comercial do setor com os EUA é deficitária — isto é, o Brasil importa mais do que exporta. Apesar disso, ela diz que “os embarques de proteína animal para os Estados Unidos têm relevância para as cadeias produtoras, gerando divisas importantes para a sustentabilidade dos setores exportadores”.
Do lado industrial, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) ressalta que os EUA são os principais parceiros da indústria de transformação mineira. “A Fiemg reforça a importância do diálogo e da cooperação entre os países, especialmente em um momento em que se exige serenidade e responsabilidade nas relações comerciais internacionais. Os Estados Unidos são um parceiro estratégico para o Brasil, em especial para a indústria manufatureira nacional”, diz nota da entidade.
O efeito cascata de Trump
Além das consequências diretas sobre alguns setores, a tarifa de Trump pode desencadear um efeito cascata na economia mineira, diz o pesquisador da FJP Lúcio Barbosa. “As repercussões devem ser mais localizadas em regiões exportadoras de café e aço. O possível impacto imediato seria a queda de produção e emprego. A queda da renda das famílias, por exemplo, diminui a demanda associada ao consumo. Ou seja, efeitos diretos e indiretos podem aumentar as repercussões sobre a economia mineira”, enfatiza.
Ele também destaca o efeito do aumento do dólar sobre o bolso dos brasileiros. “Há, ainda, as questões mais macroeconômicas: o dólar está, no momento, subindo para R$ 5,60. Isso pode contribuir negativamente para o arrefecimento da inflação que está em curso. A consequência seria a manutenção da taxa de juros em patamar elevado pelo Banco Central”, conclui.