Desde que iniciou seu segundo mandato na presidência dos EUA, Donald Trump tem utilizado tarifas como uma arma de pressão comercial e política. O Brasil se tornou um de seus maiores alvos e, entre todos os países ameaçados por ele, recebeu a maior tarifa: 50%.
Ainda que as negociações do tarifaço estejam nas mãos do alto escalão dos dois governos, as consequências poderão ser sentidas também no dia a dia dos brasileiros. A medida tem potencial para afetar profundamente o comércio entre os dois países e, consequentemente, levar ao desequilíbrio de preços em ambos e à instabilidade de setores inteiros e empregos no Brasil.
Entenda abaixo 7 pontos que você precisa saber sobre o tarifaço de Trump:
1 - Como funcionam as tarifas de Trump?
Uma tarifa é uma taxa paga pelo importador ao governo de seu país ao comprar um produto de outra nação. Se a tarifa de um produto é 50%, por exemplo, isso quer dizer que, ao adquiri-lo, o comprador pagará, além do valor do item, mais 50% desse valor ao governo. Esse dinheiro entra nos cofres do Estado e alimenta a máquina pública.
Não é, portanto, o próprio governo brasileiro que paga as tarifas a Trump, e nem as empresas brasileiras. Ocorre que, quando há elevação das taxas, os importadores norte-americanos tendem a comprar menos produtos brasileiros ou exigir preços mais baixos, o que afeta diretamente os negócios do Brasil.
Ainda não está claro como a tarifa será efetivamente cobrada, mas parte do mercado entende que ela será uma sobretaxa. Isso significa que ela não substituirá tarifas que já existem, mas será somada a elas. A carne bovina, por exemplo, que hoje tem taxas de até 26,4%, passaria a ser taxada em até 76,4%, considerando o acréscimo da nova taxa de 50%, segundo cálculo da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O modelo de cobrança só será oficialmente conhecido, porém, com a publicação da medida pelos norte-americanos.
2 - Quais setores serão mais afetados?
O tarifaço de Trump vale para qualquer produto vindo do Brasil, mas ele afeta com mais intensidade setores com tradição de exportação volumosa para os EUA. Imediatamente, ele colocou em alerta a siderurgia nacional e segmentos do agronegócio, especialmente os produtores de café, carne e laranja, mas também afeta as autopeças e as aeronaves, por exemplo
A CNA fez projeções da queda estimada dos valores exportados para os EUA em segmentos do agro. Ela chega a 100% para os produtores de suco de laranja e 25% para os cafeeiros.
3 - Quais são as consequências do tarifaço de Trump?
O tarifaço de Trump tem consequências para os dois países. No Brasil, o temor é que as empresas exportadoras tenham prejuízos profundos, diminuam a produção e mesmo reduzam os empregos. Os EUA, afinal, são o segundo maior parceiro comercial do país, atrás somente da China.
Nos EUA, as taxas podem significar aumento do preço de produtos do cotidiano para os norte-americanos. O suco de laranja, por exemplo, é um item tradicional do café da manhã nos EUA, que compram cerca de 40% da produção do Brasil. Hoje, aproximadamente 80% do suco consumido pelos estadunidenses são brasileiros.
Em teoria, a restrição de venda aos EUA pode aumentar a oferta de produtos no Brasil, já que eles já não terão o mesmo mercado externo disponível. Isso não quer dizer necessariamente que os preços baixarão domesticamente, entretanto.
Há, na verdade, prospecção de danos à economia brasileira. Uma pesquisa do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da UFMG projeta que o Produto Interno Bruto (PIB) do país pode cair 0,16%, redução de R$ 19,2 bilhões, e 110 mil empregos podem ser ameaçados.
4 - Qual é a motivação do tarifaço de Trump?
Trump anunciou a tarifa ao Brasil em uma carta. Ela só cita uma motivação econômica no final. É quando Trump afirma, de forma equivocada, que os EUA têm déficit com o Brasil — isto é, compra do país mais do que vende a ele. Na verdade, ocorre o contrário, um superávit, há 17 anos seguidos.
Trump abre sua carta mencionando frustrações políticas. Ele afirma que o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é uma “caça às bruxas” e que o Brasil teria "centenas de ordens secretas" que censurariam a liberdade de expressão dos norte-americanos.
5 - Quais são as chances de o Brasil reverter a taxação?
O Brasil empreende esforços para reverter a taxa. Havia uma esperança de que ela fosse, ao menos, adiada — o que caiu por terra quando o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, confirmou que não haverá “períodos de carência”. Ele sublinhou que Trump está disposto a negociar, mas, por outro lado, ainda não houve tratativas oficiais entre os dois países.
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, chegou a conversar com Lutnick sobre a disposição do Brasil para negociar, porém não houve mudanças desde então.
O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, chegou a Nova York nesta semana para uma conferência da Organização das Nações Unidas (ONU), mas sem convites oficiais para visitar Washington e falar sobre as tarifas. Em outras frentes, Trump negocia. Na segunda-feira (28/7), ele acordou a redução da taxa de 30% para 15% com a União Europeia (UE).
Enquanto não há confirmação de afrouxamento da tarifa, o Brasil estuda medidas de socorro a setores fortemente afetados pelo tarifaço. O país também levanta a possibilidade de utilizar a Lei Brasileira de Reciprocidade Econômica. Sancionada em abril deste ano, ela prevê que o Brasil adote medidas proporcionais contra tarifas impostas a ele por outros governos.
Mas há riscos implicados na estratégia. Uma pesquisa da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) calcula que 1,9 milhão de brasileiros podem perder o emprego caso o Brasil levante tarifas de 50% contra os EUA, além de um impacto de 2,21% no PIB.
6 - Outros países também foram taxados por Trump?
O Brasil não é o único país a sofrer com as tarifas de Trump — mas é o que recebeu a tarifa mais alta. No mesmo dia em que disparou a carta ao Brasil, ele também endereçou comunicados a Argélia, Brunei, Iraque, Líbia, Moldávia, Filipinas e Sri Lanka.
Outras nações que já vinham sendo ameaçadas com aumento de tarifas conseguiram negociar reduções. É o caso, por exemplo, dos países da União Europeia (que baixaram de 30% para 15%), do Japão (de 25% para 15%) e da Indonésia (de 32% para 19%). Nas negociações com a China, maior rival comercial dos EUA, uma tarifa de 145% baixou para 30% pelo menos temporariamente.
7 - Qual é a relação do Pix com o tarifaço de Trump?
Paralelamente ao anúncio do tarifaço, o governo Trump abriu uma investigação sobre práticas comerciais do Brasil que ele considera supostamente “desleais”. Entre as críticas, a investigação menciona indiretamente o Pix, referenciado como “serviços de comércio digital e pagamento eletrônico”.
O Pix é o método de pagamento mais utilizado no Brasil, tem se disseminado em transações internacionais que antes usariam o dólar e concorre com as bandeiras de cartão de crédito norte-americanas. Um dos motivos que podem ter agravado as críticas é que o Banco Central (BC) teria favorecido o Pix em vez do WhatsApp Pay, ferramenta da Meta, empresa do norte-americano Mark Zuckerberg, que tem se aproximado de Trump.